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-Não sou o pai dessa criança!

- É sua, sim! É sua filha, pois você a concebeu! Pensa que não me revolto por essa maldita suspeita de que fui infiel? Acaso lhe dei motivos para acreditar que fosse capaz de algo tão desprezível? Eu era tímida! Tão tímida que corava e gaguejava quando algum de seus amigos falava comigo!

- Até aprender a saborear seus próprios poderes sobre o sexo masculino, não é mesmo? - ele contra-atacou. - Os poderes que eu a ensinei a reconhecer! - Fez um gesto de desprezo. - Então parou de corar ou gaguejar. Começou a sorrir e a flertar!

- Jamais tive um amante!

- Então o homem com a qual a encontrei naquela maldita casa foi apenas fruto de minha imaginação? - ele ironizou.

- Não. - ela admitiu, estremecendo à lembrança. - Era real. Mas não...

- E antes passei cinco semanas sem tocá-la. -ele não a deixou conclir. - Mas mesmo assim você conseguiu engravidar... Um milagre!

- Seus cálculos estão errados. Foram quatro semanas. E fizemos amor muitas vezes naquela noite.

- E no dia seguinte você mestruou. Como poderia ter engravidado?

Helena suspirou, vencida. Mentira sobre seu período menstrual. Mentira para puni-lo, porque ele partiria no dia seguinte. Mentira para privá-lo de seu corpo, e arrepender-se-ia daquela mentira durante cada dia de sua vida. Chegara a confessar a mentira num carta, mas ele não se dera ao trabalho de responder nenhuma de suas cartas, até que deixou de escrevê-las.

- Não tem nenhuma resposta a isso? - ele escarneceu.

Helena balançou a cabeça, vencida .

- Acredite no que quiser. - replicou amargamente. - Já não importa mais. - Ergueu os olhos baços. - Uma vez eu o amei mais do que a mim mesma. Agora, meu amor por Isa é mais importante do que aquilo que um dia senti por você.

Marco permaneceu impassível.

- Arrume-se - ordenou, dando-lhe as costas. - Então desça. Tratarei de providenciar algo para comermos.

Quando Helena  finalmente desceu para a sala de jantar, encontrou Marco parado diante da janela, pensativo. Já passava da meia-noite e uma chuva torrencial caía.  Uma emoção agitou o interior dela: o desejo de uma mulher pelo homem que amara. Durante alguns segundos, não conseguia falar ou mover-se. Não queria deixá-lo perceber que ainda de sentia atraída. Mas não pela pessoa que ele era agora, e sim pelo amante terno que se perdera em algum ponto do passado.

As lágrimas embaçaram a visão de Helena , como aquelas gotas de chuva na janela de vidro. Lembrou-se de que chovia quando conhecera Marco. Uma pancada forte, que fizera as pessoas correr à procura de abrigo. Ela, então professora de uma escola de música tinha vinte e um anos e era tão tímida que ruborizava sempre que um estranho a fitava. Por isso, preferia passar seu tempo entre as crianças ensinando-os a tocar violino e piano. Estava a caminho da escola quando a chuva começara, por volta das 13 horas. Em meio ao tumulto, correndo com a cabeça baixa, Helena não viu um carro parar no meio-fio. A porta se abriu repentinamente e um homem saiu do veículo, trombando com ela, desequilibrando-a.

- Oh, desculpe-me! - foi tudo que ele disse.

Marco, porém, deixara a carteira cair antes de desaparecer dentro de um edifício. Helena percebeu, agachou-se, pegou-a. E não teve escolha senão seguir aquele estranho, para devolver-lhe o objeto.

Felizmente, encontrou-o ao lado do balcão de recepção, trocando apertos de mãos com outros homens. Aproximou-se timidamente e tocou-o no braço.

- Com licença...

Ele se voltou e a fitou de maneira intensa. Os cabelos presos numa trança, pingavam água em suas costas. O vestido não estava em melhor estado. Ele observou tudo, incluindo o rosto enrubescido e molhado.

- Sim?

- Você deixou cair isso. - Estendeu-lhe a carteira com a mão trêmula. - Quer verificar se é sua?

Instintivamente, Marco apalpou os bolsos. Como era muito alto, ela precisou erguer a cabeça para fitá-lo. Ele retribuía o olhar de uma forma fixa, profunda, sem emitir uma palavra. Helena ainda não sabia, naquele momento, que o grande Marco Salvatore estava calado porque se apaixonara instantaneamente. Ele viria a admitir isso semanas mais tarde, quando conseguiu derrubar-lhe as barreiras. Foi na noite em que, abraçados em meio a lençóis de cetim, os corpos suados, descansavam de um ato de amor. Ela ainda era tímida, ainda enrubescia, mas amava perdidamente aquele homem. O suficiente para se entregar a ele antes do casamento.

Ao perceber um movimento perto da porta, ela voltou-se. Era Bruno, com um olhar atento, circunspecto. Por um momento, por um pungente momento, Helena teve a sensação de que ele sabia exatamente em que ela estava pensando.

Então, o momento evaporou-se, porque Marco  os ouviu e chamou-os para a mesa. Durante todo o jantar, Helena sentiu-se observada por Bruno e teve a desconfortável sensação de que ele sabia o que estava se passando pela cabeça dela.

A refeição foi um sacrifício. Ela esforçou-se por engolir dois pequenos pedaços de frango grelhado. Além disso, não conseguiu comer mais nada. Marco e Bruno jantaram rapidamente, conversando vez ou outra sobre negócios.

- Com licença. - Finalmente ela se ergueu da mesa, fazendo os dois homens a fitarem. - Vou subir para tomar um banho.

- Tente descansar - disse Marco num tom baixo. - Se houver mais alguma notícia, eu lhe contarei.

Ela meneou a cabaça, cansada demais para argumentar. Não descansaria. Sabia que isso era impossível. Não voltaria a dormir até ter sua garotinha de volta.

Era uma vez... a dor de uma traição.Onde histórias criam vida. Descubra agora