Dante achou um jeito de ignorar todo o desastre da sua vida.
Tinha um nome curto, era líquido e tinha o tom de coloração avermelhada, porém bem escura, fechada. Sempre derramada na mesma taça, engolida de uma vez só.
Preferia ficar bêbado o tempo inteiro ao invés de ter que se encarar no espelho e sentir vergonha de novo. As vezes até pensava que tudo o que acontecia na sua vida não era culpa dele mesmo. Talvez fosse da sua mãe biológica, que o abandonou quando ele tinha só alguns meses de vida. Ou então do orfanato Santa Menefreda, porque foi lá onde conheceu Beatrice e assim construíram um sonho estúpido de morarem numa casa perfeita juntos um dia, criando para Dante a ideia de que ter uma casa, ter um lar material, era tudo o que importava e tudo de mais importante que teria que alcançar em sua vida. Tudo para sair dali com a pessoa a qual se apoiou em um lugar tão solitário e cruel de várias maneiras. Ou talvez a culpa fosse do joalheiro, aquele que lhe vendeu o colar que seria o primeiro e último presente de Beatrice dado por Dante, e não de si mesmo por tê-lo comprado, afinal, se não fosse por ter um colar ao redor do pescoço, não teria morrido.
Dante poderia passar o resto do dia procurando algo ao que pudesse culpar.
Se levantou da poltrona, sentindo ser abraçado pelo silêncio e pela escuridão. E esse abraço era desagradável.
A única luz que tinha no recinto vinha da varanda. Se sentiu atraído pela lua, então saiu para vê-la.
As pessoas abaixo dele não tinham tanta importância como antes, nem mesmo os bichinhos que rodeavam os postes de luz, ou então os paralelepípedos sujos. Talvez tivessem perdido o brilho, e Dante não sabia dizer o porquê.
E se esse encanto tinha ido embora, significava que sua temporada na Itália estava de malas praticamente prontas.
Dante pensava sim em ir embora da Itália e nunca mais voltar, porém só faria a mudança definitiva depois de passar pelo menos alguns dias no Brasil. Ele não era alguém impulsivo. Vai ver alguma coisa na Itália era tão boa que o fizesse sentir saudade e querer voltar. Mas por enquanto, só queria sentir novos ares. Ou melhor, Dante só queria voltar ao mesmo ar de antes, a sua zona de conforto, a bolha que nunca deveria ter saído. Como um roedor que finalmente tinha reunido coragem pra sair de sua toca depois de um temporal, mas quando viu que o temporal havia se aproximado e o alcançado, não pensou duas vezes antes de correr, fugir de volta a toca.
Mas para que fim Dante foi a Itália, afinal?
Dante já não estava bem durante dois anos inteiros. Trancado em casa, raramente saía. Apático, sem comer muita coisa, sem se cuidar. Sem motivação para realmente continuar sua vida, continuar a ser professor, continuar a ser alguém decente e, principalmente, sem vontade alguma de conhecer alguém, qualquer pessoa que fosse, para não correr o risco de se apegar e depois ela sumir como se a culpa fosse dele.Com um fio de esperança, Carina Leone conseguiu o resgatar desse buraco e convencê-lo a mudar de lugar, viver em um novo ambiente que não o fizesse pensar no passado, respirar novos ares mais limpos que não fossem tão tóxicos quanto as diversas casas que Dante alugava só para encontrar algum sentido na sua vida, para encontrar alguma satisfação, encontrar aquele preenchimento e aquele brilho que sonhava na infância.
O plano de Carina deu certo, mas tinha prazo de validade. E Dante deveria ter previsto o que aconteceria.
O loiro ficou ali fora por um tempo, observando o horizonte de telhados baixos com o olhar inexpressivo. Dentro de um minuto, não estava mais sozinho, alguém tinha chegado a varanda ao lado, e o acompanhou no silêncio da noite.
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Home - danthur
RomanceOnde Dante, um jovem reservado e com pouca esperança, está em busca de um lugar tranquilo o qual pode chamar de lar e o acaso o leva a ser vizinho de um guitarrista feliz (até demais) de uma banda de rock, Arthur Cervero.