Necromancer

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۵

Lydavasta estava fria.

Os ventos noturnos, gélidos e uivantes pareciam cantarolar ao atravessar as frestas das casas da cidade. O sereno umedecia qualquer superfície exposta ao ar como chuva — na verdade, o ar estava tão úmido que era possível enxergar gotículas brilhantes contra as luzes das lanternas penduradas pelas ruas desérticas.

Desérticas, talvez; mas passos calmos ecoavam por elas. Solas duras de botas de couro quebravam o silêncio tétrico da noite. Estremecendo levemente com o frio, o jovem ergueu a gola do sobretudo, afastando os cabelos brancos do rosto carrancudo. Fitou o seu destino no fim da rua e agora o estremecimento era causado pelo ódio grandioso que o acometeu, fazendo seus olhos lampejarem em vermelho. Vermelho luminoso.

Ele alcançou a grande mansão iluminada, excepcionalmente chamativa, cercada por sebes de cinco metros de altura e protegida por um alto portão de ferro. Parou em frente ao portão e, com um simples gesto da mão esquerda, destrancou o cadeado que mantinha as correntes no lugar. O som metálico dos elos se amontoando no chão foi alto, mas aparentemente não chamou a atenção de ninguém.

Sorrateiramente, o rapaz adentrou o jardim frontal. Um longo caminho de pedregulho ladeado por flores e arbustos podados levava à imensa porta dupla da entrada principal. Inúmeras janelas se espalhavam por toda a extensão da residência luxuosa, mas poucas emitiam alguma luz pelas cortinas. No mais, a mansão estava silente e dormente. O cenário perfeito.

Uma vez dentro, ele deu a volta no casarão sem ser ouvido, parando em frente a uma janela magnânima do que parecia ser um quarto no piso térreo. Observando-a, esgueirado entre as moitas, viu duas silhuetas através das cortinas, reconhecendo-as como um homem e uma mulher. Pelo modo agressivo como se moviam e pelos brados parcamente audíveis, pareciam estar discutindo. Mas eventualmente a silhueta do homem desapareceu, e o rapaz concluiu que era hora de agir, aproximando-se ardilosamente da janela até poder enxergar dentro do quarto.

Uma bela e jovial mulher estava sentada em frente a uma penteadeira, olhando-se no espelho enquanto escovava os longos cabelos negros. Ela se comunicava com um bebê que a fitava do berço, proferindo gemidos e murmúrios agudos e indefinidos em resposta às palavras calorosas da mãe.

Jamais utilizei a cor vermelha antes, pensou o rapaz. Seria uma boa ideia fazer isso agora? Ele observou mais um pouco, escondido, e quanto mais observava, mais um ódio escrupuloso e inquietante tomava conta de sua alma pútrida. Bem, não vejo outra opção.

Ele piscou, e suas pálpebras se ergueram para revelar olhos de um carmesim intenso. A cor brilhou e uma ventania fortíssima soprou, sacudindo as cortinas e batendo as janelas com furor. A luz dentro do quarto da mulher se esvaiu, e, com o susto, ela gritou e tentou enxergar algo além da janela — mas não via nada além de um par de olhos vermelhos flutuando no escuro. E então tudo passou, e diante dela estava o jovem, alto, os cabelos brancos e as vestes negras ainda se acalmando do vendaval, sua face diabólica contorcida em ódio maquiavélico.

Você? — disse ela, sem voz, apoiada na penteadeira após ter se desequilibrado da banqueta.

— Ah, então não sou estranho.

— Meu marido vai destruir você, demônio escroto! — bradou ela, ganhando forças. Era incrível como, mesmo após todo aquele estardalhaço, o homem ainda não havia aparecido no quarto. Devia ter uma exímia audição.

— Seu marido já está acabado, mulher — disse o rapaz, alisando o sobretudo. — Vamos direto ao ponto: o dinheiro. Onde está?

— Agora você também rouba famílias? — indagou a mulher, odiosa, estendendo a mão trêmula a uma tesoura dourada na penteadeira ao lado.

Draconia - Trilogia Gjallarhorn, Vol. IOnde histórias criam vida. Descubra agora