Capítulo 12 - O dia seguinte

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Acordei com dor nas costas e mãos dadas com minha mãe. Ela permanecia em coma, mesmo assim o contato de sua mão quente e viva com a minha fria, desesperada por conforto, era algo bom. Levantei da cadeira desconfortável e endireitei a coluna com um estalo. Não lembro quando apaguei ontem, estava cansada demais até para tomar um banho.

Olho para o uniforme da boate ainda em meu corpo. Merda! Não era apenas um pesadelo, toda aquela merda tinha acontecido horas antes. Respiro fundo tentando afastar a lembrança e me concentro no peso em meus seios. Vejo o top úmido e me recrimino por ter dormido sem as devidas precauções. Vou em direção à mala e vasculho até encontrar o que preciso.

As cortinas estão fechadas, então consigo abaixar parte da roupa e desprender o sutiã sem ter medo de ser vista. A peça íntima está encharcada com o líquido branco e cremoso. Opto por limpar meus seios com um lenço umedecido antes de começar a bombear o leite. Fico durante muitos minutos enchendo as garrafinhas que tinha na bolsa, tempo suficiente para recarregar um pouco da bateria do celular e sentir minha barriga pedir por comida.

Quatro garrafinhas de 200ml depois... retiro a bomba e começo a limpar tudo. Meus seios estão ainda mais sensíveis e o direito ficou meio esfolado. Normal, já que preciso realizar todo esse processo pelo menos duas vezes por dia. Às vezes me sinto uma vaca leiteira, mas confesso que sinto orgulho do meu leite. Não, eu nunca provei. Sinto orgulho porque ele alimenta muitos bebês cujas mães não podem amamentar.

Escuto a porta abrir quando estou terminando de ajeitar minha roupa. Jess pede desculpas ao perceber as garrafinhas ao meu lado, sabe que por pouco não me pegou bombeando, com o corpo exposto. Fico feliz com sua presença, principalmente quando pego o prato lotado de comida que me oferece. Ela avisa que está no final de seu expediente e que posso usar o banheiro da salinha de descanso do andar que está em reparos.

Conversamos um pouco e prometo para Jess que ficarei bem, só assim para ela me deixar novamente sozinha. Conhecendo minha amiga como a conheço, sei que faria de tudo para me ajudar, contudo sua situação não é tão melhor que a minha: mora na casa de uma tia doente e trabalha para sustentar ambas. Garanto que me cuidarei direitinho e que à noite nos veremos no hospital. Entrego as garrafinhas e ela agradece.

- Você deveria cobrar por esse leite. Vive abastecendo nosso estoque!

Rio de seu comentário antes de ver a porta se fechar. Desde a adolescência, quando meus seios começaram a produzir leite, que doo para o hospital. Eles utilizam para amamentar crianças que foram abandonadas após o parto ou que as mães não conseguiram lactar. Ao menos aqui me sinto um pouco útil. Ser uma vaca não é tão ruim assim.

Cubro meu corpo com um sobretudo e saio do quarto rumo ao banheiro. Poucas pessoas notam minha presença, ainda é manhã e o hospital está agitado devido um acidente na estrada. Chego no andar em reforma, ainda sem nenhum funcionário. Ótimo! Consigo relaxar embaixo da água quente, escoando parte das minhas preocupações com o sabão.

...

Já estou na rua, pronta para procurar um novo emprego. Há pouco liguei pro seu Vicente, um senhor que sempre me recomendava para uns bicos. Hoje conseguiu uma distribuição de folhetos pro almoço, irei encontrá-lo em 2 horas. Antes me encaminho para alguns escritórios, entregando meu currículo para vagas de secretária ou faxineira, o que estiverem precisando.

Ninguém se interessa, dizem que ligarão depois. Não vão ligar, eu sei. Ando um pouco mais, prestando atenção nas placas dos estabelecimentos. Meu telefone toca e respiro fundo. Talvez... abro um sorriso antes de atender. A voz suave do outro lado da linha me anima, mesmo enquanto me dá um puxão de orelha. A tia Clarissa parecia preocupada.

Pois é, a Jess me dedurou com gosto. Esqueci que se conheceram no meu último aniversário e que agora o assunto favorito delas é a minha vida privada (ou a ausência dela). Minha tia questionou o motivo deu ter pedido demissão da boate e, embora não tenha acreditado na minha desculpa, aceitou sem retrucar.

- Você sabe que nunca gostei daquele velho. Fez bem em sair de lá. - Dona Clarissa me confortava do jeitinho delicado dela. - Venha pra casa, sabe que aqui eu e o Gui cuidaremos bem de você.

A mesma oferta de sempre. O sim fica coçando a garganta, mas nego com educação. A tia tenta barganhar com os bolos deliciosos dela, uma chantagem que quase me vence. Explico que não posso ir até o outro lado do país e deixar a mamãe aqui. O hospital disse que viagens longas não são uma boa para quem está em coma.

Venço a discussão, mesmo me sentindo derrotada. Tudo que eu queria era um abraço e um bolinho da tia. Ou as brincadeiras bobas do Gui, meu primo favorito em todo o mundo. Não temos relação sanguínea, a tia foi uma amiga de faculdade da minha mãe. Criou sozinha o filho e se ergueu com muito trabalho. Os dois são o mais próximo que tenho de uma família.

- Tia, estou com muitas saudades, a senhora sabe. Mas ainda não posso sair daqui. - Afirmo até que ela finja aceitar. Sei que amanhã ligará novamente para me convencer. - Não quero dinheiro também, tudo que preciso é de um trabalho novo.

- Tudo bem, filha. Se alguma de minhas conhecidas aí souber de oferta de trabalho, aviso você. Ainda aceita ser babá?

- Claro, tia. Adoro crianças, a senhora sabe.

Conversamos por mais algum tempo. Meu coração aperta cada vez que ela me chama de filha. Afirmo que estou bem (de novo), antes de dona Clarissa aceitar desligar. Quase que exige chamada de vídeo, mas mudo de assunto. Não aguentaria vê-la sem desabar em lágrimas e agora tudo que eu não posso é chorar. Guardo o telefone e coloco um sorriso largo no rosto. Seu Vicente está a alguns metros à frente.

Leite Proibido [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora