Capítulo 6 - Verdades

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Não consegui falar. Olhei de um professor para o outro, ambos com as calças abertas e camisas amarrotadas. Abri e fechei a boca umas duas vezes, mas nenhuma palavra saía. Como essa situação podia estar acontecendo? Eles achavam que eu era prostituta? Ok que essa roupa é bem vadia, contudo é só o uniforme de garçonete daqui, não é?

— Acho melhor vestir isso. – Lucca estendia um paletó cinza em minha direção.

Miguel já havia se afastado de mim e sentava na ponta da mesa, terminando de ajeitar a roupa. Agradeci a gentileza e cobri a saia ridiculamente curta. O paletó ficou gigante em mim, mesmo assim me senti grata por não precisar encarar eles com minhas curvas expostas. Os dois cochicharam algo antes de Lucca pegar o celular e se afastar.

— Você largou a faculdade para ganhar dinheiro aqui? – Miguel falou áspero.

— Não. – Respondi, irritada. Toda minha surpresa tinha ido embora ao ouvir seu tom, era como se ele me acusasse. 

— Então o que fez uma aluna nota dez vir trabalhar num lugar como este? – Cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha em minha direção.

— Um lugar como este? – Repeti. — Não sei o que está insinuando e nem lhe devo satisfações, uma vez que não é mais meu professor. Qual o problema em ser garçonete?

Miguel riu. As palavras de Pedro ecoaram novamente em minha cabeça: Prostitutas! Será que eu era realmente tão inocente? Senti a perna tremer ao imaginar isso. Esse tempo todo trabalhei num prostíbulo? Não podia ser verdade... Meus pensamentos foram interrompidos pela figura de Lucca. Ele apareceu em minha frente após encerrar uma ligação. 

— Miguel, pare de rir. – Advertiu o outro, antes de voltar a atenção para mim e me entregar umas pastas de couro. — Dê uma olhada nisso, Senhorita Reyes.

Assenti com a cabeça, pegando o material e indo em direção à mesa. Havia visto de longe aqueles catálogos, eram os diferentes cardápios de comida da boate, feitos especialmente para as salas privadas. Nunca tinha folheado um, como agora, meu trabalho sempre foi apenas de servir mesas, sem me preocupar em organizar os ambientes antes dos VIPs chegarem. Talvez, se eu tivesse tido a curiosidade de ver um dos menus ao invés de confiar cegamente em meu tio...

Senti uma vontade enorme de chorar ao abrir as pastas. Não se tratavam de descrições de pratos ou bebidas e sim de uma listagem pervertida dos funcionários. A cada página virada havia o nome, idade, preço e fetiche de uma garçonete diferente, além de fotos da pessoa nua em poses extremamente sensuais. A segunda moça era a Maria, uma jovem adorável que estava de licença há 3 dias.

- Gosta de ser amarrada e espancada. – Li em voz alta a informação em sua ficha, chamando a atenção dos homens ao meu redor.

— Cada uma dessas pessoas nas pastas tem algo a oferecer. – Comentou Miguel, como se fosse a coisa mais natural do mundo. - Uns são bons em boquete, outros em aguentar dor.

Ele apontou para a foto de Maria. Aguentar dor? Meu estômago embrulhou ao lembrar das marcas que um dia vi no corpo dela. Até questionei na época, porém a garota riu, dizendo que o namorado era muito apaixonado. Acreditei feito boba e esqueci a história até 3 dias atrás.

— Ela saiu de licença há uns dias, disse que escorregou.

— Quem? - Perguntou Lucca.

— A Maria. – Os dois olharam para a foto que eu mostrava. — Uma noite ela veio trabalhar e no outro estava no hospital. Como eu não percebi? Uma pessoa não cai e quebra facilmente quatro costelas.

— Ela quebrou a costela? – Miguel pareceu sincero, mudando sua pose de machão para preocupado.

— Sim. – Olhei para baixo, envergonhada por não ter descoberto antes.

— Provavelmente ela não caiu, alguém fez isso. – Lucca afirmou, colocando uma mão em meu ombro para me confortar.

— Mas quem? Quem seria tão cruel? – Deixei uma lágrima escorrer.

— Algumas pessoas podem ser bem violentas na hora do sexo. – Miguel sussurrou, mas pude captar sua insinuação.

Peguei novamente as pastas e folheei, procurando se havia algum perfil sobre mim. Os documentos eram divididos entre os gêneros dos funcionários e, embora ver todos aqueles rostos familiares sendo vendidos como mercadoria revirasse meu estômago, continuei virando as folhas até o fim. Miguel pareceu notar meu desespero, pois segurou minha mão, fechando o arquivo que eu olhava.

— Seu nome não está aí. – Comunicou ele.

— Então como sabia sobre mim? – Questionei, caminhando mais para perto da porta. — Vocês pareciam estar me esperando.

— Seu tio, Santos. – Minha boca escancarou com a declaração de Miguel.

— Você não está no menu pois é o que ele chama de Especial. – Lucca fez sinal de aspas com as mãos ao pronunciar a última palavra.

— Isso quer dizer...

— Que você é uma mercadoria. Só não está na pasta por ser sobrinha do dono. Ele reservou você para convidados importantes, como nós. – Completou o outro, ainda sentado na mesa.

— A verdadeira questão aqui é a sua surpresa. – Lucca estava com uma mão na cabeça, pensativo. Miguel se aproximou, ficando de pé ao seu lado. Quatro olhos me fitavam, curiosos. — Normalmente os novos funcionários sabem de tudo que ocorre aqui. Todavia, a Senhoria Reyes parece genuinamente espantada.

Meu coração estava batendo como louco. Como fui me meter em uma roubada tão grande assim? Ficar perto desses dois, agora que sei o que realmente ocorre nessa boate, era um perigo gigantesco. Não sabia até que ponto a paciência de meus professores iria permanecer enquanto eu processava tudo que descobri. Quanto eles pagaram por mim? Meu tio realmente havia me vendido? A porta abriu antes que eu tivesse chance de pensar em mais nada.

Leite Proibido [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora