Cap. 22 - Ela entende o silêncio

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Querem maratona de 5 Eps amanhã?

Pov Sarah Andrade

Chegamos ao Meson Ole antes de ficar lotado. Ninguém sai para jantar em Long Beach às seis da tarde, exceto idosos. Juliette e eu somos levadas a um canto no fundo que tem a vista do deck de jantar do lado de fora e do mar além dele.

— A não ser que queiram se sentar do lado de fora — a garçonete parcialmente interessada diz enquanto aponta para a mesa no canto.

Dou um olhar de relance para Juliete, que aprecia languidamente a água do lado de fora da janela, e digo:

— Uma mesa do lado de fora seria ótimo, se conseguir.

Seguro a porta do deque quando Juliette caminha para fora, meu gesto cavalheiresco é premiado com a primeira visão dela de costas.

Puta merda, esta garota faz meu pulso acelerar mais do que correr oito voltas naquela tarde fez. E me controla totalmente toda vez.

Ela é sexy demais, mas não tem a ver com as curvas deliciosas naquele vestidinho de verão revelador. Há algo sincero sobre ela, algo que a torna muito real. Na Califórnia das Kardashians, tudo é planejado, exibido e aperfeiçoado. Exceto Juliette.

— Sarah? Vai ficar aí em pé segurando a porta ou se juntar a mim para o jantar? Acho que a perdedora tem que jantar com a vencedora, de verdade, não ficar só olhando de longe.

Pego-me fantasiando sobre o traseiro de Juliette e é minha vez de enrubescer, algo que Juliette faz muito. Pelo seu olhar divertido, tenho certeza de que ela sabe exatamente de onde está vindo o rubor. Não acho, nem por um segundo, que ela não saiba dos efeitos que tem sobre mim. Seria praticamente impossível não notar.

— Está muito quente para sentar do lado de fora? — pergunto enquanto a garçonete passa apressada, voltando para dentro para pegar uma travessa de batatas chips e molho.

— Acho que você está com mais calor do que eu — Juliette brinca.

Enquanto fico atrás dela para puxar a cadeira, uma brisa leve sopra o vestido de Juliette e expõe suas coxas. Sua mão pequena o agarra antes de subir ainda mais e o alisa assim que se senta.

A mesa é pequena, intimista. Sentando-me à frente dela, pego o cardápio, esperando me distrair da sensação de palpitação que sinto por toda parte. Minha perna encosta na perna longa dela, embaixo da mesa.

— Do que você gosta mais? — Juliette pergunta.

Levo alguns minutos para perceber que estamos falando sobre o cardápio. Bom... Vamos nos concentrar no cardápio. Isso eu consigo fazer.

— Faz anos que não venho aqui. Gostava das fajitas de carne. Mas eu era criança...

— Eu conheço alguns adultos que também comem fajitas de carne.

Antes de eu responder, a garçonete volta.

— Nós duas vamos comer fajitas de carne... do cardápio de adultos — Juliette fala antes de mim, um sorriso travesso no rosto.

Eu sorrio, recostando-me para absorver o frescor de seja lá o que for que esteja acontecendo entre nós. Meus ombros relaxam quando eu, mentalmente, começo a aceitar que meu corpo já se rendeu. Com o canto dos olhos, noto uma adolescente, cabelos escuros,  linda, apesar de artificial, sentada com a mãe algumas mesas depois. A garota se parece demais com Emily. Subitamente, seja lá o que eu comecei a aceitar parece muito errado.

Por que eu achei que pudesse ser uma pessoa normal flertando com uma garota que me atrai? Sempre volta para Emily. E deveria. Estou sendo egoísta, tentando mudar o inevitável.

