25. Lembranças Amargas

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Thalia

 Eu não podia acreditar

  A voz dela, que a tanto tempo eu não ouvia. Eu odiava dizer, mas eu mal me lembrava de como sua voz doce soava, já fazia tanto tempo, mas mesmo assim eu reconheci, reconheceria em qualquer lugar.

  A criança continuou descendo os últimos degraus chegando finalmente ao final, onde dava para uma sala de estar. Eu reconheci o local, era extremamente familiar, era a sala de estar da minha antiga casa, onde eu passei minha infância inteira. Tudo estava no lugar, como eu me lembrava bem.

 Olhei para o outro lado da sala e lá estava ela, dançando alegre com o papai, enquanto o toca-discos tocava Bon Jovi, eles eram tão apaixonados pela musica, não é atoa que papai trabalhe em uma loja de discos atualmente. Ela ainda estava de costas para mim, nem havia notado minha presença ali, foi quando meu pai fez um pequeno aceno com a cabeça em minha direção, que ela se virou para olhar.

 Ela me entregou um sorriso tão belo, tão lindo e tão meigo. Essa provavelmente era a época onde ela não havia sido internada, ela parecia saudável e perfeitamente normal. Ela logo ajeitou seus cabelos pretos, brilhosos e ondulados e veio rapidamente em minha direção.

''Mamãe...'' Me ouvi chamar, quando me caiu a ficha de que era uma memoria minha.

''Oh meu amor, o que esta fazendo acordada a essa hora?'' Mamãe disse, me pegando em seu colo  "Foi um pesadelo de novo?"

 Ah sim, nessa época eu mal dormia com esses pesadelos quase toda noite.

''Uhum'' Respondi balançando a cabeça, recebendo um beijinho na bochecha em resposta.

 Céus, como eu gostaria de passar a eternidade nesses braços, recebendo esse carinho que eu sentia tanta falta, sentindo seu perfume doce de pêssego a todo tempo. Eu não gostaria de acordar dessa memoria.

 Ela subiu as escadas lentamente, e de fundo pude ver meu pai dando um tchauzinho de boa noite enquanto mamãe me carregava de volta para o andar de cima. Ao chegar no meu quarto ela acende a luz, indo em direção a uma das gavetas, ela pegou um pequeno colar prata com um crucifixo como pingente.

-Isso vai te proteger dos seus pesadelos meu bem- Ela disse calmamente colocando o colar na maçaneta da minha porta- E eu também

 Toda a cena começou a escurecer e sumir cada vez mais, aos poucos se tornando um vazio negro.

 Me vi novamente em um lugar escuro, pela primeira vez eu estava triste que uma visão havia acabado. Entretanto, o lugar escuro e vazio começou a tomar forma novamente. Pisquei algumas vezes e sem que me desse conta eu já estava em outro cenário.

  Eu estava em casa mais uma vez, era outra memoria minha aparentemente.

 Estava fazendo meu caminho da sala até a escada, passando pelo meu pai adormecido no sofá, aparentava estar muito exausto. A casa estava silenciosa, silenciosa até demais, o único som audível era o das gotas se intensificando no dia chuvoso do lado de fora. Eu não escutava a voz da mamãe, talvez ela não estivesse em casa nessa época. Olhei para a porta ao lado de fora, e pude ver um homem de costas, fumando provavelmente, e observando a chuva, protegido pelo teto da fachada. Ignorei.

 Minhas roupas pareciam um pouco molhadas, provavelmente eu estava fugindo da chuva. Olhei para minhas mãos e nelas havia um pequeno cristal da cor branca ainda um pouco sujo de terra, um dos primeiros que peguei. Me assisti subir as escadas devagar, tentando não fazer som algum.

 Comecei a andar pelo corredor, a passos leves, ignorando a porta do meu quarto e seguindo reto, a caminho do banheiro. Todas as portas do corredor estavam abertas, exceto uma, no final do corredor, essa estava fechada. Aquela imagem me deu calafrios, aquele era um ''quarto de visitas'' que passou a ser ''O quarto da mamãe'', era o quarto onde ela ficava quando fazia visitas de vez ou outra, uma vez na semana ou uma vez em duas, de qualquer forma, essas visitas não duraram muito e passaram a ser nossas visitas a ela. A porta ficava fechada na maior parte do tempo, pelo menos quando ninguém estava presente no quarto além dela, acho que isso me impedia de entrar e ficar sozinha com ela, o que era restringido. Eu não gostava disso, mas obedecia.

Fragmentos Da Verdade (Sally Face)Onde histórias criam vida. Descubra agora