Revelations (Pt. 1)

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E com aquele empurrão, Yilliandra Vallenne viu a honra de sua família desmoronar. Viu sua vida, a de seu pai e a de sua mãe despencarem no esquecimento.

Conforme caía pelo penhasco, não sentia dor. A orelha dilacerada mal formigava. Cada rocha que fraturava suas vértebras e costelas apenas servia para lembrá-la da frieza e do sadismo com que sua irmã, sua querida e rebelde irmãzinha, a jogara para a morte. Seus lábios ainda brilhavam com a saliva de Lyfallia, mesclada às silenciosas lágrimas que vertiam dos olhos vazios. O vento fustigava sua nuca, precedendo violentos impactos nos troncos e pedras que eram seguidos por breves momentos de serenidade e contemplação enquanto seu corpo flutuava no ar antes do ciclo se repetir.

As imagens passavam como quadros diante de seus olhos. O cadáver devorado de sua mãe, que ela não vira. O corpo empalado de seu pai, que ela também não vira. Os grilhões em torno de seus pulsos e tornozelos, as câimbras intermitentes em seus ombros. A ponta da bota de Lyfallia se enterrando em seu olho, o gume da adaga dilacerando o tendão em sua coxa. Os dentes da própria irmã destruindo sua orelha, os lábios maquiavélicos dela debochadamente plantando-se sobre os seus, e então um redemoinho infinito de verde e marrom e vermelho.

E, por fim, a pedra redonda no riacho que parecia acomodar sua lombar.

Com a coluna curvada sobre a rocha, Yilliandra não conseguia se mover. A cabeça pendia para o lado oposto, virada para baixo, e essa posição a incomodava, mas ela estava paralisada. A água do riacho ficava vermelha e banhava os restos da sua armadura desmantelada, penetrando os sulcos e buracos para forçadamente lavar a pele ensanguentada abaixo. Yilliandra arfou e sentiu incontáveis costelas pinicarem seus pulmões; daquela posição, as lágrimas escorriam pela testa, molhando as raízes dos cabelos pretos encardidos.

Quando a realização caiu sobre ela, Yilliandra não conseguiu fazer nada além de urrar de desespero, estremecendo o solo da floresta e espantando as aves em volta.

⊱◈◈◈⊰

Houve um momento em que o tempo deixou de fazer sentido. Houve um momento em que os segundos passaram a parecer dias, e o sol parecia estar na mesma posição há uma semana. Yilliandra compreendeu, então, que era o fim. Sentia cada elo da corrente que a prendia à vida cedendo, um por um, e não havia para onde sair. Séculos, séculos de treinamento militar que deveriam prepará-la para qualquer coisa, e ainda assim ela não conseguia resistir à morte.

Yilliandra notou que ainda guardava um pouco de ar em seus pulmões perfurados. Sentiu o que restava da vida uma última vez, então soltou seu último suspiro.

...Talvez.

O ar saiu e imediatamente deu lugar a uma dor que não parecia ser possível. Era como se a magia élfica inerente a ela, embora inexplorada, usasse da sua vontade de viver para anestesiá-la. Quando Yilliandra desistiu de viver e expeliu o que imaginou que fosse seu último suspiro, foi como se a magia resolvesse puni-la. Cada impacto, cada hematoma, cada laceração na pele e perfuração na carne fez-se notável. Yilliandra, que antes já havia sido cortada, espancada e perfurada, que já estivera perto da morte inúmeras vezes, sentiu uma dor que jamais, em todos os seus séculos, poderia conceber.

Involuntariamente, seus músculos voltaram a funcionar em espasmos e contrações de agonia. Ela tossiu sangue, rolou para fora da rocha, bateu a boca nos pedregulhos do riacho e vomitou. Cada músculo se contraía dolorosamente, e Yilliandra soltava berros gorgolejantes contra a água corrente, jorrando sangue de todos os lugares...

M-ma...

A água trouxe à sua direção um galho. Ele meramente roçou a pele exposta em seu abdômen, mas a elfa sentiu como se três lâminas a empalassem, retorcendo-se como um pano encharcado, tossindo e vomitando, chorando e murmurando:

Draconia - Trilogia Gjallarhorn, Vol. IOnde histórias criam vida. Descubra agora