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Eve


Se passou mais um dia até que eu estivesse liberada para a avaliação psicológica. Na verdade, foi mais como uma entrevista do que qualquer outra coisa que eu poderia ter imaginado. Joceline, a psiquiátrica designada para o meu caso, era simpática e tinha o poder de manter o ambiente confortável e despretensioso, mas possuía uma perspicácia em encontrar pontos frágeis entre as respostas propositalmente evasivas que eu fornecia, assim como captou minhas alterações de humor quando forçada a ser direta em um questionamento. Por quase duas horas, ela me observou e instigou de maneira deliberada, porém, ao contrário do que poderia prever, não me senti emocionalmente esgotada ou disposta a destruir tudo ao redor.

─ Você foi muito bem, Evangeline. ─ ela parabenizou ao final da sessão enquanto fechava a minha ficha. ─ Pelas entrevistas com seus familiares, esperava um pouco mais de resistência, mas fico feliz que esteja disposta a se reabilitar.

─ Eu só quero que essa bagunça acabe. ─ confessei com sinceridade. ─ Faço qualquer coisa para isso sumir.

─ O caminho será longo e quase sempre, doloroso, mas, acredito que chegaremos lá, querida. ─ ela prometeu, confiante.

─ Se a especialista está dizendo... ─ rebati desejando ter metade do seu otimismo, pois, mesmo que eu estivesse disposta a lutar por uma saúde mental mais equilibrada, sentia no fundo da alma que aquele tormento jamais acabaria.

─ Um passo de cada vez, Evangeline. ─ ela orientou sabiamente e a mim só restou aceitar.

─ O que eu tenho, doutora? ─ questionei pondo fim a antecipação que fazia a minha pele vibrar em expectativa.

Joceline me analisou de forma serena por alguns segundos antes de se levantar e sair do quarto apenas para voltar acompanhada de Esmery, Otavian e Adam.

─ Eu pedi que a sua família estivesse presente nesse momento porque eles serão parte fundamental no processo de reabilitação e devem aprender ao máximo sobre seu transtorno e como se comportar frente as situações que virão pelo caminho.

─ Transtorno? ─ Esmery questionou confusa. ─ Sobre o que estamos falando, doutora?

Olhei para Esmery e logo em seguida para Adam que parecia tão arrasado quanto a tristeza em seu olhar evidenciava.

─ Evangeline possui transtorno de personalidade limítrofe que é mais conhecido como síndrome de bordeline.

Todos os presentes, exceto Joceline, se mantiveram em um silêncio chocado e ao mesmo tempo, confuso.

─ Esse transtorno é caracterizado, na maioria das vezes, por um padrão de instabilidade contínua no humor, no comportamento e autoimagem, trazendo sensações de inutilidade, insegurança, impulsividade que prejudicam não somente o portador da síndrome, como suas relações sociais.

Ela havia me descrito por inteira somente naquela definição.

─ Eu havia levantado as suspeitas ainda durante as entrevistas com seus familiares. ─ Joceline agora falava diretamente para mim. ─ Avaliei seu histórico hospitalar à procura de indícios físicos que apontassem automutilação, o que é um hábito comum aos portadores desse transtorno e vi os relatos das marcas no interior das coxas na anamnese da equipe de enfermagem. Foram elas que apontaram a situação ao médico e, assomado à sua overdose, iniciamos o levantamento das suspeitas.

─ Que, que marcas são essas, filha? ─ Esmery questionou com a voz tão frágil quanto sua postura arrasada.

─ Começou há alguns anos. ─ confessei sentindo-me envergonhada. ─ Eu estava no internato e não sabia como controlar a raiva e a ansiedade em algumas situações, então uma das meninas falou que sempre se sentia melhor depois que se cortava e me ensinou os pontos mais discretos para que ninguém descobrisse.

PANDORA ||Livro 2||Onde histórias criam vida. Descubra agora