07.

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Dante se via preso no tempo quando o final de semana chegou.

Uma chuva fina caía devagar do lado de fora da sua varanda. Era reconfortante, mas o loiro de certa forma esperava mais. Não tinha chovido até o momento desde que chegara na sua nova casa - não que tenha visto, pelo menos - e pensava que as gotas de água seriam especias. Talvez mais brilhantes, talvez de uma cor diferente, talvez numa outra velocidade. Mas era literalmente a mesma chuva, igual a todos os lugares do mundo.

Dante era um homem que sempre sonhava mais do que as coisas que realmente aconteciam. Esperava por exemplo que com a volta de suas aulas pudesse preenche-lo de alguma forma, mas a semana só o colocou mais para baixo.

E quando se sentia assim e se permitia se sentir assim, apenas queria ficar em silêncio, quieto em um canto, até mesmo afastado da sua poltrona, do seu vinho e da sua música clássica.

Ele era transportado para as suas memórias. Para as suas malditas memórias, em busca de encontrar algum conforto, para se sentir menos vazio. Mas tudo o que conseguia era sentir mais vazio.

Como a lembrança de algo podia doer tanto? Tremer de medo, fazer suar frio, fazer formar uma careta só de pensar que aquele momento poderia estar voltando novamente. Faria de tudo para não viver o que já viveu. Será que era louco de pensar assim? Será que era o único a pensar assim? Era normal fugir tanto de uma memória?

No escritório de Dante, ainda havia uma caixa fechada da mudança. Ela estava completamente lacrada, no canto da sala, longe do seu notebook, da sua estante, de tudo. Pensou que se colocasse um vaso de planta em cima da caixa poderia disfarçar e ignorar a existência do que tinha dentro dela, mas não seria possível.

E foi em um dia azul, que Dante decidiu ir até ela, afastar a planta, e abrir a caixa de uma vez. Não porque foi corajoso, mas porque sentia necessidade.

Montou o cavalete de madeira clara perto da janela do escritório. Ele era praticamente novo, sem nenhuma mancha ao seu redor. Dante fechou a porta do local e abriu as cortinas que impediam a passagem de luz solar. Havia a ausência do sol, mas pelo menos poderia sentir o cheiro da chuva enquanto colocava a tela de pintura em cima do cavalete e, dando alguns passos pra trás, encarou a pintura inacabada que fez de Beatrice.

Era o segredo de Dante.

A pintura não estava nem perto de ser finalizada, pois ele desistiu menos da metade do processo. Tinha chegado a fazer apenas a sua silhueta e desistiu, porque não sabia o que fazer em seguida.

Comprou todos aqueles equipamentos, as tintas, os pincéis, as telas, durante o tempo em que foi afastado da escola onde dava aula. Uma pessoa lhe dissera que faria bem encontrar algum hobby para distrair a sua mente, para relaxar, e pintar foi uma saída por ora.

Trancado naquele quarto, Dante poderia confessar: Odiava física. Um dia, ele chegou a adorar o que fazia, adorava ensinar aquilo que sempre quis. Mas o Dante de hoje em dia se sentia sufocado.

Imagina que incrível seria se conseguisse pintar com maestria, se pudesse se sujar com tinta e sujar todo o seu escritório com cores quentes?

Mas isso não combinava com ele, certo?

O que achariam de Dante se ele de repente aparecesse desistindo de algo que ele amava para fazer artes? O que Carina diria se ele aparecesse sujo de tinta? Provavelmente acharia que tinha algo de errado acontecendo. E não culparia apenas todos ao seu redor, ele mesmo se julgaria. Afinal, Dante tinha que ser cético a todo momento. Então, desistiu.

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