A cria de Ares

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Para ser bem sincera, eu sei que eu exagero. Matheus consertou meu pé ontem, e cá estou eu. Correndo pelo calçadão de Copacabana.

Em minha defesa eu estou há muito tempo sem me exercitar, e considerando que eu era uma atleta, não podia deixar meu corpo se esquecer dos meus antigos dias de ginasta.

Uso toda a minha força de vontade para continuar correndo, sem me atentar aos cantos das aves, voando para lá e para cá, como se me chamassem. Acho que Matheus me mataria se eu aparecesse com mais um animal na casa dele.

Apesar de querer a companhia deles, preso ainda mais para o seu bem, segurança e conforto, coisas que eles não teriam comigo. Quando não é um policial correndo atrás de mim, é um monstro. E vou te falar! É cada monstro estranho que aparece... Eu sei que, por ser filha de quem sou, atraio atenção, mas uns monstros extremamente incomuns me encontram, como para que me lembrar que eles não esqueceram do legado que meu pai deixou.

Ainda mantendo o ritmo, começo a sentir a costumeira pontada na lateral da barriga, acompanhada da falta de ar. Foram pelo menos uns 3 quilômetros de corrida antes do meu pulmão inútil se dar conta que tem que me atrapalhar.

Diminuindo a corrida para uma caminhada, me concentro em inspirar pelo nariz e expirar pela boca, numa tentativa de normalizar minha respiração. Quando estou quase chegando a rua que me permite subir o morro, escuto um grito.

— Ahhhhhhhhhh! Mariana! Sai daí, rápido! — Uma voz infantil e masculina ecoa.

— Eduardo! Como é que eu vou sair se tem uma ovelha de 5 metros querendo me comer?! — Berrou de volta, com uma respiração ofegante.

Me virei em direção aos gritos e corri, não demorando a encontrar duas crianças sendo perseguidas por 3 ovelhas sanguinárias.

Por que diabos tem uma ovelha carnívora no Brasil?! Ela deveria estar com Polifemo!

Indignada com o quão longe essas criaturas chegaram, puxei meu cordão do meu pescoço. Admirei com satisfação o Chakram perfeitamente balanceado na minha mão. Dourado e prata com algumas esmeraldas no meio.... Como eu amo meu pai.

Sem mais delongas, atirei a arma em um arco perfeito que atingiu de primeira do pescoço da primeira criatura. Corri em direção a nuvem de pó que deu lugar a uma das ovelhas, me esquivando com folga da boca cheia de dentes que tentou me morder.

— Hoje não, otária! — Falei, atirando mais uma vez a arma, acabando com mais uma ovelha. Puxei as duas crianças para trás de mim, e quando finalmente ia dar um fim a última criatura com o tamanho de um hipopótamo, ela simplesmente se desintegrou, sem eu nem mesmo encostar. Fiquei perplexa no começo, mas depois exclamei:

— Eu sabia que eu podia matar monstros com a força do pensamento! — Infelizmente para mim, eu não podia. Só fui contatar isso quando a nuvem de pó finalmente assentou, me permitindo observar o garoto com uma espada na mão. Ele me encarava com uma curiosidade feroz. Eu que não ia ficar aqui para ver quem era o maluco da camisa laranja.
Transformei minha arma de volta em colar, ainda fazendo contato visual. Agarrei a mão das crianças e, inesperadamente, virei o corri.

— Garota, por que a gente está correndo? — Me perguntou o menino, enquanto lutava para me acompanhar.

— Não te interessa, cala a boca e corre! — Respondi, ofegante.

Eu não podia ir para a minha casa. Eu sabia que estava sendo seguida e não ia entregar o meu lugar de bandeja assim.

Virei em uma esquina que eu sabia que era mais estreita e que levava a um caminho sinuoso. Não sabia se meu perseguidor conhecia a cidade, mas mesmo se conhecesse, eu conhecia melhor.

Nos meti em um outro beco, por fim, empurrei os dois para um monte de sacos de lixo.

— Eiii! — Gritaram os dois juntos.

— Fiquem quietos. Tem uma pessoa nos perseguindo, querem morrer? — Ambos negaram e finalmente, se calaram.

Respirando fundo e ignorando o (adivinha!) tornozelo dolorido caminhei até a entrada do beco, sendo surpreendida pelo tal cara, que pulou em cima de mim sem mais nem menos.

- You run very fast, little thing. — Resmungou enquanto segurava meus punhos contra o chão. Impressão minha, ou ele falou em inglês?

Concentre-se Alice! Você tá no meio de uma briga! Meu cérebro ordenou. Défice de atenção, sabe como é...

Sem mais delongas, joguei minhas pernas por cima de seu ombro e empurrei. Conseguindo afrouxar seu aperto em meus braços.

Ele me soltou. Essa foi fácil demais, pensei, um pouco antes da hora, se a pedra na mão dele podia servir de indicativo. Apaguei com a pancada forte que ele me deu na cabeça. Parece que eu contei vantagem cedo demais.

•          •         •         •           •

Eu estava me sentindo estranha. Eu estava sentando em algo quente que respirava.

Pisquei com força tentando adaptar meus olhos e minha cabeça dolorida à luz. Tentei levar minhas mãos ao meu rosto para o esfregar, mas constatei que estavam amarradas.

Ainda sonolenta, inclinei a cabeça para o lado e tive um pequeno vislumbre de onde eu estava.

— Caralho?! Que porra é essa?! — Berrei enquanto me agarrava a coisa que estava a minha frente.

Precisei de apenas 2 segundos para perceber que a tal coisa, era na verdade uma pessoa. O garoto que me apunhalou.

— Quem é você e por que estamos voando? — Perguntei, minha voz mais alta que o vento.

— I can't understand you! — Me respondeu.

— Que?

— What? — retrucou

— Me responde, sua desgraça! Eu só não te mato por que senão eu vou cair! Quem é você?!

— Shut up! I've already said that i can't understand you! — Berrou de volta.

Que saco!

Apesar de querer muito sentar a porrada nele, (quem ele pensava que era para me apagar?) me segurei. Eu tinha que esperar até que nós estivéssemos finalmente em terra firme.
Se eu não me engano, eu estou em cima de um pégaso (UM PÉGASO!) e ele, como todos os animais, tem que descansar por um tempo, ainda mais carregando duas pessoas.
O jeito era esperar...
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n/a-1 ➡️ Você corre bem rápido, coisinha.
n/a-2 ➡️Eu não te entendo!
n/a-3➡️ O que?
n/a-4➡️ Cala a boca! Eu já disse que eu não te entendo!
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Sobre a mitologia:

- As ovelhas carnívoras são monstros do tamanho te hipopótamos, fazem companhia ao ciclope Polifemo em sua ilha. São carnívoras.

A filha de PãOnde histórias criam vida. Descubra agora