Capítulo 9 - O namorado

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- Não sou louco! Eu gosto de escutar filmes.

Ele riu.

- Escutar filmes?

- Sim.

- Como faz isso? As vezes há várias cenas sem falas.

- É exatamente por isso. Eu gosto de imaginar essas cenas.

- Que garoto peculiar...

Eu balancei a cabeça com uma careta e depois arrumei meus óculos.

Demos a volta no parque conversando e trocando algumas ideias. Kim era inteligente, bem humorado. Me fazia rir muitas vezes e me descrevia cenas que para ele eram cenas bonitas.

- Vamos atravessar a ponte, daí podemos nos sentar. Quer sorvete?

- Do que você desejar. Venha.

Mudamos o rumo da caminhada e senti a grama sob meus pés. Paramos alguns passos depois.

- Boa tarde! - ouvi um homem exclamar animado - Vão querer o que?

- Um sorvete de limão e outro de... - Kim parou, esperando que eu completasse a frase.

- Chocolate, por favor.

A mão dele soltou meu braço e eu levei minha mão ao bolso, para pegar dinheiro.

- Porchay.

- Hmm...?

- Eu vou pagar.

- Não, Kim, não precisa.

- Que isso moço? Não vai deixar que lhe façam uma gentileza? - o homem do sorvete disse. Seu tom de voz era tão alegre que me fez sorrir.

- Obrigado - Kim agradeceu.

- Olha, isso é para a moço envergonhado - senti que um fio era colocado em minha mão, gentilmente, por outra mão um pouco áspera.

- Segure Porchay.

- O que é? - perguntei curiosa.

- Um balão.

Segurei o fio e corei.

- Obrigado - agradeci.

- De nada, moço.

- Vamos - Kim segurou novamente meu braço, me entregando o sorvete.

- Foi muita gentileza dele. - comentei sorrindo - Qual é o desenho do balão?

- Um coração vermelho com uma fita branca.

- Oh! - exclamei ficando vermelho - Você acha que... Talvez ele tenha achado que você e eu...

Kim riu baixo.

- Não se preocupe. - falou em um tom de voz divertido - Ele sabe quem é meu namorado.

Eu não diria que fiquei chocada, mas eu senti que minha mente parou por instantes após aquela frase. Kim tinha uma namoradO... Outra... Garoto.

Respirei fundo.

De repente me senti desconfortável andando com ele ao meu lado, segurando em meu braço. Não havia um porque naquilo tudo. Eu não sabia nem porque eu estava ali, com uma garoto que eu mal conhecia e que eu não podia ver.

- Chay?

Virei meu rosto em direção a sua voz. Algo me incomodava. Não exteriormente, mas interiormente. Algo estranho e dolorido.

- O que foi? - perguntei um tanto agressivo.

- Sou eu quem devia perguntar isso - Kim rebateu.

Eu apenas dei de ombros e engoli em seco.

- Vamos nos sentar - Ele decidiu segurando mais firme em meu braço e me levando para algum lugar.

Senti que ficou mais fresco onde estávamos. Talvez estivéssemos embaixo de arvores, pois o clarão que havia antes diminuiu consideravelmente.

- Você não liga de sentar-se no chão?

- Não - respondi.

As mãos de Kim passaram a segurar uma de minhas mãos.

- Estamos em baixo de uma arvore bem grande. Há várias outras ao redor - ele descreveu, me fazendo sentar-se para, logo depois, se sentar ao meu lado - Há algumas pessoas sentadas embaixo de algumas arvores. Consegue ouvir as conversas?

- Sim - respondi simplesmente.

- Porque resolveu se fechar novamente? - Kim perguntou calmamente.

Eu mordi meu picolé, tentando atrasar a resposta. Eu não tinha mais vontade de ser grosso com Kim ou trata-lo mal. Eu não tinha mais motivos para ficar na defensiva para com cada palavra que ele me dirigia, mas eu sentia necessidade de mostrar para ele que ele não era assim, tão...

- Eu não estou me fechando novamente - respondi cautelosamente, cortando meus pensamentos.

- Suas mudanças de humores tão repentinas são espetaculares - Ele ria.

- Você pode, por favor, tirar esse balão que foi amarrado em minha mão? - pedi estendendo o braço em sua direção, mudando o assunto.

- O que vai fazer com ele? - Kim segurou meu pulso delicadamente. Suas mãos eram macias e cuidadosas, me fazendo sentir alguns arrepios.

- E porque você acha que eu devia dá-lo a meu namorado?

- Por que... Era para você estar com ele hoje. Qual o nome dele?

- Ele vai ficar feliz em saber que você pensou nela - eu tentei sorrir - Não acha?

Kim ficou em silencio. Não me respondeu, simplesmente, ficou quieto.

Eu não sabia dizer o que ele pensava e isso me irritava bastante. Senti vontade de saber como ele era, como seus olhos brilhavam quando ria ou como sua boca se comprimia quando estava contrariado.

Ficamos em silencio juntos e por muito tempo. Eu ouvia o som do vento balançando as folhas sobre minha cabeça, ouvia a respiração de Kim ao meu lado. O ar cheirava a grama e terra e era gostoso ficar assim, sem fazer nada, sem ter preocupações e sem ter no que pensar.

O dia logo terminaria, pensei com um suspiro. Talvez Kim estivesse esperando que eu não aceitasse mais sair com ele e nem eu sabia se, realmente, queria voltar a sair com ele. O dia tinha sido agradável, eu não podia negar, mas havia o namorado dele. Que tipo de garoto deixa o namorado de lado para passar a tarde com um cego?

- Você devia ver o sol agora - ele murmurou com a voz agradavelmente doce e grave.

Eu tenho vontade de ver o sol há um ano.

- Ele está se pondo? - perguntei no mesmo tom de voz que a dele.

- Um tom rosa tinge o céu. A típica cor de fim de tarde. O sol continua brilhando muito forte enquanto escorrega devagar no horizonte. Ele parece enorme... Muitas pessoas estão paradas, vendo-o se pôr. A luz faz as sombras alongarem e metade do rosto das pessoas ficarem iluminados.

Eu fechei os olhos, segurando a vontade que senti de chorar.

- É lindo... - murmurei engolindo o nó na garganta, vendo a cena se passar em minha mente.

- Alguns pássaros cortam o céu, parecendo querer voar em direção ao sol. Eles sabem que está anoitecendo.

- É um espetáculo! - ouvi alguém exclamar a nossa frente.

Kim riu e depois concordou:

- Realmente, é um espetáculo. Queria que você pudesse ver.

- Eu vejo - respondi com um sorriso - Você é meus olhos não é?

Ele ficou quieto um instante, então, eu senti sua mão acariciando meus cabelos.

Parecia carinho de irmão. Isso me deixou angustiado.

Be My Eyes - KimChayOnde histórias criam vida. Descubra agora