Ao me fechar para os sentimentos que não mereço sentir, a conversa acaba. Juliette nota a mudança. Vejo um olhar de confusão substituir o sorriso sensual que eu estava curtindo apenas alguns momentos atrás.
Não quero magoá-la. Ela não merece os altos e baixos malucos pelos quais faço passar as pessoas próximas a mim. Pelo menos minha mãe e meu pai entendem por que, às vezes, preciso me afastar ou desabafar. Eles entendem. Isso não torna a atitude certa, mas pelo menos eles sabem que tem a ver com Emily, não com eles. Juliette jamais entenderia. E, se entendesse, nem quereria estar aqui comigo, para começar.

O constrangimento se instala.

— E então, o que acha da Califórnia? Você veio do Texas, certo? — eu pergunto.

Juliette semicerra os olhos, se perguntando como o aconchego entre nós se transformou em algo gélido tão rapidamente, embora pareça aliviada por eu estar falando. Diferentemente de nossos outros encontros passados, que azedaram, desta vez eu não fugi.

— Sim, do Texas — ela responde, sem a energia que havia em sua voz momentos atrás.

— Por que sua família decidiu se mudar? — questiono com curiosidade sincera, já que tenho passado muito tempo pensando em sair de Long Beach depois que Emily morreu.

Juliette hesita antes de responder. No rosto dela, vejo uma expressão que conheço muito bem. Apreensão. Desolação. Dor. Seja lá o que eu disse para colocar esses sentimentos ali, gostaria, do fundo do coração, que não tivesse dito.

— Minha... família não se mudou. Eu me mudei com a tia Claire, que mora em Long Beach. Minha mãe faleceu no último inverno e eu não tenho mais ninguém.

Mais uma vez fico sem fala perto desta garota, desta vez por um motivo diferente. Ela perdeu a mãe no inverno passado, quando eu perdi a Emily? Será que é por isso que ela parece tão diferente de todo mundo? Ela entende o silêncio?

Tentando o máximo possível recuperar minha voz, limpo a garganta enquanto estendo o braço para pegar a mão dela.

— Sinto muito, Juliette. Sinto muito mesmo, eu...

Talvez incomodada com a crueza do momento, Juliette sorri para mim, e fala com a voz trêmula:

— Obrigada. Não falo muito sobre isso. Ainda é muito difícil. — Ela dá de ombros, numa tentativa de deixar o momento mais leve, mas não me engana.

Começo a dizer que compreendo. O quanto entendo, de verdade, o que ela está passando... o que ela provavelmente está sentindo. A perda que compartilhamos pode até ser o laço que nos une. Mas antes de conseguir emitir uma palavra, o ar entre nós se enche de uma fumaça acebolada quando a garçonete coloca as fumegantes fajitas de carne sobre a mesa. Imediatamente sou puxada de volta à realidade, meu cérebro se sobrepondo ao meu coração.

Eu não digo a Juliette que compreendo. Não conto a ela sobre a minha perda. Sobre Emily. Não conto a ela que sei o que é sentir como se tivesse a vida partida ao meio. Em vez disso, resolvo fazê-la feliz. Mesmo que dure só esta noite.

O restante do nosso jantar é exatamente isso: agradável. É alegre, cheio de brincadeiras leves e engraçadas. É do que Julitte precisa. Talvez uma parte de mim também precise disso, pois não me sinto tão confortável assim com outra pessoa há muito tempo. Eu me pergunto se algum dia já me senti tão bem assim com outra pessoa.

Normalmente, eu ficaria agitada em um restaurante depois de mais tempo do que o necessário para consumir uma refeição, mas eu e ela estamos há duas horas conversando.

Conto-lhe todas as coisas sobre a Escola de Ensino Médio de Long Beach... aulas, corrida, futebol, professores, minha condição de interssexual, a aceitação. Rimos quando divido com ela as histórias infames sobre Bill, e Juliette me conta sobre a melhor amiga dela no Texas. Pelo menos durante um tempo, somos apenas duas adolescentes se divertindo, em vez de estarmos encarando nossos próprios demônios.
Quando saímos do restaurante e vamos em direção ao carro, eu, egoisticamente, faço questão que Juliette caminhe à minha frente.

Peças do destino - Versão SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora