A ESCOLHA DE UMA HARARE

Capítulo 13

      -Você tem certeza que é um bom dia para ir até a cidade? O céu parece mais fúnebre que o normal. - Eros fala colocando o capuz. - E você tem certeza de que ninguém vai reconhecer você?

      -Eu estou como um vendedor de peixe e você como uma senhorita do campo. Essa galera nunca viu nosso rosto pessoalmente, só pela televisão. Eles não vão reconhecer a gente.

      -Mas você é o Harare daqui. - Eros fala um pouco surpresa.

      -Irônico, não é? - Essa impessoalidade surpreendia muito a garota, por mais acostumada que estivesse com seu jeito. - Vamos logo antes que algum Guardal nos veja.

      -Tudo bem. - Os dois saem pela porta dos fundos do castelo, especificamente do local onde chegava os estoques de comida da cozinha, por lá tinha uma estrada que dava para a cidade. Eros estava nervosa, mas ao mesmo tempo feliz por estar fazendo aquilo, sentia um entusiasmo ao quebrar aquela regra boba de não sair do castelo.

      Os Guardais não os reconheceram, e os dois aproveitaram a brecha desse deslize inaceitável para escapar. Claro que passaram um de cada vez para que não houvessem suspeitas sobre seus disfarces.

      Ao chegarem na cidade sentiam o cheiro da maresia já dali. Eros conseguia ver a praça principal, onde havia uma cafeteria, uma livraria e uma feira de frutas. Não era uma cidade grande, mas seu caminho para o castelo era enorme. Tudo parecia muito calmo, até o sino da pequena escola tocar para anunciar o começo do dia. As pessoas começavam a sair de suas casas, quase que ao mesmo tempo, como se fosse programado, uns iam para dentro dos comércios, outros iam em direção à praia. A Harare assumia que eles estavam indo ao trabalho. Eram todos simples, diferente de outra parte da cidade, que haviam, pelo menos, umas cinco casas e três hotéis de onde a garota conseguia ver, provavelmente eram dos burgueses da cidade, a julgar pelo tamanho.

      -Bem vinda à cidade de Douleur, Margarida! - Haures fala segurando o chapéu de pescador que havia roubado do armazém de vestimentas do castelo. Eros respirava e sentia o aroma do café que acabara de sair. - O que você quer fazer?

      -Podemos passar pela livraria primeiro! - Eros estava animada. Os dois caminham até a porta da velha livraria e entram. Era um lugar com os livros bagunçados e empilhados.

      -Quem está aí? Algum moleque encrenqueiro de novo? Vou chamar seu pai, garoto maltrapilho! - Um senhor de aparentemente uns oitenta anos aparece por entre as pilhas de livros amontoados e se espanta com os visitantes. - Bom dia, perdão pelos gritos, achei que fossem Figo e Gale. Aqueles dois moleques sempre entram aqui para arrancarem as páginas dos livros. Eu sou o Marnei, aliás. - As costas do senhor estavam curvas e ele carregava uma bengala para apoiar-se. - O que desejam? Os hotéis ficam para o outro lado da cidade se querem saber. Essa parte da cidade não é turística, é um pouco perigosa aliás, se eu fosse vocês, não ficaria muito nesse centro. - Marnei estava assumindo que os dois eram turistas, pois não os reconhecia de jeito nenhum e já que muitas pessoas estavam na cidade com a esperança de ver os Harares de perto, ele juntou uma coisa com a outra. - E o principal: os Harares não vão sair do castelo para ver vocês, eles lá e nós, mortais, aqui.

      -Estamos aqui pelos livros, senhor. - Eros fala gentilmente e Marnei se assusta, normalmente só vendia para estudantes e sobrevivia de materiais escolares, os outros livros estavam entregues à poeira.

      -De qual livro precisam?

      -Você tem Os Contos de Maria Clara? A minha capa é tão sem graça, as edições daqui são tão lindas. - Marnei parece pensar por uns minutos.

      -É de Clévulos esse livro. - Eros afirma. - Muito bom por sinal, minha filha adora esse, adorava, não sei, ela saiu de casa a muito tempo. Nasceu Guardal, foi servir aos nossos Harares. Faz muito tempo, uns quarenta e cinco anos. - A Harare baixa a cabeça, provavelmente a filha dele já estava morta, os Guardais tem uma vida muito curta.