Eu prometo

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— C-como? — Queria ter entendido aquilo errado. Era somente isso que poderia justificar aquela fala tão perturbadora.

— N-não s-sei se p-posso chamá-la de mãe... Você vê? Ela teria menos de cinquenta anos hoje em dia... Quando eu nasci, ela ainda era uma adolescente... Meu pai, adulto. — Ela falava aquilo de uma forma muito embaraçada. Estava totalmente tomada pelas emoções, nem mesmo ele entendia como ela poderia ser tão forte ao falar algo tão horrível. — Entende? Ela não nos queria... Ela foi abusada pelo meu pai. Era só uma garota... U-uma garota muito assustada. S-sim... Eu sou fruto de um abuso, Kakucho. Meu pai sequestrou a minha mãe... — Ela falava aquilo limpando as lágrimas que nunca paravam de sair. E ele pensava que a sua vida havia sido difícil... Comparado com a dela (e o que viria a seguir), ele viveu um conto de fadas. Naquela hora, se sentiu culpado por pedir a verdade.

"Desde cedo eu via ele mexendo com drogas, prostituição... Eu já vi de tudo. E ele nos batia por tudo. Chegava de mau humor quando as coisas não davam certo e batia em minha mãe. Por uma louça suja em casa, por uma resposta atravessada... Eram socos e chutes... Bateu nela até quando estava grávida do Haru" — Contava tudo aquilo em transe, com certamente, o olhar mais sombrio que já viu em toda sua vida.

— Ainda assim, ela sempre foi uma mãe incrível. Ela sempre me protegeu e cuidou de mim, mesmo eu sendo a razão de ela estar presa ao meu pai... Ela tinha muito medo dele. Não tinha como fugir daquele homem... Ele certamente nos mataria. Depois que o Haru nasceu... As coisas pioraram. Minha mãe ficou muito doente... Com a saúde muito comprometida depois que ele nasceu. Não tinha muito tempo para mim. Então... Ele aproveitou isso... E tentou me machucar. V-você e-entende? — Sua feição ficou ainda mais sombria. Ela estava se afundando em uma grande escuridão — ela conseguiu impedir... E eles brigaram. Ele bateu muito forte nela e ela caiu... Bateu a cabeça... — Ela estava totalmente consumida pelas lágrimas e a dor. E não parou de chorar desde então, mas não era apenas ela que chorava e sentia toda aquela dor...

— ...E-eu sinto muito, [Nome]. De todo o meu coração, eu sinto muito. — Puxou-a para perto de si e deu aquele abraço que tanto merecia. Sabia que não deveria ter perguntado. Jamais conseguiria entender a dor que aquela mulher estava passando até hoje. — Eu juro que jamais perguntaria se...

— Tá tudo bem. V-você não sabia. Poucas pessoas sabem. — Era incrível o quão forte ela ainda conseguia ser. Mesmo tendo vivenciado o pior de um ser humano e ter passado pelas piores dores, ainda assim era uma boa pessoa. Apenas uma garotinha no corpo de uma mulher, quebrada e muito triste. — D-depois disso... Ele conseguiu se safar fugindo... Naquela época, a polícia tinha relações com a Yakuza e limpou a ficha dele. Haru e eu ficamos com a nossa tia, a irmã da minha mãe... Uma boa mulher. Muito boa... Trabalhava muito e não ficava muito em casa. Então e-eu cuidei do Haru... Da forma que pude. Éramos muito unidos... E-ele sempre foi minha razão de viver. Sempre. Com o tempo... Nós crescemos e acabamos tomando rumos diferentes. De repente, ele começou a ficar muito tempo fora de casa quando era adolescente... Começou a se envolver com pessoas erradas... Juro que esse não era o caminho que queria que ele tomasse e eu tentei de tudo... Mas algumas coisas parecem inevitáveis, não? Então um dia, ele entrou para a Kanto Manji e desapareceu. Ficou meses sem dar um único sinal de vida.

Como poderia esquecer daquele garoto magricela de quinze anos que se metia em toda a confusão possível? De longe, o membro mais problemático e rebelde da gangue, era um garoto completamente perdido, meio maluco... Acabou ficando em sua divisão, já que Mikey o considerava o mais sensato e o único que poderia controlá-lo. Acabaram virando amigos e ele passou a ver Haru como um irmão caçula. Por mais problemático que fosse, era um bom garoto.

