por água abaixo

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Desde os primeiros minutos que passou ao lado daquele homem estranho, já sabia analisar o seu caráter: ele usava uma casca, fingia-se de cruel e impiedoso, mas ficava receoso com tudo o que fazia. Não era sangue frio o suficiente para ter um cargo tão alto naquela organização criminosa. Síndrome de Estocolmo? Claro que não. [Nome] não negava que ele tinha uma boa aparência, apesar da grande cicatriz, mas nada além disso.

Depois de ler tantas histórias e lidar com tantas pessoas como ele, ela sabia analisar bem uma pessoa. E aquele desconhecido tinha muitas falhas como um criminoso: Ele poderia ter, ao menos, machucado Haru. Não o fez, aquilo lhe parecia algo mais pessoal do que qualquer coisa. Talvez, seu irmão fosse um amigo daquele homem e acabaram tendo algum desentendimento. Ainda assim, aquele homem não fora frio ou desumano o suficiente para matar um amigo. Em outras palavras, ele não matou porque não quis.

— Qual o seu nome? E qual o número da sua vizinha? — Depois de horas juntos, ainda assim, ele não sabia o seu nome. Era um criminoso pouco inteligente, ao que via.

— [Nome]. P-por que o número?

— Kakucho. Não queria que cuidasse dos seus gatos? Tá vendo? Não sou tão ruim assim! Bom.. Você poderia me dar uma pista e você mesma poderia ver seus gatos, mas não, prefere tudo do jeito mais difícil...

Ele estava mudando a abordagem? Simplesmente queria bancar o herói agora?

— T-tá q-querendo ser bonzinho? N-não vai adiantar, garoto. C-continua sendo... Um lixo pra mim. — Ele ficou simplesmente indignado com a "falta de gratidão" da mulher.

— EU TÔ SENDO LEGAL COM VOCÊ E ME CHAMA DE LIXO?

— Sendo legal? V-você me sequestrou e quer m-matar meu irmão! Q-que tipo de p-pessoa sequestra uma professora? Deplorável!

O homem não conseguia acreditar na ousadia e sinceridade daquela mulher. E não negava: gostava e se divertia com isso, apesar de também ficar irritado quando ela simplesmente esquecia que seu amado irmãozinho era tão deplorável quanto ele.

— E você por acaso acha que seu irmão é um santo? Ele faria exatamente a mesma coisa se eu tivesse uma irmã, por exemplo. Sabe que tipo de negócios e com quem o Haru estava envolvido?

— Uma atitude n-não justifica a outra. — [Nome] respondeu, firme. — Sei muito bem q-que ele tra-trabalhava para você, então...

Kakucho sorriu para ela, ironicamente.

— Você não sabe de toda história... Sabe porque vou matá-lo? Ele nos traiu. Para a Yakuza. Estava trabalhando como espião para o comandante da unidade de Tóquio.

Aquilo a deixou enjoada, por alguns segundos, perdeu os sentidos e até mesmo a noção de espaço/tempo. Não tinha como ser verdade. Haru nunca faria isso! Nunca!

— MENTIROSO! — Levantou-se rapidamente e pegou pelo colarinho do homem. Não queria ouvir uma mentira nojenta como aquela. Haru nunca se intrometeria com o comandante da Yakuza. — Haru NUNCA faria isso!!

Obviamente, ele se assustou com a reação extrema da mulher. A Bonten era tão maligna e suja quanto à Yakuza. Por que levou aquilo como uma ofensa tão grande?

— Você por acaso perdeu a porra da razão para me agarrar? — Ele ficou muito irritado, mas antes que pudesse confrontá-la, foram surpreendidos pelo barulho de seu celular.

Kakucho tomou uma curta distância de [Nome] e novamente, apontou sua arma em sua cabeça. Ordenou que atendesse.

— Vivo a voz. Se fizer qualquer gracinha...

A mulher engoliu em seco. Mesmo que fosse uma jogada de risco, torcia para que fosse Haru. Queria tanto falar com ele e confrontá-lo sobre a Yakuza... Só poderia ser mentira daquele homem, não é?

"A-alô?" — Ela sequer leu o número de contato. Em questão de segundos, a ligação caiu e ouviu-se um barulho de tiros! Pegou o celular novamente e viu que se tratava de sua vizinha, a senhora Shimizu! Aquilo foi antes mesmo do homem ligar para ela sobre o assunto dos gatos. De imediato, o coração de ambos se acelerou. Sentiu algo horrível.

