Capítulo 2 - Vizinho

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Foi difícil a adaptação. No começo, tudo me irritava, principalmente a morte de Macau. Era difícil conviver com isso. E eu não era o único que se recusava a acreditar.

Dentro de casa, eu esbarrava em todo e qualquer objeto, caía e de vez em quando, eu chorava.

O médico dizia que não conseguia fazer um diagnóstico correto do meu caso, por isso, supunha que meus nervos oculares haviam sido esmagados por algo durante a batida e possivelmente, eu nunca mais voltaria a enxergar.

No terceiro dia, quando eu ainda estava internada, eles tiraram a faixa que cobria meus olhos, meu irmão disse que havia apenas duas pequenas cicatrizes em meu rosto e as duas eram perto dos olhos. Disse também, que a cor dos meus olhos não havia mudado, continuavam marrons, mas não focavam nada.

A cegueira foi apenas parte dos machucados que tive. Eu havia quebrado um braço, uma costela e perfurado um pulmão. Fiquei, aproximadamente, um mês no hospital, o que não me deu chance de ir ao enterro de Macau, mas meu irmão foi e disse que o irmão de Macau, ele parecia inconformado e desesperado.

Nosso acidente apareceu em jornais e noticiários e pouco depois, os Iglesias pediram indenização à empresa que era encarregada do caminhão que nos tirou da estrada. Porsche dizia que era o bastante eu estar vivo e estar com ele.

Dois meses depois de ter saído do hospital, comecei a frequentar um instituto para cegos e lá, passei a aprender a viver nessa semi escuridão. Alguns tutores diziam que eu tinha sorte de poder distinguir vultos e também, distinguir um lugar escuro de um lugar claro, pois havia pessoas que perdiam totalmente a visão. Eu não sabia dizer se isso me confortava.

Aprendi a andar em minha própria casa, contando quantos passos eu deveria dar antes de chegar a qualquer móvel, porta, escada e ambiente. Aos poucos, fui me adaptando a minha cegueira, mas Porsche ainda não se conformava e de vez em quando, não conseguia disfarçar o choro.

- Porque você me chamou? - perguntei mudando o rumo da conversa.

Com um suspiro ele segurou minha mão e me levou a cozinha. Um cheiro bom e doce impregnava o ar. A TV estava ligada, em algum canal de música e o ventilador de teto girava velozmente sobre nossa cabeça.

- Fiz um bolo - anunciou ele animado.

- Ocasião especial? - perguntei me sentando na beira da mesa.

- Bem... Para falar a verdade, não. Eu estava querendo que eu fizesse um bolo para dar aos novos vizinhos.

- Novos vizinhos?

Não sabia que a casa ao lado havia sido vendida. Aliás, eu nem sabia que ela estava à venda. Franzi o cenho.

- Sim. A casa foi vendida em menos de uma semana, para uma família pequena. São apenas três rapazes e um deles que deve ter sua idade.

- Hm... - murmurei. - Se mudaram hoje?

- Não, bobo. Faz três dias.

- Mas eu não ouvi barulho de mudança ou coisa do tipo. - comentei. Meu irmão continuava a mexer com seu bolo.

- Você estava no instituto e eles compraram a casa já mobiliada. Bem mais pratico, não? - Senti ele se aproximar - Abra a boca.

- Para que? - perguntei erguendo as mãos para pegar em seus braços estendidos. - Bolo?

- Sim. - respondeu ele colocando um pedaço em minha boca.

- Está ótimo - Eu disse sorrindo.

- É bom que esteja mesmo.

Eu ri e fiquei ali, sentado, ouvindo meu irmão andando para lá e para cá, terminando seu bolo.

Sentado em uma das muitas cadeiras no jardim dos fundos, eu tentava ler um livro em braile, mas alguns barulhos que vinham da casa vizinha me desconcentravam e irritavam.

- Vamos Skoop.

Fechei o livro e estendi a mão para meu cachorro que se aproximou. Seu pelo era macio e levemente ondulado. Era um cachorro grande e bem treinado. Quando saiamos nas ruas, pessoas se aproximavam para dizer que ele era lindo e perguntavam se podiam passar a mão nele. Eu apenas sorria e ajeitava meus óculos escuros no rosto.

Levantei-me da cadeira e deixei o livro sobre a mesa do jardim. A grama sob meus pés estava gelada, contrastando com todo o calor que fazia. Era bom sentir o frio que percorria o corpo todas as vezes que eu dava um passo, acompanhada de Skoop.

- Moço - ouvi uma voz me chamar. Virei-me em direção a ela.

Pela direção em que a voz vinha, pude adivinhar que a pessoa estava do outro lado da cerca viva, que separava as duas casas. Skoop latiu para me avisar que tinha alguém.

- O que você quer? - Eu sabia que estava sendo grosso.

- Meu martelo caiu no seu jardim. Poderia pega-lo para mim?

Franzi o cenho. Ele não havia percebido...? Arrumei os óculos no rosto. Não tinha ideia de onde estava o martelo.

- Você pode pular a cerca - respondi secamente.

- O que custa pega-lo para mim?

Soltei um suspiro, irritado.

- Preciso saber onde ele está - Como ele não havia percebido?

Tropecei em algo duro e cai no chão, sentindo a grama fria contra o rosto. Meus óculos caíram em algum lugar longe de mim. Me senti praticamente nu sem ele.

Ouvi alguns passos virem até mim, correndo. Eu odiava cair em frente a estranhos.
Senti minha expressão se fechar.

- Você é... - ele não conseguiu terminar a frase e pigarreou. Skoop latiu novamente.

- Quieto Skoop - ordenei, tentando me livrar das mãos daquele ser.

- Desculpe, eu não...

- Não sabia que eu era cego? - perguntei procurando pelos óculos.

- Eu não havia percebido.

Be My Eyes - KimChayOnde histórias criam vida. Descubra agora