— É por isso que eu sei que o Haru nunca se juntaria ao nosso pai. Ele sabe de tudo... Nunca. Nunca... E-ele p-pode ter muitos problemas, mas é o meu irmão. Ele é tudo na minha vida, Kakucho. Acho que é por isso que eu quis ser professora de garotos problemáticos... Todos me lembram do Haru, não são pessoas ruins, só quebradas. — Ela disse aquilo com um sorriso no rosto. Agora ele entendia porque ela permanecia tão firme em suas convicções e como ela não hesitou em sacrificar sua vida pelo irmão naquela hora. Ela era uma pessoa fora do comum. A mulher mais incrível que já viu. — P-por favor... Kakucho. Me ajude. Me ajude a salvar meu irmão.

Novamente, estendeu a sua mão para um acordo. Era a sua obrigação fazer aquilo. Tudo o que tinha que fazer agora era ajudá-la.

— Eu prometo, [Nome]. Eu vou trazer o Haru de volta. E vou destruir esse desgraçado que machucou vocês... Eu prometo do fundo do meu coração. — Tudo o que ele desejava era que os pensamentos dela estivessem corretos e de que Haru estivesse sendo refém daquele homem terrível. Não tinha como ele estar traindo a sua irmã, não é?

— M-muito obrigada. — Era assustador ver o quão forte ela poderia ser para ter contado tudo aquilo e permanecer firme. Certamente, uma das pessoas que mais admirava.

Mas sabia que por mais que conseguisse permanecer de pé depois de viver tanta coisa pesada, [Nome] estava quebrada por dentro e precisava de ajuda. Ainda mais do que Haru. Por mais que focasse toda a sua energia em seu irmão, ela não podia guardar aquilo tudo sozinha.

Então ele percebeu que precisava fazer alguma coisa. Por menor que fosse, queria fazer algo gentil por ela depois de todas as palavras feias, as provocações e as tensões que passaram juntos. Mas o que poderia ser? Depois de saírem, [Nome] parecia bem mais leve. Almoçaram fora e tiveram um dia muito diferente de todos que já passaram juntos. Ela parecia melhor depois de compartilhar toda a sua dor com ele. Ainda assim... Faltava alguma coisa.

No caminho de volta para casa, a viu fitar com uma certa atenção uma barraquinha de algodão doce. Obviamente, era algo clichê e um tanto brega. Ele sabia que não levava jeito para ser romântico e gentil. Era grosseiro, às vezes estúpido e de pouca gentileza. Ainda assim, sentia a necessidade de ser diferente com ela. [Nome] precisava de gentileza e carinho.

— Espera aqui... — Foi a primeira vez que fez algo tão estranhamente puro. Era uma sensação estranha, não tinha como negar. Simplesmente abriu sua carteira e comprou o maior algodão doce da barraca. Ao voltar para ela, é claro que a encontrou com uma expressão muito confusa, sem entender nada. — Pra você.

— Ahn? P-por que?

— Porque eu quero te ver feliz, [Nome]. Quero te ver sorrindo. Eu nunca mais vi você sorrindo desde que reencontrou seus gatos. Você tem um sorriso bonito.

Ela ficou um tempo analisando aquela fala. Até cair na risada. Estava rindo dele.

— ...Q-quantos anos pensa que eu tenho? C-cinco? — Ela continuou com seu risinho. — Cê acha que me compra com doce, Kakucho? Isso não é anime shoujo não... pfff....

— Quer saber? Então quem come sou eu! — Ele tomou o algodão doce dela e pegou uma boa parte. Não podia negar: amava doces!

Ela protestou e tomou o algodão doce de volta.

— Peraí!! Eu t-tava brincando!! Ai, você é muito sentimental e fica magoadinho por tudo! — Ele levantou uma sobrancelha como resposta. Ela era mesmo arisca! Mas é claro que não estava bravo de verdade, só achava graça do jeito sincero dela.

E no fim do dia, falou:

— O-obrigada, Kakucho. Por ter entrado na minha vida. 

phantom of the opera - kakuchoOnde histórias criam vida. Descubra agora