— S-shimizu-San!! O-o q-que...?! Pr-precisamos ir até lá!! É minha amiga!

— O quê?! Por acaso se esqueceu de que...

— P-por favor, K-kakucho! E-eu juro... P-posso te ajudar. Se me deixar ir até lá.

Ele pensou por alguns segundos, ainda sem acreditar que ela realmente faria isso, mas cedeu. Talvez, se conquistasse sua confiança, poderia conseguir informações com mais facilidade.

— Ok. Cinco minutos e voltamos. — Por algum motivo, ele pensava que Haru estivesse por trás daqueles tiros... Ir até o local poderia dar ainda mais informações.

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Minutos depois, apartamento de [Nome]

— ... — A porta de sua casa estava escancarada, mas não havia quaisquer sinal de que sua casa fora revirada, permanecia da mesma forma que deixara. Nenhum de seus gatos por perto: Liev, Fiódor, Anton ou Gogol. Tudo muito silencioso. Silencioso até demais...

Quando viu aquele reflexo pelo espelho de seu banheiro, não teve tempo de reagir: apenas sentiu sua boca sendo tapada por mãos enormes, mas não se desesperou: eram as mesmas que há horas atrás havia feito o mesmo.

Kakucho fez um sinal de "shhh" e a colocou para trás, mas foram surpreendidos por rápidos movimentos na direção de [Nome]. Foi uma cilada.

— Fecha os olhos.

Jogou-se em sua frente e proferiu três tiros no peito do homem, tão rápidos que se perguntou se ele era mesmo um humano. E fez o mesmo com o homem que saiu do banheiro. No fim, nenhum dos dois havia se machucado. Nenhum único arranhão. Quem mais parecia assustado, surpreendentemente, era Kakucho, com a indiferença e apatia de [Nome], que não se mostrava nada assustada com a situação. Talvez fosse seu jeito de reagir quando estava em choque? Nunca saberia.

Só sabia que haviam dois assassinos (agora mortos) em seu apartamento. E isso significava que...

— SHIMIZU-SAN!!! — Kakucho tentou impedi-la de ir até a casa de sua amiga.

— Não vá até lá. Você vai encontrar algo que não queria ter visto.

— NÃO! Ela é minha amiga! — Se soltou do homem e correu até a casa, que assim como a sua, estava com a porta escancarada. Com passos involuntários, se dirigiu até um rastro de sangue, já sabendo o que encontraria. Ainda que estivesse preparada, sentiu.

— Não... — Suas mãos tremiam. Era uma cena familiar. Sentiu um aperto no peito e não sabia como continuava parada em pé. Sentiu. Era uma boa senhora, gentil... Uma boa amiga. Por que? Por que teve aquele destino tão triste.

— Shhh... Você não precisa ver. — Mesmo que o desprezasse, aceitou o consolo de Kakucho. Ele virou seu rosto para outra direção para que assim, ela parasse de ver.

— Era minha amiga. Por que....? Por quê?

Depois de tomar um tempo para chorar, também percebeu que não havia mais sinais de seus gatos. Em um único dia, conseguiu perder tudo que lhe era precioso. Seu mundo já conturbado virou de cabeça para baixo em instantes. E a pobre Shimizu... Morreu por sua culpa.

— São subordinados da Yakuza. Com toda certeza. — Ele olhou o uniforme de um dos assassinos que baleou. — Eles vieram te matar. Tenho certeza que seu irmão tem algo a ver com isso.

— NÃO! IMPOSSÍVEL! É... Impossível! E-ele n-nunca f-faria isso! NUNCA! N-NUNCA!

Kakucho sabia que escondia algo. Algo pesado. Era como se ela tivesse algo a ver com a Yakuza.

— [Nome]. O que você tem a ver com a Yakuza? Diga a verdade. Eu não sou idiota. O que o Haru tem a ver com eles? Eu sei que você sabe.

— ...O Haru... Não...

— FALA LOGO!

— O HARU NUNCA FARIA ISSO COMIGO! — Gritou, num estouro de ódio. — Nunca! Porque... O comandante da Yakuza... É nosso pai.

phantom of the opera - kakuchoOnde histórias criam vida. Descubra agora