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A chuva havia cessado. A caótica cacofonia resultante da mescla entre choques metálicos, gritos e o rugido do fogo se convertera em um ensurdecedor e plácido silêncio. O chão estava coberto por uma neblina densa, impossibilitando a vista de qualquer coisa a mais de três metros de distância, mas revelando as paredes distantes e o teto destruído; revelando que todo o luxo do palácio fora desmantelado pelo fogo, e as decorações caras e estonteantes, reduzidas a cinzas.
Hersa apanhou uma das muitas pétalas de lótus que pairavam pelo ar. Sentiu sua textura surrealmente macia e estudou o brilho etéreo que emanava. Inalou o perfume divino, quase fora daquele mundo, e franziu as sobrancelhas para os arredores. Para o contraste discrepante e quase ofensivo daquelas pétalas perfeitas e graciosas, inocentemente flutuando pelo ar em meio à fumaça fétida e à neblina densa, brilhando em cores celestiais na fraca saturação de um dia cinzento e devastado.
— Cof... cof... que porra... cof... o que aconteceu?
Ignorando a voz de Bellatriz, perdida em algum lugar em meio à fumaça, Hersa caminhou até um ponto que parecia brilhar no centro de toda a destruição. Até Lyfallia, cuja aura purificadora falhava em afastar a fumaça e a poeira.
A elfa estava ajoelhada ao lado do corpo de Rafhyr, a mão sobre o buraco carbonizado em seu peito. Seus olhos haviam sido fechados, mas nada poderia varrer sua última expressão em vida — desespero e angústia estampavam o rosto de linhas duras sujo de sangue, mesmo com as pálpebras cerradas. A Rainha Dourada chegou perto, sentindo o que deveria ser o frescor etéreo da presença da elfa, mas agora era pura angústia.
— A morte é algo que faz parte da vida de tudo e todos — disse ela. — É tão imprevisível quanto é inevitável. Você sabe disso, Lyfallia.
— Rafhyr foi um soldado do reino durante toda a vida. Desde que o conheço por gente. — A voz dela carregava um amargor terrível. — Ele merecia uma morte mais digna. Mais digna do que... isto.
— Oh. — Hersa apoiou a mão nas costas de Lyfallia. — Não interprete isto como uma ofensa, querida, mas é raro vê-la se importando com algo ou alguém além de si mesma.
— Se existe ou existiu um elfo no mundo que eu respeitava, apesar de sua... clara incompetência em combate, era Rafhyr. Nunca me importei se ele poderia ou não me defender, porque eu mesma sempre fiz isso, mas não existiu um elfo em Nylvellion mais leal a mim. Foi o único que se submeteu sem nenhum questionamento quando eu tomei o poder. O único que não me desafiou ou contrariou em nenhum momento, e o único que demonstrava temor ao invés de medo.
Hersa se agachou e acariciou a pele de seu braço exposto, a mão serpenteando até encontrar e segurar a dela.
— Isso mostra sua capacidade de controlar e equilibrar seu emocional e racionar, querida elfa. Esse é o caminho para nós nos unirmos mais ainda.
Lyfallia se desvencilhou, se pôs de pé e ficou de frente para a Rainha Dourada. Hersa olhou em seus olhos e viu o rancor. Todo o rancor do mundo concentrado em um único par de írises. O brilho divino que sempre iluminava seus olhos se transformara em uma soturna escuridão, como se todas as estrelas de um céu tivessem se apagado. A aura pura em torno dela se esvaíra, permitindo a fumaça e a neblina avançar até as duas.
— Não precisamos nos unir — disse Lyfallia. — Vou voltar para meu reino. Tenho o meu povo para governar, e você tem o seu.
— Vai simplesmente abandonar a guerra?
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Draconia - Trilogia Gjallarhorn, Vol. I
FantasíaJon Hansen, um necromante de poder inimaginável, tem um objetivo definido e imutável que perseguirá com determinação absoluta até que o concretize completamente: provar ao resto do mundo que é o ser vivo mais poderoso . No entanto, realizar tal feit...