fuga

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[Nome]

2018, Reformatório Juvenil.

Penso, logo existo.

Penso, logo existo.

Penso, logo existo.

Suor, nervosismo, gagueira... Tudo isso contribuía para eles rirem.

— A-alguém s-se arrisca a d-dizer o-o q-que Descartes q-que-queria d-dizer? — Mais risadas. É óbvio que eles ririam. Todos riam quando descobriam que era gaga.

— T-t-tia p-p-po-poderia re-re-petir? — Quando um dos garotos a imitou, o resto da sala riu novamente. Todos os dias eram assim: recepcionada com papéis na cara, xingamentos, ameaças ou no menos grave dos casos, como agora: risadas por conta de sua gagueira.

O sinal tocou e respirou de alívio: a aula (ou sessão de tortura) havia se encerrado. Mas antes, precisava passar a lição de casa:

— P-pesso-pessoal... P-para l-lição de c-casa, q-quero q-que le-leiam os p-primeiros q-quatro capítulos de C-c-crime e C-c-castigo. — Dessa vez, numa tentativa de conquistá-los, comprou até mesmo em sebos alguns exemplares do livro e os entregou. — A-aqui.

Quando estava chegando nas últimas fileiras da sala, suas pernas foram tremendo ainda mais, ainda assim, entregaria cada livro, mesmo que fosse recebida com olhares de ódio e desprezo por parte dos alunos. Mas, quando viu aquele reflexo prateado do objeto que um deles portava, foi inevitável: atirou todos os livros ao chão e tapou o rosto, involuntariamente, suas pernas tremiam e começou a chorar.

— Tá louca, tia?!

Só ergueu novamente o rosto quando o diretor da escola apareceu, consolando-a e mostrando que não, não era uma faca e não, os alunos não a matariam. Rindo, todos foram embora e ficou sozinha. Como sempre.

Carbonato de Lítio. Duas doses extras.

Sim, sabia que era contra a indicação de seu médico, mas de umas semanas para cá, passou a ter o hábito de se automedicar em plena luz do dia. As vozes, os pensamentos... Eles ficaram cada vez mais frequentes em seu dia-a-dia e só sumiam quando tomava o bendito remédio.

Em partes, foi ela quem causou todo aquele estresse em sua vida, em outras... Pensava que foi apenas um erro pensar. Existir. Tal como a teoria de René. Foi alguém que nasceu para falhar.

30 anos, virgem. Nunca teve um único relacionamento em sua vida. Muito cedo, virou orfã da pior forma possível. Sua vida se resumia em dar aulas de filosofia e literatura na escola reformatória para jovens infratores e cuidar de seus gatos e plantas, quando não estava adormecida pelo efeito dos remédios. Esses eram seus dias. Não tinha ninguém em sua vida exceto... Haru, a causa de boa parte de seus problemas.

E mais uma vez, ele telefonou, ainda mais desesperado do que nos dias anteriores, isso fazia o coração de [Nome] disparar ainda mais rápido. Ele era a única pessoa que tinha em sua vida. Seu tolo irmão caçula que resolveu se aventurar no submundo do crime. Era um subordinado dos homens da maior organização criminosa do país, a Bonten. E cometeu o terrível erro de traí-los. Agora, sua vida se resumia em telefonar para pedir dinheiro e ajuda à irmã, precisava de dinheiro para deixar o país, e, por sorte, não deixar rastros.

Mas dessa vez, a ligação tinha um propósito bem mais intrigante para [Nome].

"Alô?! Mana!! Por favor, venha logo! Vamos nos encontrar no beco em frente ao restaurante de Lamen. Eu preciso te contar uma coisa".

Sem hesitar, foi ao seu encontro. Ele não pediu nada que não fosse sua presença, o que já seria motivo mais do que suficiente para se desconfiar. Ainda assim, confiava em seu irmão e faria de tudo por ele, mesmo que tenha cometido tantos erros em sua vida. Principalmente, com ela.

Quando chegou ao local combinado, o viu de imediato: continuava o mesmo, com roupas escuras, os cabelos negros e bagunçados... Só que dessa vez, estava totalmente empalidecido, com a testa suada, sentia o medo em seus olhos.

— H-haru!! Vo-você está- — Enquanto corria em sua direção para vê-lo, viu o rosto de seu irmão caçula se deformar pelo susto e só então descobriu que era uma armadilha. Não conseguiu gritar, pois sua boca foi tapada por uma mão com luvas. Então, sentiu aquele cano frio em sua cabeça e o barulho do gatilho. Haru ficou completamente paralisado.

— SEU MERDINHA! Ou você se entrega agora, ou eu vou estourar os miolos da sua irmã. Você quem decide, Haruno. — Ouviu uma voz grossa e firme por trás. Provavelmente, era um dos homens da Bonten, que nesse exato momento, a mantinha como refém.

— ... — Haru não sabia o que fazer, mas pela sua expressão de medo e desespero, [Nome] já sabia o que ele faria. E não hesitou em gritar:

— HARUUU!!! FUJAA!!! — Gritou e como um raio, o seu caçula sumiu. Sabia que essas foram suas últimas palavras, mas não sentiu-se triste. Pelo contrário, foi uma média e miserável vida que vivera. Não tinha nada a perder e a única pessoa que importava estava segura agora. Morreria em paz sem ao menos saber quem era o seu assassino.

Mas mal sabia ela, que aquele não era o seu fim. Ainda que, ouvisse mais duas vezes o barulho do gatilho.

— FILHO DA PUTA COVARDE!!! — A voz atrás dela gritou novamente. Suspirou e assim, ouviu o barulho do tiro. Só que não foi como prometera, em sua cabeça. Foi para o alto. — Que tipo de lixo joga a irmã no meio das próprias sujeiras e foge feito um rato? Eu vou te encontrar... Haruno. E você vai morrer, da pior forma possível.

Aproveitou o momento de distração do homem e mordeu o seu braço, na sua cabeça, foi forte o bastante para derrubá-lo. E então tentou fugir no momento em que ele começou a gritar de dor.

Mas em questão de segundos, ele se recuperou e a puxou com força para sua direção. Finalmente pôde ver seu rosto: era um homem, alto e de boa aparência, apesar da grande cicatriz que cobria parte de seu rosto. Seus olhos eram bicolores, o que lhe dava um ar ainda mais assustador. Obviamente, encontrava-se enfurecido com a sua mordida e tentativa de fuga. E novamente, apontou a arma em sua direção.

— Você acha mesmo que eu estava brincando?! Eu vou mesmo te matar!

Ela por sua vez, deu de ombros.

— Vai em frente.

phantom of the opera - kakuchoOnde histórias criam vida. Descubra agora