Capítulo 2 - Realidade na Sala 8

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Tinham avisado que o novo uniforme chegaria hoje e confesso que eu estava animada. Aquele estilo escolar não combinava nada com uma boate de luxo, só servia para atrair mais tarados. Minha felicidade caiu por terra quando uma menina alta me entregou as roupas que eu deveria vestir. Era tudo tão colado e curto, a saia terminava somente um dedo abaixo de minha bunda, qualquer movimento poderia revelar minha calcinha. A meia arrastão não protegia nada, ao contrário, evidenciava ainda mais minhas curvas. Vou nem tocar nos detalhes do top decotado...

Senti-me nua, mas não pude reclamar. Embora meu tio fosse dono do local, não tinha o direito de pedir nada a ele. Para falar a verdade, não éramos tão próximos antes do acidente de meu pai. Acho que vi meu tio apenas umas 3 vezes nesses meus 21 anos de vida. Mas quando perdi tudo, ele foi quem apareceu para me socorrer. Sua boate estava sempre lotada e com os clientes mais ricos, então as gorjetas eram enormes. Ele ofereceu cargo na gerência, mas não quis aceitar devido minha falta de experiência. Sempre fui do tipo que prefere trabalhar pesado ao invés de ficar devendo favores.

Foi assim que acabei entrando para sua extensa lista de funcionários como garçonete. Servia e limpava mesas de segunda à sábado e, às vezes, aparecia no domingo para ajudar a organizar o local em troca de uns reais a mais. Abaixei a saia de veludo o máximo que consegui e me encaminhei à cozinha. Meus colegas eram ótimos, o que facilitava aguentar a noite pela frente, cheia de homens bêbados e prontos para me devorarem com os olhos. Alguns até tentavam me tocar, mas se afastavam quando eu os ameaçava com uma garrafa.

Mesmo assim, não reclamava das horas de pé usando um salto 20. Ser garçonete ali era a forma mais rápida de juntar dinheiro. Finalmente as dívidas haviam sido quase quitadas e estava pagando corretamente o hospital de minha mãe. Logo poderia ter dinheiro suficiente para retornar à faculdade, ao menos, eu sonhava com isso. Acordei dos meus devaneios com uma bandeja cheia de aperitivos sendo entregue em minhas mãos. Sala 8, disse Bruno, um dos cozinheiros dali. 

Segurei firme a bandeja e sorri para Bruno, dando um rápido tchau com a cabeça. Ele era um de meus amigos da boate, embora eu me perguntasse se continuaria sendo se soubesse que sou sobrinha do dono. Às vezes tenho impressão que muitos colegas me detestariam por causa disso, usar conexões para conseguir emprego era uma das fofocas mais mal faladas entre os empregados, motivo pelo qual nunca revelei meu grau de parentesco para ninguém.

Segui para a Sala 8 esperando encontrar mais homens velhos desesperados para me pagarem bebidas, na tentativa de receberem a mínima atenção de uma mulher mais nova. Tão patético! Eu nunca ingeri álcool, então sempre negava os drinks de graça alegando estar tomando remédio. Acabava apenas os ouvindo falar, rindo das piadas e saindo o mais rápido possível com outro pedido de bebidas. Quem dera dessa vez tivesse acontecido a mesma coisa...

A boate estava lotada como sempre, mas o corredor em que eu me encontrava era à prova de som. Se tratava da área reservada para os VIPs: várias salas lado a lado, com música própria, sofás caros e uma televisão gigante mostrando as pessoas na pista de dança (o que acho uma total falta de privacidade, mas vai entender). Somente as pessoas mais ricas tinham acesso a essas salas, o que significa gorjetas bem substanciais.

Entrei na Sala 8 com um sorriso no rosto e quase deixei a bandeja cair no chão ao ver os convidados. Pensei em retornar ao corredor, mas já era tarde. Um Pedro bêbado me encarava. Como eu sabia quem era ele? Bem, difícil esquecer o cara com quem namorei dois anos. Estudávamos na mesma turma na graduação e nos apaixonamos. Pelo menos era o que eu pensava. Quando minha família desabou, Pedro me largou. Disse que só aguentou ficar comigo pois eu era a melhor aluna da turma e isso pegava bem para a reputação dele.

Desde então não nos vimos, nem conversamos por mensagem, dei block nele em todas as redes sociais. Mas como o destino me detesta, cá estávamos. Pedro levantou rindo e parou ao meu lado. Chamou a atenção de todos na sala (os quais eu desconhecia) e resumiu nossa história, meio que me apresentando ao grupo. Detestei cada minuto, embora sorrisse forçadamente. Deixei a bandeja na mesa e, quando estava prestes a sair do local, ele me agarrou pelo pulso.

— Não vai ficar mais? Achei que as garçonetes daqui fossem melhores. – Sua voz estava alta, seja por conta da bebida ou a vontade de me humilhar que brilhava em seus olhos.

— Vou levar essas garrafas vazias e buscar as bebidas que seus amigos pediram. – Respondi, tentando manter a calma.

— Não se preocupe com isso, posso pedir que outra pessoa venha. – Pedro colocou a mão em minha cintura, aproximando seu rosto do meu.

Ele era um homem alto e forte, desejado por todas as garotas de nossa turma. Seus músculos se destacavam na camiseta apertada. Se fosse há um ano, seu gesto teria feito meu coração palpitar, no entanto, agora que eu conhecia sua verdadeira natureza, seu toque me dava arrepios. Tentei afastar suas mãos, dizendo que realmente precisava trabalhar, contudo ele apertou mais seu abraço, encostando a boca em meu ouvido para sussurrar:

— Se você for boazinha, prometo que darei uma gorjeta gigante. – Piscou descaradamente.

— O que você quer dizer? – Retruquei confusa.

— Ah, não se faça de santa. Todo mundo sabe que as garçonetes daqui são prostitutas. – Paralisei com suas palavras, mas ele continuou a falar: — Você não quis dar para mim nos dois anos que estivemos juntos e olha para você agora. Ao menos hoje você poderá chupar um pinto que já conhece. Melhor ainda pois você sabe exatamente do jeito que eu gosto, né Aninha?

Sua mão já estava passeando pela minha bunda, quando entendi o peso de suas palavras. Não pensei duas vezes antes de tacar em sua cabeça uma garrafa de uísque vazia. Seus amigos olharam espantados, queriam avançar sobre mim, enquanto as duas meninas correram para socorrer Pedro. Agitei a garrafa na mão. Olhei para Pedro e escorria sangue por um corte recém aberto. Ele lançou xingamentos e ameaças, dizendo que contaria tudo ao seu pai influente. Eu ri. 

— Você não fará nada disso. Aguentará como o homem que você nunca foi, sabe por quê? – Desafiei com o olhar. — Porque eu tenho provas de que todos seus trabalhos da faculdade foram feitos por mim.

Pedro parou com a intimidação na hora, ficando calado. Seus amigos começaram a sussurrar, com os olhos arregalados para ele. Sorri, vitoriosa. Os dois anos em que ignorei seus deslizes acadêmicos em nome do amor, fazendo sozinha todos os trabalhos que deveriam ser em dupla, finalmente valeriam a pena. Ele jamais admitiria falhar na universidade, principalmente sabendo que seu pai o puniria severamente. Saí da Sala 8 e nunca mais ouvi falar de Pedro ou qualquer um de seus amigos.

Sem embargo, a noite estava só começando...

Leite Proibido [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora