Quase morremos e não foi um monstro

129 21 2
                                    

Gabriel La Rue

Foi difícil me manter controlado. Fingir que nada era uma novidade e que eu não estava surpreso. Fingir que eu não tinha descoberto naquele momento que a nanica é filha de Pã. Eu nem sabia que Pã conseguia ter filhos humanos... Quer dizer... Achava que Pã só tinha sátiros, ou algo assim.

Apesar de agora fazer sentido porque ela era tão diferente, só esse pedaço de informação ainda não explica tudo. Pã não era um deus extremamente poderoso. Pelo que eu me lembre das lições sobre deuses e monstros no acampamento, e o que já ouvi os sátiros conversando sobre, Pã era do mesmo círculo de Dionísio. Aqueles de tais anos de glória do deus do vinho, regado a vinho e festas e mais vinho.

Não faz total sentido uma semideusa, filha de um deus menor, ser tão ovacionada pelos olimpianos. Pelos deuses, Percy Jackson é filho de um dos Três Grandes e Dionísio ameaça transformar o garoto em golfinho de 15 em 15 minutos. Tem muitas peças faltando nesse quebra-cabeça. Um quebra-cabeça que eu vou conseguir montar, não importa o quê.

Apesar de todas as dúvidas rodando minha mente, tive que me concentrar no que estava fazendo quando uma sirene subitamente soou. Olhei ao redor, assustado com o alto barulho. Minha visão periférica pegou movimento e, ao me virar, vi vários guardas sacando armas e as apontando para mim. Perfeito.


Alice Klirónomos


Pergunte para mim quantas vezes eu repeti a mesma coisa para o La Rue. Pergunte. Eu vou responder que eu repeti 5, e não, eu não estou brincando. Desde que descemos do avião eu avisei 5 vezes que a porcaria da espada e as 500 facas e adagas de bronze celestial que ele carregava não iriam passar no detector de metais. Mas ele escutou? Claro que não. Ficou retrucando que era um tipo de metal mágico, então máquinas humanas não poderiam detectar.

Eu morava no Rio e sempre tive uma leve quedinha por furtos. Claro que eu já tentei entrar em banco... Eu tinha acabado de desintegrar um monstro e vi que o banco estava vazio. Ainda não tinha transformado minha espada de volta em cordão. Todos os alarmes do banco começaram a berrar... foi um caos.

— Alice! — Baliu Oliver, um dos sátiros que estavam com a gente.

— É tudo eu... — resmunguei, antes de dar passos apressados em direção ao Gabriel. Agarrei a gola de sua camisa e o puxei. — Corram! — Gritei para os sátiros, ao mesmo tempo que puxava meu cordão e um escudo se materializava em minha mão. Segurei ele de lado, protegendo nossas costas e corri. Senti o impacto dos tiros no escudo. Ai ai, os privilégios de ser um semideus... Poder ser morto por armas divinas e mortais. Quer coisa melhor?

—  Ai meus deuses, estão atirando — gritou Gabriel. Sério, Sherlock.

— Continue correndo — falei, procurando ao meu redor alguma saída. Tínhamos acabado de chegar no aeroporto de Amazonas. Sinceramente, foi surpreendente a primeira coisa ter dado errado só depois que aterrissamos. — Uma hora eles vão ter que parar de atirar. Tem muitos civis ao redor.

Os guardas que vinham atrás de nós gritavam para que parássemos. Eu podia ouvir mais passos se juntando à corrida. Reforços contra nós... Ótimo.

Fiz uma contagem rápida dos sátiros que corriam a nossa frente e fiquei aliviada ao perceber que os 4 continuavam intactos. Luan e Koen tinham tirados seus sapatos falsos e estavam correndo com mais facilidade.

— Pessoal! — Eu chamei, ofegante. Porcaria de asma. — Pulem da janela!

— Que?! — Gritou Luan, ao ver que a única janela mais próxima era a que dava direto para a pista de aviões. — Estamos no segundo andar! E vamos ser atropelados!

Acelerei o passo, apesar de ter um garoto e um escudo pendurados nos braços, e ainda estar tendo pontadas na lateral do corpo pela respiração errada. Eu tinha que dar o exemplo e pular primeiro, se não os sátiros nunca seguiriam.

Sem parar para pensar nas possíveis consequências da minha ideia genial, pulei, Gabriel ainda sendo puxado por mim pela gola da camisa.

— Pelos deuseeeeeeeees! — Ele gritou enquanto caíamos. Girei meu corpo de forma a deixar o escudo amortecer a maior parte do impacto. Meu ombro não gostou nem um pouco. — Você é louca — Ele resmungou. Segundos depois ouvimos um ruído e choveram sátiros. Sério, foi caindo sátiro atrás de sátiros da janela. Não tive tempo de apreciar o show que eles deram. Me levantei e corri de novo. Se atravessássemos essa pista, do outro lado, já era possível ver algumas árvores. Assim que estivéssemos metidos entre o verde, seria bem mais fácil.

— Corram para as árvores! — Gritei. La Rue agora corria ao meu lado, os sátiros barulhentos atrás de nós, balindo e reclamando.

Ao virar para trás rapidamente, vi que um carrinho parecido com um de golfe corria à distância. Por Zeus e tudo que é mais sagrado. Mais 40 metros até as árvores. Minhas pernas queimavam e meu pulmão parecia que queria pular para fora do meu corpo. Tinha certeza de que eu estava respirando como um mamute. Desde que eu não caísse... Gabriel nunca esqueceria isso. Com raiva percebi que ele já tinha até pegado o ritmo da corrido. Por Estige, o garoto estava sorrindo. Vou socá-lo, e não vai demorar.

10 metros... 5... 4... e ar fresco. Finalmente. Não perdi tempo algum e agarrei o galho mais próximo, me içando na árvore.

— Subam! — Eu falei, sem ar.

Assim que todos estavam relativamente seguros em cima de suas respectivas árvores, pude finalmente tentar voltar a respirar. E então eu comecei a rir. Toda a situação era extremamente cômica, ainda mais engraçada quando unida com a adrenalina correndo minhas veias. Não demorou muito e Gabriel logo se juntou a mim.

— A gente acabou de atravessar um aeroporto inteiro com 4 sátiros a tiracolo — Ele gargalhou. Eu ria sem parar também.

— Quase morremos e nem foi por monstros — Eu soltei, rindo horrores. Meu galho se balançava com o movimento dos meus ombros. — Simplesmente o melhor dia da minha vida.

Nossa crise durou alguns minutos, e assim que conseguimos nos controlar percebemos que fomos os únicos que achamos a situação engraçada. Se olhares matassem... Os sátiros nos encaravam com fúria absoluta.

— Você achou isso engraçado? — Baliu Oliver. — Nós pulamos da janela do segundo andar! Meus pobres cascos quase se partiram ao meio.

— Não seja dramático — falei, minha alegria inabalada — Você é metade bode montanhês. Foi anatomicamente feito para cair.

— Com licença?! — ele gritou — Eu sou anatomicamente feito para escalar!

— E o que acontece quando você escala? — Se meteu Gabriel.

— Você sobe — Oliver respondeu, parecendo confuso.

— Errado. — eu disse. — Você cai. — Dei um high five com La Rue por isso, e rimos juntos.

Oliver resmungou, irritado.

— Isso não faz sentido nenhum...

O Sol já se punha, e decidimos passar a noite exatamente os estávamos.

A filha de PãOnde histórias criam vida. Descubra agora