Capítulo 2

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"A guerra é mais fácil que as filhas." – Ned Stark, A Guerra dos Tronos.

Silent Grace, Hotel Mercy, 12h34.

Acompanhei uma borboleta azul pousando na janela do vidro cristalino. Suspirei, desejando ser ela. Não que eu estivesse querendo proferir um discursinho chato sobre liberdade e a falta dela, só não queria estar aqui neste momento.

Estava dentro da principal rede de hotéis Mercy, meu lar desde que nasci, agora na sala de estar ocupada por mais de trinta homens vestidos de terno e gravata que falavam em códigos para eu não entender porcaria nenhuma sobre seus negócios.

Como se eu tivesse a mínima vontade de participar da baixaria que era o comércio de Aldo Mercy, a quem diariamente chamo de pai, ou ao menos deveria chamar.

Inclusive, eu até teria intenções mínimas de me tornar a herdeira Mercy, se ele não deixasse explicitamente claro todos os dias o quanto mulheres não devem falar sobre trabalho, negócios, ações e qualquer coisa retrógrada do tipo. Claro que a mesma regra não valia para o meu irmão. Então, fiz questão de terminar aquela refeição maravilhosa logo para poder me levantar e sair daquela santa ceia onde só via Judas pra todos os lados.

— Precisamos mandar todo o seu uniforme e suas roupas logo para o colégio, começa na semana que vem, certo, Asia? — Aldo disse em tom baixo e profundo, fazendo seus sócios se calarem. Ele era respeitado e temido por todos eles.

— Sim — disse, imitando seu tom monótono e vazio. — Minhas malas estão prontas, hoje à tarde vou pedir para Mafalda carregar tudo até o carro.

— Para o carro do motorista, não o seu — declarou. — Não precisamos criar alarde sobre isso. Sabe que também sou totalmente contra essa volta dos jovens para o Internato Saint Fiore.

Derrubei o garfo no prato, desacreditada por ele querer tocar nesse assunto pela milésima vez.

— Sério? Você falou sobre isso todos os dias enquanto estávamos escalando na Suíça. Pensei que, quando mudássemos os ares de volta pra cá, você seguiria em frente e aos poucos esqueceria disso, até porque não tem nada a ver comigo e não vai me punir por uma consequência dos atos de outra pessoa — me queixei, já farta.

Minha voz soava muito mais alta do que o som grave que todos os caras naquela sala escura faziam. Isso porque, na alta sociedade, éramos ensinados a nos comportar assim em público, sempre com voz de mosca morta, sem demonstrar muitas expressões faciais e muito menos gesticulações abertas demais. Sempre se portar. E eu me via como alguém que destoava, ou tentava me destoar de algo que era natural do meu sangue e comportamento desde criança, desse povo todo.

Aldo largou seu prato na mesa também e me fitou firme, aquele olhar que os pais dão para seus filhos de cinco anos, só que com um jeitinho mais de quem quer te matar. De verdade. Senti seus sócios pararem de respirar por terem visto eu o desafiar. Aquilo era demais para esse bando de frangotes.

— E vou falar quantas mil vezes mais eu desejar. Sou seu pai e me preocupo sim com o seu estado. A menina que desapareceu tinha contato com nossa família e, se bem me lembro, vocês até mesmo já foram amigas um dia.

— É, antes de Cristo — murmurei.

Ele massageou as têmporas e passou a mão pela cabeça careca. Era difícil ver Aldo estressado. Bom, era difícil para outras pessoas verem Aldo estressado. Geralmente ele ia de oito a oitenta em segundos para quem o considerava um inimigo. Comigo, ele tinha obrigação de tentar se segurar para não pegar o prato a sua frente e jogar na minha cabeça.

Diz a lenda que Aldo ainda tinha cabelo antes do dia do meu nascimento.

— Não importa. Asia, presta atenção, vou falar pela última vez. — Seus capangas comiam, demonstrando muito interesse na refeição assim que Aldo virou sua cadeira negra em minha direção. Meu irmão idiota se segurava para não rir. — Vanda Perlmann desapareceu sem deixar rastros. Não temos ideia do que manifestou isso e toda a família diz que ela tinha uma conduta excepcional, seja acadêmica ou particular. Sou sim totalmente contra com a ideia de você voltar para essa porcaria de internato, assim como seu irmão, porque não sabemos com o que estamos lidando. É a primeira vez em anos que temos um desaparecimento de uma jovem de família importante aqui em Silent Grace e foi alguém próximo a você. Ela é nossa vizinha, Asia. Você vai voltar para a porcaria da Fiore? Vai. Porque me encheu o saco o verão todo para isso. De noite, ainda tem o concurso e sabe-se lá onde você vai se enfiar durante a tarde toda. Nunca fui um pai rigoroso que proíbe os filhos de fazerem as coisas que querem, mas, se você continuar com esse comportamento de alto risco, vamos começar a mudar as coisas por aqui.

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