Pov Sarah Andrade
Terça-feira
Eu sabia o que estava por vir antes de os meus pais me fazerem sentar. Era uma questão de tempo. Estive fora da escola nos últimos meses depois que Emily morreu e, então, o verão todo passou. Acho que minha mãe e meu pai estavam com medo de brigar comigo ontem, quando eu disse que não iria ao primeiro dia de aula, mas não vão deixar isso continuar — pelo menos foi isso que ouvi meu pai dizer à mamãe depois do jantar. De forma que, esta noite, eles tiraram meu sentimento de negação da tomada. Amanhã será horrível.
Em vez de ficar tentando convencê-los de que eu deveria ficar em casa, decido sair para correr. Tenho corrido bastante ultimamente. A música estourando nos meus ouvidos, os pés batendo duro no concreto, nada mais parece claro na minha cabeça. Pego uma nova rota que venho fazendo, incapaz de correr por qualquer um dos caminhos que Emily e eu costumávamos percorrer.
Diminuo a velocidade ao chegar à biblioteca. O carro de Thaís está do lado de fora. E o de Bill também.
Tenho me sentido culpada pela forma como falei com ela na noite em que veio me ver. Ela só estava tentando ajudar. Ela me passou algumas mensagens de texto desde então, mas não respondi nenhuma. As únicas que respondi foram algumas de Bill, porque eu sabia que ele não pararia se eu não respondesse.
Em vez de continuar minha corrida, respiro fundo, abaixo o volume do iPod, limpo o suor da testa e vou até a biblioteca.
Eles estão na mesa de sempre. As costas de Thaís estão viradas para mim e ela não vê que estou me aproximando, mas Bill balança a cabeça em minha direção, o jeito de um cara dizer "oi".— Oi! — eu digo, minha voz sem ser direcionada a ninguém em particular. Thaís se vira. Os olhos dela se arregalam, mas ela tenta parecer casual.
— Oi! Você aqui? — Ela sorri hesitante.
— Na verdade, eu estava dando uma corrida e vi os carros de vocês estacionados lá fora. Estou meio suada para sentar e me juntar a vocês, mas vim dizer "oi". Tenho certeza de que irei à escola amanhã. — Não por escolha, mas não conto essa parte.
— Me desculpem, estou atrasada — uma voz feminina desconhecida diz atrás de mim. Ela caminha apressada, joga a mochila em cima da mesa e puxa uma cadeira. Sem olhar para cima, fuça na mochila procurando alguma coisa. Distraída, a garota nem percebe que estou em pé ali, mas, pelo amor de Deus, eu noto a presença dela.
Assim que vejo seu rosto, sei quem ela é... a garota da pista de corrida. Estou curiosa para que ela erga a cabeça para eu poder ter uma visão melhor, mas também estou feliz por ter um minuto para olhar sem ser notada. Ela é linda, embora não do jeito tradicional de uma garota da Califórnia. Pele clara, nariz imponente, lábios carnudos e rosados, cabelo castanho escuro, que faz sua pele branca
chamar atenção ainda mais em comparação com as garotas californianas.Percebendo meu olhar, ela levanta a cabeça, e nossos olhos se conectam imediatamente. Ela leva menos de dois segundos para me reconhecer. Sua boca se abre em uma respiração profunda. É estranho, mas tenho evitado olho no olho há meses, mesmo assim estou grudada nela, incapaz de afastar o olhar.
Assim como em nosso primeiro encontro, nenhuma das duas diz uma só palavra. Só que, desta vez, ela transforma isso num desafio. Arqueia uma sobrancelha, a boca retorcida no canto me dizendo que está encantada com nossas trocas mudas.— Sarah? — Thaís diz, a confusão evidente em sua voz. Ouço as palavras dela, mas o fato de estar falando meu nome, tentando chamar minha atenção, realmente não registra no meu cérebro.
— Sarah? — ela me chama uma segunda vez, a confusão se transformando em preocupação na voz dela. O chamado me tira do meu estado inebriado e eu me viro, a contragosto, quebrando nosso olhar.
— Então quer dizer que acha que conseguirá vir? — Thaís me olha de cima a baixo como se para ter certeza de que estou bem.
Enrugo a testa. Ela não faz a mínima ideia de que não ouvi uma só palavra do que ela disse nos últimos minutos.
— The Grind. Amanhã à noite — ela repete. — A biblioteca fecha cedo e vamos trabalhar no nosso projeto.
Assinto. Sentindo os olhos em mim, volto a prestar atenção na garota da pista de corrida. Eu não estava errada, ela está me observando... muito de perto. Thaís percebe minha mudança de foco.
— Esta é Juliette — ela apresenta. — Ela é nova na escola. O Sr. Davis colocou-a no nosso grupo.
Estendo a mão, mas não falo nada, deixando o sorrisinho em meu rosto dizer tudo. Juliette coloca a mão na minha e sorri de volta com um balanço de cabeça. Temos algum tipo de troca secreta, nenhuma de nós querendo ser a primeira a falar. É bizarro, já que nunca conheci a garota de verdade, mas percebo, ao segurar a mão dela mais do que seria considerado normal, que sorri duas vezes nas duas últimas semanas. As duas vezes perto dela.
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Na primeira metade da corrida de volta para casa, reflito sobre a estranheza do meu comportamento. Por que, de repente, fiquei muda perto de uma garota estranha? Tudo bem, ela é bonita, não há como negar, mas há algo mais. Sou sugada por ela. Quando olho em seus olhos e vejo o sorriso no seu rosto, não sinto a raiva que me perturba quando estou perto dos outros. Talvez seja porque ela é nova... e não haja nenhuma lembrança da vida da qual quero tanto fugir. Não tenho certeza, mas uma visão dela fica surgindo no fundo da minha mente, a cada passo. E me faz sentir culpada. Meu Deus, sou uma idiota! Minha namorada morreu não faz nem seis meses e já estou procurando substitutas.
Corro cada vez mais rápido, desesperada para fazer os sentimentos desaparecerem. Os que me fazem sentir bem são mais dolorosos do que os que me atormentam. Mas eu mereço sofrer, não mereço me sentir bem.
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Peças do destino - Versão Sariette
RomanceSarah : Meu mundo mudou, completamente, quando conheci Emily. Juliette : Apaixonar-me por ela não estava nos planos. Mas... Quantas peças o destino era capaz de pregar? Sarah G!P - Se não gosta, não leia!