O sol lá fora quase se pondo era um indicativo de que já fazia horas que eu me encontrava em posição fetal na minha cama, não me importava com a dormência nas pernas, nem com a poça de lágrimas que havia molhado o meu travesseiro, me sentia quebrada, uma peça foi tirada de dentro de mim e eu não sabia como continuar sem ela, a dor era dilacerante.
Abro o relicário pela milésima vez, eu não me lembrava daquele dia, não me lembrava de nada vivido com ela, já que o meu direito de ter uma vida ao lado da minha mãe foi tirada bruscamente de mim e tudo porque? Meu Deus, eu não sabia, eu não tinha resposta para nada, só sabia que eu sentia a falta dela.
Nunca havia me sentido assim, acho que pela primeira vez eu senti a dimensão de perder alguém que a gente ama, era inevitável não pensar no quanto a mamãe havia sofrido naquela época e o quanto não havia reprimido por mim, porque eu não sentia a mesma tristeza que ela, porque eu não entendia o que era perder alguém, porque eu tinha apenas dois anos e achava que a mamãe voltaria a qualquer instante.
Como tudo seria diferente se o Adauto não tivesse deixado o Alef dirigir aquele caminhão, as chances da mamãe estar viva seria tão grande, eu queria me apegar a elas, queria poder voltar no passado e inverter isso tudo, onde eu estaria agora se isso realmente acontecesse? Eu já havia criado tantas teorias que minha cabeça latejava quando eu me mexia, suspiro de alívio quando meu cérebro se desliga levando embora a dor e o sofrimento que eu trazia em meu peito.
-Não vá, por favor não vá.-Minhas mãos passam direto pelo braço da mamãe quando eu tento segurá-la.
Ela exibia um sorriso no rosto enquanto limpava o borrado imaginário do batom, fico em sua frente tentando parar ela, por segundo seus olhos encontraram os meus e eu penso que vou conseguir, vou conseguir impedir ela de sair de casa e evitar o acidente, mas então ela se despede. Minha chance estava prestes a escorrer entre os meus dedos.
-Mamãe, se você entrar nesse carro nunca mais eu poderei vê-la.-As lágrimas já estavam em meus olhos de novo.-Por favor, consegue me ouvir?
Uma brisa envolve seus cabelos e ela olha em volta, ela podia sentir a minha presença e eu sabia disso.
-Não vá.-Imploro mais uma vez, ela sorri e fala alguma coisa que não consigo escutar antes de entrar no carro.
Uma ventania começa e sou obrigada a fechar meus olhos, de repente estou em uma pista deserta, faróis me cegam momentaneamente e a chuva começa, diminuindo ainda mais a minha visibilidade, por segundo observo os carros passarem e alguns derraparem na pista, eu sabia o que ia acontecer, sabia! Queria ir embora dali, mas meus pés pareciam enraizados, eu seria obrigada a assistir, como uma espectadora que não consegue fazer nada mesmo sabendo o roteiro, era uma peça de terror.
Então acontece, meu coração acelera quando encaro os faróis vindo dos dois lados, mesmo sabendo que era inútil gritar eu gritei, gritei até meus pulmões arderem, gritei mais alto que a colisão a minha frente, gritei por ela, gritei por mim, gritei para alguém que pudesse me tirar dali. Meu corpo flutua parecendo ser feito de nuvem e sou carregada até os destroços do carro, a chuva parece finalmente me molhar, eu me sentia encharcada, não só de lágrimas.
Encontro os olhos da mamãe, eu não conseguia nem descrever a situação, era tão, tão, argh, meus olhos começam a chorar novamente, eu queria ir para casa, eu queria que nada disso acontecesse.
-Mel.-Sua voz rouca que a muito eu não ouvia me chamou, abro os olhos e encontro ela me encarando.-Minha Mel.-Ela fala parecendo feliz em me ver, me aproximo dela.
-Me desculpa, eu não consegui te proteger.-Falo me agachando do seu lado.
-Minha menina cresceu bem, estou aliviada.-Ela sorrir enquanto tosse um punhado de sangue, me assusto segurando sua mão que estava estendida em minha direção.
-Porque não me deu ouvidos? Hum? Eu tentei, tentei não deixar você sair, mas você não me ouviu, não me ouviu, por favor, aguente firme, aguente mais um pouco.
-Me prometa que não vai viver ferozmente o tempo todo? Só confie em si mesma e viva uma vida saudável e feliz.
-Mamãe...
-MEL!-A voz do Ben fica difícil de ouvir no meio da tempestade, mas percebo que cada vez mais eu estou flutuando para mais longe da mamãe.
-Não posso deixar ela só, mamãe!
-Mel!
-Ela está ardendo em febre.
-Não seria melhor ligar para o hospital?
-O Santos está aqui para falar com ela, o que eu digo, Ben?
-Mande ele vim outra hora.
-O celular não para de tocar, não seria melhor atender? Os pais dela podem estar preocupados.
-Tem razão, alô? Olha a Mel foi trabalhar e esqueceu o celular, sim, ela ainda não voltou, quando ela chegar eu peço para ela falar com vocês.
-Porque não disse a eles?
-Tenho a leve impressão que a Mel não gostaria de preocupar os pais com uma coisa boba.
-Desde quando febre de quase dois dias é coisa boba, Ben?
-Ela vai ficar bem logo, você vai ver.
Eu podia escutar as vozes, mas não conseguia reagir, minha cabeça parecia pesar uma tonelada, meus olhos ardiam toda vez que tentava abrir, era como se houvesse um peso sobre eles que me impedia de realizar o movimento. Parecia que meu cérebro estava deslocado do meu corpo, apenas meu coração fazia a conexão, e doia, doia muito.
-Você também não tem dormido bem, vá descansar.
-Vou ficar aqui mais um pouco.
-Parece que eu estava certa, você acabou se apegando a essa menina.
-Parece que mais que isso, Noêmia.
-Bem mais que isso, Ben, estou feliz por você.
Miseravelmente o quarto ficou em silêncio e eu me vi perdida na obscuridade dos meus pensamentos, era um caminho sem volta, desejei pela primeira vez, egoistamente, morrer. Eu havia feito uma bagunça enorme na minha vida e não sabia como consertar, mas pior ainda, eu havia bagunçado mais vidas e fiz coisas que não me orgulhava, eu vi minha mãe lutar em um tribunal contra meu pai que só queria a guarda para favorecer a sua campanha, mesmo que isso significasse que ele precisava tirar a criança dos braços onde ela seria feliz.
Eu fiz isso, eu arranquei uma criança dos braços da mãe por estar cega, por achar que estava fazendo a justiça, quando na verdade estava me escondendo sob ela, o que me levava a uma questão que me fazia duvidar da minha honra e da minha moral. Porque eu em momento algum eu cogitei a hipótese dele estar mentindo, porque em momento algum eu procurei saber a versão dela do caso, eu apenas entreguei de bandeja como ele conseguiria ganhar, e não adiantava culpar o Santos, ele não fez nada, exatamente como deveria, a culpa foi minha. A culpa era toda minha.
-Só minha.-Minha voz arranha ao passar na garganta, tento abrir o olho.
-Mel?-Ben toca a minha mão.
-Oi.-Suspiro de forma sôfrega.
-Graças a Deus.-Encaro o Ben.-Eu não sabia mais o que fazer.
-Eu tô bem.-Era a coisa mais certa a dizer, mas meus olhos encheram de lágrimas assim que as palavras deixaram meus lábios, Ben salta da cadeira e senta na cama me abraçando todo desajeitado.
-Tudo bem não estar bem.-Ele murmura contra os meus cabelos. Ficamos assim até eu cair no sono novamente, mas dessa vez agarro sua camisa tentando me proteger de onde meu cérebro me levaria dessa vez e para minha surpresa nada apareceu, páginas e mais páginas em branco.
Eu sabia que uma hora ou outra eu teria que escrever essas folhas, eu teria que parar e dar um jeito em tudo que eu havia bagunçado, mas por hora eu só tinha vontade de chorar e as vezes de socar a cara de alguém. Era um completo caos.
~👠👩🏻⚖️💞🏇🏼🥾~
Cap curtinho só para avisar que tô bem e que em compensação pela semana passada a partir de quarta terá cap todo dia! ❤️🥰😘
Já estou ansiosa pelo que vem aí 😌❤️
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Doce Destino - Em Andamento
Chick-Lit"-Mel, meu amor, você sabe que amamos você e sempre respeitamos suas escolhas independentemente de quais sejam elas, então eu vou te fazer a pergunta que sempre te faço.-Mamãe fala acariciando minha bochecha.-Onde você quer estar daqui a 10 anos? On...