BárbaraCheguei em casa batendo a porta, mas assim que recebi um olhar emburrado da minha mãe eu pedi desculpas e subi correndo pro meu quarto. Nem demorou muito pra Bianca chegar da escola e vir tirar a minha paz, era o passa tempo preferido dela.
Minha irmã era o amor da minha vida e facilmente eu me jogaria na frente de um caminhão pra salvar a sua vida. Mas as vezes tinha vontade de eu mesma passar com um caminhão por cima dela.
Bianca: Eu tô apaixonada - ela suspirou, deitando na minha cama de barriga pra cima.
Larguei o meu celular de lado, e encarei ela sem expressão nenhuma.
Bárbara: Quem é o da vez?
Vi ela fazer uma careta.
Bianca: O mesmo de sempre, Babi.
Minha irmã tinha um caso sério com o Japa, filho do chefe do tráfico aqui no morro. O Grego era amigo do meu pai desde as antigas, mas o meu padrinho deixou escapar que eles já não são mais tão amigos assim depois de umas escolhas que o Grego fez pra vida dele, mas nem adiantou eu perguntar, ninguém quis me dizer.
A Bianca cresceu apaixonada pelo Japa. E ele até retribuía, mas ficava enrolando a minha irmã a meses e o relacionamento deles era um vai e vem fodido. Isso sem contar que altamente arriscado, porque os meus pais não podiam nem sonhar.
Nem eles, e nem a mãe do Japa. A vagabundagem da Fabiana. Aquela mulher odiava a minha família de um jeito que eu nunca vi na vida. Ela nem podia me ver passar que já olhava com aquela cara de nojo, e isso ocorreu durante a minha vida todinha, até quando eu era criança e a minha mãe deu uma surra nela.
Bárbara: Ouvi o Galego e o Canalha fofocando sobre isso esses dias, Bianca. Fica ligada, vocês tem que tomar vergonha na cara e decidirem se querem ficar juntos mesmo.
Bianca: Claro que a gente quer ficar junto!
Bárbara: Se querem isso mesmo, você precisa falar com a mãe primeiro. Antes que chegue no ouvido do pai e aí você já viu... o seu namoradinho fica sem as duas cabeças - ela fez careta de dor e eu ri - Mas já deixa avisado pro Japa que se houver um vacilo da parte dele, eu mesma corto as cabeças.
Bianca: Credo, Babi! - ela sentou na cama, e eu me sentei ao lado dela - Ele tá muito fofo comigo, sabe?
Bárbara: Quer te comer - falei seria, vendo o sorriso apaixonado sumir do seu rosto.
Bianca: Da licença, quero falar com a minha irmã e não com a Retinha.
Rolei os olhos ao ouvir o apelido que a minha mãe tinha me dado, e a Bianca se aproveitava.
Retinha era sacanagem, pô.
Bárbara: Tenta mais tarde então. Até lá eu posso mudar de humor - avisei.
Bianca: As vezes você é um saco - ela resmungou - Tipo, ele conversou sobre isso comigo, sabe? Sobre a minha primeira vez. Ele tá sendo um amor e está respeitando o meu tempo.
Bárbara: Não quero saber - me levantei da minha cama, abrindo a porta pra ela - Rala que já deu a tua hora.
Assunto que me incomodava era esse, sem caô. A Bianca confiava muito fácil nas pessoas.
Não que eu pretendesse morrer virgem, mas nunca tinha confiado em ninguém o suficiente pra fazer isso. Todas as vezes que eu fiquei com alguém, na minha vida, cada passo tinha que ser bem calculado. Precisava ser fora do morro, e precisava ser com alguém que eu não corresse o risco de ver de novo, ou então, que eu pudesse ter certeza que nunca subiria o morro, porque se a minha família soubesse, era bem capaz do cara nem descer nunca mais.
Como que confia em alguém que você nunca viu na vida?
Eu não sonhava com aquelas paradas românticas, casais de filme de cinema, nem nada disso. Eu só queria realmente confiar na pessoa pra ter a certeza de que ele não sairia explanando por aí pra que eu me arrependesse depois. E acho que nem é exigir muito, né?!
Só que era muito foda. Porque eu não confiava nem em mim mesma, muitas vezes. Então todas as vezes que o desejo começava a falar um pouco mais alto, eu acabava cortando, com o meu ótimo autocontrole.
Minha irmã levantou da cama e mostrou a língua pra mim antes de sair do meu quarto. Eu fechei a porta, as janelas e as cortinas. Pretendia dormir um pouco.
Eu estava de folga hoje.
Fazia uns dois meses que eu trabalhava com a "contabilidade" do morro. Meu pai não gostava nada, minha mãe menos ainda, mas o Grego curtia o meu trabalho. E eu nasci no crime, vendo meus pais e meus tios nessa vida, e quis seguir o exemplo que eles me deram.
Mas as regras eram bem claras. Eu trabalhava na contabilidade, sem armas, sem drogas, sem porra nenhuma. Sem diversão também, né. Nem dava aquele friozinho na barriga mais. Queria crescer no movimento, mas tava ligada que era uma missão quase impossível com a superproteção que me cercava.
Dia desses, meu pai perguntou o que eu queria estudar. Porque ele não aceitaria que eu continuasse por muito tempo trabalhando pro Grego. A partir do momento que visse algum risco, eu estava fora, e se fosse preciso iria para um convento. Palavras do próprio.
A única outra coisa que me faria desistir do crime seria a advocacia. Mas no fim das contas, estava interligada também, então foda-se, eu preferia estar diretamente dentro do crime.
O Galego e o Canalha também tinham seguido os passos dos pais, e davam o sangue na biqueira todo santo dia. A Beatrice não, ela se amarrava em outras paradas. A Lulu também não se ligava, e tinha medo pra caralho. E a minha irmã não era nem maluca ainda de querer enfartar a nossa família tão cedo.
No fim das contas, o Lucas, o Renan e eu tínhamos entrado nessa juntos. Eu só esperava que continuássemos daquela forma até o final, porque eu não suportaria a caminhada sem aqueles dois ao meu lado. E sabia que essa era a maior preocupação todos.
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Saturno
RomanceO meu coração não sei se é um bom lugar pra ti. * Segunda temporada de Lado a Lado *