Capítulo 3 - Ok

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Eu não podia ver seu rosto, mas podia tentar imaginar que naquele momento ele devia ter uma expressão estática de surpresa.

Levantei-me apoiado em Skoop, desistindo de procurar meus óculos. Respirei fundo.

- Você não precisa ficar constrangido, eu sou apenas cego – disse eu, um pouco irritado com o silencio.

Essa reação era normal e sempre acontecia. Pessoas que não conheciam pessoas com a mesma deficiência que a minha, tinham um sério problema que as deixavam muda após tal descoberta. Era assim que o garoto a minha frente se encontrava: mudo. Talvez ele não soubesse que seu silencio não era apenas constrangedor para ele, mas para mim também.

- Você poderia, por favor, pegar meus óculos para mim? – pedi, umedecendo os lábios.

No instante seguinte, senti algo contra minhas mãos. Meus óculos.  Coloquei-os novamente, cobrindo os olhos e bati, levemente, duas vezes na cabeça de Skoop. Ele se levantou.

- Vamos para casa.

Voltei-me em direção a minha casa e senti o cachorro começar a andar.
- Espere um minuto, por favor.

Ouvi passos rápidos e parei. Ele estava a minha frente novamente e o deslocamento de ar, fez com que um cheiro almiscarado chegasse ao meu nariz.

- O que foi? – soltei num suspiro impaciente.

- Desculpe – o ouvi dizer, calmamente.

- Eu não quis dizer isso...

- Oh! Deixe para lá! – resmunguei irritado, voltando a caminhar para casa, mas parei – A propósito, o que fazia com um martelo?

- Eu estava pregando minha cesta de basquete. – ele respondeu, simplesmente - E a propósito, meu nome é Kim.

- Então Kim, se você não sabe usar um martelo, deve pedir para alguém que saiba faze-lo no seu lugar – respondi provocativo e me retirei.

- Porchay – meu irmão chamou da sala de estar. Ele estava se aproximando.

Já havia anoitecido e o barulho da noite, junto com o vento que entrava pela minha janela me fazia sentir-se sonolento.

- Sim? – respondi sem sair da cama.

- Vou ficar bem – respondi sorrindo.
- Ok. então. – Sua voz se afastou um pouco.

- Porsche! – chamei.

- O que foi?

- Boa sorte! – ele riu.

- Obrigado.

Com isso, escutei ele adentrar ao meu quarto.

Estendi os braços e comecei a passar as mãos pela roupa de meu pai.

- Está usando terno. Deve estar galante.

- Sim, estou – ele fez uma pausa – Não é sempre que você recebe uma oferta de emprego do vizinho - ele riu do próprio comentário.

Ri junto a ele.

Senti ele beijar minha testa.

- Fique bem – disse antes de sair.

Voltei a deitar-me na cama, ouvindo Porsche destrancar a porta, trancando-a novamente após sair. Balancei a cabeça e sorri, ligando o radio que ficava no criado mudo ao lado da cama e cansado, fechei os olhos. Aos poucos, ouvindo musica, cai no sono.

Naquela madrugada acordei assustado, com a testa suada e a respiração rápida e ofegante. Engoli em seco, lembrando-me do pesadelo que tive. As cenas do acidente, meu desespero, a morte de Macau.

Parecia que eu havia vivido tudo aquilo novamente. Voltei a me deitar, cansado, vendo que meu radio estava desligado. Fazia tanto tempo que eu não tinha pesadelos com meu acidente... Fazia tanto tempo que eu não... Respirei fundo diversas vezes, me controlando. Logo eu voltaria a dormir e tudo ficaria ok.

Be My Eyes - KimChayOnde histórias criam vida. Descubra agora