XIX

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- A princesinha, senhora... - murmurou, trêmula. - Está muito doente. Venha depressa!

Depois disso, nada mais importou. Helena saiu voando para o quarto da filha.

Fábia, pálida e assustada, chamara a enfermeira particular de Giuseppe, que examinava a criança.

- O que houve? O que há de errado com minha filha?

- É preciso levar a menina urgentemente para o hospital, senhora Salvatore.- recomendou a enfermeira, sem hesitar. - Ela está com febre muito alta e já teve duas convulsões. 

Helena ficou paralisada.

- Rápido, senhora.

Helena pegou sua filha no colo  envolta num cobertor gritando para o motorista levá-las ao hospital.

Quando Marco  chegou, o carro já saía em disparada.  Giuseppe praguejava, golpeando a bengala no chão, e Fábia soluçava a um canto.

- Será que alguém pode me explicar o que diabos está acontecendo? - Marco  exigiu, a voz ressoando pelo ambiente.

-  Minha netinha convulsionou! - o pai exclamou. - A enfermeira suspeita de que Isa esteja  com uma doença infecciosa grave.

Na Unidade de Terapia Intensiva, Helena, sentada ao lado do berço da filha, apenas observava, enquanto a enfermeira mantinha observação constante da criança, dos aparelhos, da mãe estarrecida. As horas se arrastaram. Quantas, Helena não saberia dizer. 

Marco apareceu, como uma sombra escura. Esgotado e pálido, olhou para a criança doente e, zonzo, perdeu o equilíbrio. Foi amparado pela enfermeira e conseguiu se controlar. Engoliu em seco, aprumou-se e fitou Helena, a expressão torturada. Precisou de todas as suas forças para segurar-lhe as mãos geladas. Não falou. O que poderia dizer? Apenas olhou para a filha. Em algum momento, sentou-se numa cadeira que alguém teve a gentileza de levar e prosseguiu com a silenciosa vigília.

Médicos vieram.

- Infelizmente não sabemos ao certo o que a pequenina tem. - um dos médicos falou. - Pelos sintomas, os gânglios ao redor do pescoço encontram-se inchados. Há febre alta podendo ocorrer as convulsões. No momento, Luisa está medicada, mas não sabemos ao certo as sequelas da doença.

- Só sabemos que sua filha contraiu uma doença altamente infecciosa. - outro explicou. - Não gostaríamos de ter de passar tal informação,  mas é necessário. - o médico olhouna direção dos outros e continuou: - Uma em cada cinco crianças morre de alguma doença infecciosa antes de completar 5 anos.

Helena se desesperou e Marco a amparou.

-Estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance, mas aconselhamos que rezem.

Os médicos saíram e Marco confortava a esposa. Depois disso,  médicos vinham, observam e iam embora. Enfermeiras trocavam turnos. Em determinado momento, alguém lhe solicitou gentilmente que saíssem do quarto. Por quê, ninguém disse, mas foi a primeira vez que Helena  demonstrou alguma reação.

- Como? - ela assustou-se. - Por quê?

- É só um momento.

A enfermeira os levou para a sala de espera, onde lhes serviu café, aconselhando-os a beber. Helena sorveu um pouco porque Marco a obrigou a isso. Por fim, porque não suportava mais aquilo, ele a abraçou. Mas Helena não retribuiu o abraço. Parecia estar distante, perdida num outro mundo.

Os minutos se arrastaram. Helena aguardava, inerte. Marco ocasionalmente a beijava na testa e acariciava seus longos cabelos, suas costas, tentando revigorá-la.

- Sr. Salvatore... sra. Salvatore? Agora podem voltar.

Ela afastou-se dos braços do marido.

- Amore mio...

Ela simplesmente balançou a cabeça.

-  Agora não, Marco.  - disse, dando-lhe um tapinha no peito. E saiu.

Horas, mais horas. Em determinado momento, Giuseppe apareceu ao lado do berço. Olhou para a netinha doente e pôs-se a chorar. Marco sabia que era injusto, mas as lágrimas do pai o irritaram.

- Preciso lhe falar - disse Giuseppe quando o filho o levou para fora do quarto. - Preciso lhe falar!

- Mais tarde. - Marco  olhou ao redor até encontrar a enfermeira do pai. - Leve-o para casa.

- Mas preciso falar com você, filho!

- Mais tarde - Marco repetiu, voltando para o lado de Isa.

Horas, mais horas e o ponto culminante da crise veio. Agora só restava esperar para saber se haveria sequelas, e quais. Mas ao menos a menina estava salva. Tiraram-na da UTI e levaram-na para o quarto. Marvo conseguiu uma cama de armar, que foi colocado ao lado do berço. Helena deitou-se

- Está tudo bem - ele a tranqüilizou. - Ficarei aqui. Se nossa filha se mexer eu a acordarei, mas durma um pouco.

Ela concordou sem dizer nada e fechou os olhos. Horas, mais horas. Quantos dias, no total? Três, quatro? Helena não saberia dizer. Marco  fora descansar num hotel na mesma rua do hospital. Giuseppe viera no dia anterior, e parecia tão doente quanto a neta.

- Jamais me perdoarei por isso - ele disse, a expressão amargurada.

Helena o fitou.

- Não é por sua culpa que Isa está doente.

- A culpa é minha sim. - As lágrimas inundaram os olhos contritos do velho. - Lembra-se do dia em que a levei para visitar um amigo em Petrópolis? Duas outras crianças da fazenda estavam com doentes da mesma coisa. - Engoliu em seco. - Fui eu que a expus à doença. A culpa é minha!

Helena lhe lançou um sorriso cansado.

- Nem mesmo você pode controlar o destino. Não se torture.

Mas Giuseppe decidiu assumir a culpa. Ponto final. Pobre homem!

Horas, mais horas. Então Marco  voltou, com uma aparência terrível. Deveria estar descansado, mas aparecia mais pálido e tenso. Mal cumprimentou Helena, mal a fitou. Afundou-se na cadeira no outro lado da cama e contemplou a filha. Em seguida, desviou o olhar para as próprias mãos rígidas sobre a cama. Helena então entendeu o que estava acontecendo.

- Então finalmente seu pai contou-lhe a verdade... Agora você sabe que eu nunca o traí, não é? - indagou calmamente.

Ele não respondeu. Voltou a olhar para a filha e a expressão pétrea começou a desmoronar lentamente, dando lugar a uma fisionomia sofrida.

- Marco , não! - Helena murmurou, segurando-lhe as mãos.

Marco agarrou-se a ela e, apoiando a cabeça sobre o berço, começou a chorar convulsivamente. Helena jamais o vira assim. Ficou alguns instantes sem saber o que fazer. Então simplesmente o abraçou.


Era uma vez... a dor de uma traição.Onde histórias criam vida. Descubra agora