Onde vocês me conhecem

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Inspira pelo nariz. Expira pela boca. Cheira a florzinha. Sopra a velinha. Ins... Cansei dessa bosta de respiração! Que se dane a respiração! Pensei comigo mesma enquanto mancava rapidamente pelas ruas de Copacabana. Meu pé doía, e eu sabia que não conseguiria manter meu ritmo por mais muito tempo.

Espiei por cima do ombro e constatei que o policial ainda estava uns 8 metros atrás de mim, pelo o menos. Ele estava com o rádio perto da boca, e mesmo com toda a barulheira que era aquela cidade, eu conseguia escutar perfeitamente o que ele dizia.

— Eu preciso de reforços! Uma garota, no máximo uns 13 anos acabou de roubar um pão de queijo!

Em meio a minha corrida, suspirei. Sim. Eu estava sendo perseguida por roubar um pão de queijo. Um mísero pão de queijo que o padeiro, com certeza, não daria falta. Mas claaaro que bem na hora que eu meto a mão na área dos salgados um policial misteriosamente aparece. Eu estou falando sério! Ele surgiu do nada...

Em meio as minhas lembranças não consegui me desviar do pequeno pardalzinho que jazia no chão. Embora minha cabeça gritasse Corra enquanto ainda é tempo! Meu coração mole respondeu, completamente contrariado Vai mesmo correr de um pequeno pardalzinho que caiu do ninho?

Minha emoção falou mais alto, o que me fez frear bruscamente, acabando com o meu pé já machucado. Me abaixei alheia a dor e peguei rapidamente o passarinho. Quando fui virar a cabeça para checar novamente o policial, notei um cabo de vassoura jogado no chão. Agarrei ele e me firmei. Utilizando-o como um cajado, me levantei e continuei minha corrida, agora com um pequeno serzinho no bolso do casaco e um pedaço de pau velho me ajudando na minha fuga.

— Ela tem um porrete! Repito, ela tem um porrete! — A voz chata do policial chegou aos meus ouvidos. Um porrete? Sério mesmo? Minha paciência estava se esgotando.

Mesmo com o meu suposto "porrete", eu não podia continuar naquele ritmo. Tinha que parar para cuidar do meu pé urgentemente, caso não quisesse ir para o pronto socorro. Sem mais opções, apoiei o cabo de vassoura num buraco da calçada e peguei impulso, dando um giro, mantendo minhas pernas fora do chão.

O policial não teve tempo de desviar do meu chute de duas pernas matador, que o derrubou na hora.

Suspirei pesadamente, por ter que apagar outro homem da lei. Que bando de cara chato!

Agora, estando bem mais tranquila por não ter ninguém em meu encalço, continuo meu caminho com minha muleta improvisada.

Subir o morro foi, com certeza, uma das mais árduas tarefas de meu dia. Mas isso, obviamente, não se comparou a ter que escalar a parede toda esburacada do predinho que eu "morava".

Morava entre aspas, porque eu o alugava, sem o dono do prédio saber que tinha algum inquilino.

Bem em cima de onde moravam duas mulheres e um homem estava eu, Alice Klironómos, dormindo em um colchão velho num terraço coberto de uma das comunidades da cidade maravilhosa.

Os moradores do tal predinho, nunca subiram ali, e enquanto isso permanecesse, eu ainda tinha um lugar para morar.

Sobre o meu pé... Eu era uma ginasta. Cresci me pendurando em paralelas assimétricas e me equilibrando em traves. Tudo estava ótimo para minha vida de atleta, até que em uma competição vários acontecimentos levaram a minha queda. Quebrei o pé bem ali. Na frente de todos, amigos e inimigos, e devido às circuntâncias da situação, não pude ser levada para o pronto socorro.

Um amigo que tinha um dom para medicina arrumou meu pé como pode, porém a falta de gesso ainda traz seus efeitos.

Fora que eu torci o pé semana passada tentando catar uma manga. Acontece, né.

Tirei o bichinho do bolso e acariciei levemente sua cabecinha. Ele como eu suspeitava, era um filhote que tinha provavelmente caído do ninho. Como a mãe daquela espécie não era muito maior que ele, não conseguiria levá-lo de volta para o ninho, e devido ao fluxo constante de pessoas, seria muito perigoso para ela descer para o alimentar.

Sem ter o que lhe dar para comer, apenas ofereci o calor de minhas mãos. Ele ficaria bem.
                            •          •         •
Antes mesmo de o Sol nascer, eu já estava de pé, pegando o meu 'cajado' e descendo o prédio. O impacto com o chão foi complicado, mas mesmo assim, não me deixei abalar.

Desci o morro e me dirigi até a praia, mais especificamente a uma casinha que ficava ao lado de um barzinho.

O caminho era longo e meu pé reclamava a cada passo. Quando finalmente cheguei ao meu destino, eu queria me contorcer de dor.

— Matheeeeeeeeeus! — Berrei enquanto batia insistentemente na porta de madeira.

—Matheeeeeeuuuuuuuuuuuus! — Gritei novamente após não obter resultado.

Um garoto alto, moreno e com o cabelo todo cacheado abriu a porta, claramente contrariado.

— Tinha que ser você. — Disse me encarando com um semblante nada feliz. — O que você roubou agora e o que arrumou com o seu pé de novo?! — Entrei sem ser convidada, mancando horrores.

— Foi um pão de queijo. Um mísero pão de queijo. E anteontem eu estava tentando pegar uma manga para dar para um passarinho. Inclusive, olha o que eu achei ontem! — Exclamei, levantando um filhote bem aconchegado.

— Mais um? — Perguntou, nem um pouco surpreso.

— Siim! Ele caiu do ninho. Ainda tem o alpiste que eu trouxe? — Perguntei, adentrando sua cozinha.

— O alpiste que você roubou e trouxe, você quiser dizer. — Resmungou.

— É, tanto faz, a mesma coisa! — Retruquei.

Alimentei o pequenino e me joguei em seu sofá.

— Acha que dá para consertar de novo? — Perguntei fitando o meu pé.

— Deve dar. — Me respondeu —Você é indestrutível de qualquer jeito. — Disse, já passando uma pomada que queimava por toda a área e enfaixando. Logo depois me estendeu um bloquinho de comida divina.
— Onde você consegue ambrosia? — Perguntei
— Um amigo de fora frequenta um lugar que cuida de semideuses. Ele traz para mim quando pode.
         — Quem? Eu conheço?
— Não. E ele só fala inglês, você não entenderia. — Me respondeu, super esnobe.
— Mas o nome dele? — Insisti por simples curiosidade.
— Travis Stoll.

A filha de PãOnde histórias criam vida. Descubra agora