slow and confusing

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Acho a carta na terça-feira. Na quarta pego um avião para o Michigan e me hospedo na minha antiga casa. Ela ainda tem cheiro de capim limão e morte, mesmo que não literalmente. O cheiro de sangue já se foi a muito tempo, mas de alguma forma ainda está fresco em minha memória.

Pego um táxi e acabo em frente ao pesado portão preto do cemitério, que uiva gemendo quando eu o fecho atrás de mim. O caminho margeado por pedrinhas brancas de jardim leva diretamente à pequena capela onde são realizados os velórios. Eu a sigo tranquilamente, observando alguns dos ornamentos, citações e arranjos florais ao seu redor. Estas eram as últimas conexões visíveis que essas pessoas — mortas — tinham com outras pessoas que as amavam e sentiam falta delas.

Pouco antes de chegar ao final, tenho que virar à direita, passando por um, dois, três, quatro, cinco outros túmulos, todos filhos ou irmãos de alguém. Ali está ela.

"Belinda Collins.

10.11.1972 - 25.2.2005

Mãe amada e amiga leal."

Solto um lamento sufocado e me sento no chão de concreto. Sei que está sujo, quase podre, mas não posso mais me manter em pé. Leio as letras da lápide várias vezes, esperando fazer algum tipo de sentido, mas nunca faz. Ao longe, ouço um bando de gansos. Eram as aves preferidas dela. Com o coração partido, eu espero que eles voem, irracionavelmente esperando que se compadeçam de minha dor.

É um grupo de vinte ou mais, todos grasnando. O céu é um pano de fundo violeta para minha silhueta escura. Eles se foram tão rápido quanto vieram, apenas seus sons ecoam de volta. Eu pretendo virar o rosto quando, inesperadamente, um par de gansos solitários pousam não muito longe, perto de uma bacia cheia até a borda com água destinada às plantas. Eles grasnam em uma conversa tranquila um com o outro antes de se ocuparem em beber água e a fazer sua limpeza de penas. Eles ignoram completamente aquela garota completamente quebrada sentada no chão de um cemitério.

A carta ainda fechada queima pesadamente no bolso do meu casaco. Tenho a impressão se que se se a tocar, meus dedos queimarão. Eu a puxo com cuidado, traçando o contorno do papel com reverência. Envio um último olhar para a lápide, permitindo que minhas lágrimas escorram como gotas de chuva num parabrisas.

Finalmente, eu abro.

Rompo o lacre e puxo a carta de dentro dele. Há duas notas notas de cem dólares grudadas nela com um clipes de papel azul. Eu não toco naquele dinheiro outra vez.

Começo a ler.

"A minha menina,

Passei a vida toda escrevendo, mas nenhum curso de redação... nenhuma faculdade... nenhuma experiência de vida poderia preparar uma pessoa para escrever um bilhete de suicídio adequado para os filhos, mas vou tentar mesmo assim.

Cecily, querida, você se lembra da nossa casinha amarela no Michigan?

Eu amei aquele lugar. Amei mesmo. Cada pedacinho dele.

Amei a sensação de te ver crescer num lar aconchegante. Amei a sensação de fazer o jantar na cozinha e conseguir enxergar a televisão da sala. Amei nossas cortinas verdes e nossos quartos claustrofóbicos. Amei o carpete bege encardido e a lagartixa gorducha que vivia no marco da porta. Amei tudo naquele pequeno pedacinho de céu no meio do caos que é Detroit.

Éramos felizes lá, não éramos? Verdadeiramente felizes, mesmo com pouco. Só você e eu e um bando de vizinhos alugando os outros apartamentos de vez em quando. Você se lembra do que costumávamos dizer sobre eles quando iam embora? Que eles iam para um lugar livre? Um lugar onde todos podem ser como são. Costumávamos sonhar com aquele lugar, não é? Um lugar onde não há classes sociais e o gramado da casa ao lado não é o mais verde; o Paraíso.

EVERMORE 𑁋 EDWARD CULLEN.Onde histórias criam vida. Descubra agora