Fiquei sentado no sofá por vários minutos ouvindo minha própria respiração, pensando em todas as pessoas com quem eu havia conversado aquela tarde. Pensando em Tops e em Kim juntos. Pensando em Pete e a forma doce com que ele me tratou... Pensando em como todos me aceitaram sem questionamentos ou observações constrangedoras. Sorri.
Fazia tempo que eu não me socializava tanto, mas ao mesmo tempo... Ao mesmo tempo eu preferia que essa tarde não houvesse acontecido. Eu nunca me senti tão distante de Kim como havia me sentido enquanto estava ao lado de Pete ou enquanto estava com meu irmão. Todos os momentos que ele se dirigia a mim, sua voz era fria e distante, como se não fossemos nem amigos...
Mas eu não devia me importar com isso. Não devia... Era isso o que minha cabeça dizia...
A campainha tocou nesse momento e eu virei a cabeça em direção a porta. A campainha tocou de novo e eu me levantei indo até o hall.
- Quem é? – perguntei com a mão no trinco.
- Abra a porta, Porchay – A voz de Kim soou irritada e baixa. Parei um instante, pensando no que ele fazia ali – Abra a porta!
- O que você quer? – perguntei abrindo a porta e sentindo-o passar rapidamente por mim.
- Você é, definitivamente, uma criança! – ele exclamou irritado.
Fechei a porta, com cuidado e desci os degraus do hall, lentamente, sem responder ao insulto que ele me atirou.
- O que você quer? – perguntei novamente, com a voz fria.
- Porque você saiu da minha casa sem se despedir dos outros?
- Você deve estar de brincadeira comigo! – Eu ri baixo e levantei a cabeça.
- Se você pudesse ver minha expressão agora, saberia que não estou brincando.
- Você deveria estar com seus amigos e seu namorado agora – retruquei calmamente.
- Eu não sei por que insisto, Chay... Sinceramente eu não sei.
- Então desista.
A respiração de Kim estava rápida e alta.
- Vá embora – pedi educadamente.
- Parabéns... – ele falou baixo – Não sabia que além de cego você era um boa ator.
Eu engoli em seco, sentindo meus olhos arderem por baixo dos óculos. Dei um passo para trás, sem responder. Eu sentia que havia levado um tapa na cara, mas eu não sei se isso iria doer mais do que o que eu acabei de ouvir. O ar ficou tenso.
- Você é falso – Kim continuou – Pena que eu não enxerguei isso antes.
Eu ri nervosamente, engolindo o choro.
- Você foi avisado – murmurei – Eu disse que você não me conhecia. Eu disse que você não tinha o direito de tentar mudar meu mundo. Você não pode fazer milagres, Kim. Eu sou assim... Cego... e um ótimo ator, como você citou. Agora eu acho que... Você devia voltar para seus amigos e seu namorado. Volte para seu mundo e deixe o meu em paz. Você já fez o bastante.
Senti uma lagrima escorrer pelo meu rosto e o virei em outra direção, secando-a rapidamente.
- Vá embora – pedi andando em direção ao meu quarto, mas logo senti meu braço sendo puxado com força – ME SOLTA! – gritei empurrando-o e dando um passo para trás, mas a mesa de centro estava logo atrás de mim o que me fez cair de costas sobre ela. Meus óculos caíram dos meus olhos que soltavam lagrimas ininterruptamente. Soltei um soluço.
- Porchay! – Kim se abaixou e segurou em meu braço para me ajudar a levantar – Você está bem?
Pousei as mãos nos olhos molhados, escondendo o rosto e respirei fundo – Você está acabando comigo, Kim – murmurei secando as lágrimas. A respiração estava entrecortada.
- Não foi minha intenção – Kim sentou-se ao meu lado e passou a mão pelos meus ombros.
- Vá embora... – pedi pela quarta vez – Vá embora e me esqueça. Eu... Não posso ser seu amigo. Não é isso o que eu quero... Eu não aguentaria...
- Porchay, eu... Me desculpe, eu...
- VÁ EMBORA! – gritei entre lágrimas e soluços.
Demorou um pouco, mas eu senti sua mão sair levemente de cima do meu ombro e ouvi seus passos em direção a porta. Ele hesitou um instante, antes de subir as escadas do hall e abrir a porta, mas ele foi aberta e foi fechada logo depois.
Meu coração doía, estava apertado, oprimido.
Eu nunca havia chorado tanto como chorei naquele momento e eu também nunca havia sentido uma dor tão forte e intensa. Mas um dia ela passaria... Era sempre assim... Foi assim com Macau e seria assim com Kim...
***
Quando abri os olhos na segunda-feira pela manhã, pensei que ainda estivesse sonhando. Minha visão estava embaçada ao extremo, mas eu via as cores difusas do meu quarto, a cor azul da parede e o guarda-roupa vermelho...
Fechei os olhos novamente, sem acreditar e pressionei-os, balançando a cabeça. Isso era impossível. Eu era cego, o médico disse que eu não tinha possibilidades de voltar a enxergar.
Os abri de novo, esperando ver meu quarto nitidamente, mas não havia mais nada.
Tudo estava escuro novamente.
Umedeci os lábios, nervoso e confuso. Não havia sido uma alucinação, eu, realmente, havia visto os contornos dos móveis do meu quarto, mas como?
- PORSCHE! – gritei chamando-o – PORSCHE!!
Meus olhos começaram a arderem, como se estivessem expostos a luz e logo lacrimejavam. A porta do meu quarto se abriu com violência e os passos se aproximaram correndo da cama.
- O que foi? – elS perguntou preocupada ao me ver de olhos fechados e bochechas molhadas – Chay, fale!
- Está ardendo... – murmurei sem conseguir abrir os olhos – Eu... Eu vi cores quando acordei.
- O que? Ai meu Deus! – Meu irmão se levantou, depois sentou-se novamente – Você tem certeza?
- Claro que sim! – exclamei irritado. Estava ardendo muito – Está doendo! É como se eu estivesse na primeira semana lá no hospital. Eu não consigo abri-los!
- Se você abri-los, você ainda consegue ver alguma coisa? – Porsche estava ansioso.
Balancei a cabeça negativamente.
- Foi só quando acordei.
- Certo... – Ele suspirou, sem saber o que fazer e depois estalou a língua – Vamos ao médico. Certo? Vamos ao médico... – A cama se mexeu e logo depois a porta do guarda-roupa foi aberta – Vamos, levante. Quando terminar de se arrumar, me avise. Vou ligar para o doutor.
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Be My Eyes - KimChay
Fanfiction[CONCLUÍDO] Há um ano, eu havia sofrido um sério acidente de carro. Meu amigo, que dirigia, havia morrido no caminho para o hospital de parada cardiorrespiratória. Foi difícil. No começo, tudo me irritava, principalmente a morte de Macau. Era difíci...