Cap. 36 - Dia dos namorados

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Pov Juliette Freire

Não tenho muita certeza do porquê peguei o ônibus. Corro mais do que essa distância todos os dias. Acho que queria parecer madura e profissional quando chegasse.
O velho e enorme ônibus municipal pára bem em frente à prefeitura de Long Beach. Metade das pessoas desce comigo. Fico parada olhando para o edifício, tentando decidir se devo entrar ou não.

Minhas pernas tremem e tenho dúvida se consigo subir os poucos degraus até a porta da frente. Gostaria que Sarah tivesse atendido. Agora, estou pensando que teria sido melhor esperar por ela, mas eu não estava raciocinando quando atendi ao telefone.

Prestes a entrar, tiro o meu celular para desligá-lo quando ele toca. Quase o derrubei quando a assistente social me disse que os arquivos tinham chegado e eu poderia marcar um horário para vê-los.

— Quando é o próximo horário? — perguntei.

— Tenho terça-feira, dia 28, às onze.

Duas semanas, pensei. Não conseguirei dormir durante esse tempo, sabendo que as respostas estão tão perto.

— Não tem nada antes?

— Estamos totalmente lotados. A não ser que consiga chegar aqui em meia hora. Tivemos um cancelamento hoje às nove horas.

Então, aqui estou eu. Sozinha. Possivelmente prestes a descobrir informações sobre a minha irmã — no dia do nosso aniversário. O dia pelo qual esperei ansiosamente durante meses. Agora finalmente aqui, estou tentada a desistir. Será que verei minha vida do mesmo jeito quando voltar para casa hoje?

Quase dou meia-volta e saio correndo duas vezes antes de finalmente chegar à porta. Entro pela lenta porta giratória de vidro, quase me esquecendo de sair quando ela gira até o lobby do edifício. O grande átrio cinza se parece muito com os muitos escritórios do governo nos quais entrei durante os últimos dezoito anos. Alguns vasos com flores de plástico são á única decoração para aquecer o insosso tom industrial.

Parece que foi em outra vida que me sentei nas surradas cadeiras verdes de corino dentro dos escritórios do governo do Texas, esperando minha mãe ser chamada para se reinscrever no sistema de cupons de comida ou vouchers para casa. A mamãe sempre recebeu assistência pública para me criar por causa de sua saúde frágil — tanto mental quanto física. A vida era difícil. Entendo isso mais agora do que quando passei por aquilo. Mas acho que esse é sempre o caso, de alguma forma, é mais fácil olhar para trás do que enxergar o que está bem em frente aos olhos.

Caminho em direção à mesa da recepção, pensando no quanto minha vida mudou nos últimos nove meses. Sinto-me culpada ao me dar conta de que a vida mudou para melhor. Ah, se tivesse mudado assim quando a mamãe ainda estava aqui.

A recepcionista está ocupada conversando ao telefone e nem um pouco interessada em levantar os olhos para me cumprimentar quando chego à mesa. Ela sabe que estou ali. Vejo os olhos dela se levantarem apenas o suficiente para me ver e me ignorar na mesma velocidade. Ela continua em sua ligação pessoal por muitos outros minutos, me deixando aqui pensando em dar meia-volta e sair.

O nervosismo me mantém grudada ali; sou incapaz de me virar e ir embora, apesar de estar aterrorizada em ficar. Finalmente, a recepcionista mal-humorada desliga o telefone e coloca os olhos emmim.

— Posso ajudar? — ela pergunta num tom que me diz que não necessariamente ama o seu trabalho.

— Tenho um horário marcado — respondo em uma voz praticamente inaudível. O medo toma conta.

— Você e todo mundo, querida. Dê uma olhada em volta. Você não é a única. Qual departamento? — ela rosna.

— Assistência Social. Estou aqui para olhar alguns arquivos — explico como se ela estivesse ouvindo.

Peças do destino - Versão SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora