Anastasia
O teto todo branco é a primeira coisa que vejo quando abro meus olhos.
A próxima coisa que consigo sentir é o cheiro forte de álcool e antisséptico. Meu estômago revira na hora e um gosto amargo vem a boca.
— Ana? — ouço uma voz chorosa à minha direita e viro a cabeça para o som.
Leila se levanta da poltrona num salto e corre até mim com lágrimas nos olhos mas também com a sombra de um sorriso nos lábios.
— Oi, Leila. Por que me trouxeram para o hospital? — ela funga e se senta na beirada da cama, puxando minha mão para o seu colo num aperto suave.
— Você ficou nervosa com toda a situação e acabou desmaiando. Preferimos trazer você para cá e garantir que estava tudo bem.
Toda situação?
Franzo as sobrancelhas para ela, minha cabeça confusa.
De que merda ela está falando?
A névoa nublando as minhas ideias finalmente vai dissipando e os acontecimentos vêm à tona novamente.
Elena.
Christian.
Tiro.
Aquela desgraçada atirou no meu marido.
— Leila, pelo amor de Deus, cadê o Christian? — eu grito histérica e as máquinas ao lado da cama começam a apitar loucamente.
Ela se desespera e se afasta de mim, apertando repetidamente um botão sobre o criado mudo.
— Ana, eu preciso que você fique calma. Eu vou explicar tudo mas só quando você se acalmar.
Ela pode ir para o inferno com a calma dela.
Balanço a cabeça negativamente e puxo o oxímetro do dedo, jogando-o sobre os lençóis antes de arrancar dois fios presos no meu peito.
A porta do quarto se abre num baque e meu pai passa por ela no momento em que estou tentando tirar o acesso do meu braço.
Ele segura as minhas mãos e me olha apavorado, murmurando dezenas de palavras que não faço questão de prestas atenção.
Um outro homem de jaleco branco entra logo atrás com uma seringa na mão e o aperto do meu pai sobre mim fica mais forte.
Eu grito e me debato tentando fugir para longe deles, mas sinto uma picada e meu corpo relaxa quase instantâneamente.
E tudo volta a ficar escuro novamente.
◕ ◕ ◕
Ainda me sinto mole e instável quando acordo novamente.
Olho através da janela e vejo os pingos de chuva baterem sutilmente no vidro.
Levanto a minha mão com um pouco de dificuldade e acaricio a minha barriga enquanto lágrimas silenciosas molham o meu travesseiro.
Dói saber que a minha filha só vai conhecer o pai através de fotos e das histórias que vou contar para ela.
Dói imaginar que ela nunca vai sentir o carinho dele, que não vai adormecer no peito forte do papai e acordar com ele sorrindo e cantando.
E dói mais ainda lembrar que nós nem mesmo tivemos tempo.
Passamos tanto tempo fugindo do que realmente sentíamos um pelo outro. Foram tantos anos negando os nossos sentimentos e quando finalmente decidimos parar de lutar contra o inevitável uma desgraçada veio e acabou com tudo.