Tarde demais

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Ele lembra, não dos rostos de seus pais, mulher e filhos. Há, entretanto, o sorriso triste em um rosto muito jovem, então olhos carregados de uma angústia velada, para que no fim, transbordassem lágrimas por sua causa, pelo seu destino e o que o trouxe ali.


Foram séculos, antes que ele pudesse entender seu irmão, ou parte disso. Sua inveja corroeu como veneno, em seu sangue, em sua mente. Onde aquilo o levou? Isso o fez um monstro ou ele sempre o foi? Em realidade, mesmo enquanto Michikatsu, já havia algo distorcido em si. Ele não hesitou em deixar usa família, não hesitou em trair seus companheiros, primeiro por poder, depois por temor a morte, ou foi o que pensou.

Ele destroçou o corpo de seu irmão, mesmo na morte, fervendo em seu ódio, incapaz de o superar.

Superar. Sempre lhe pareceu assim, que este era seu tormento, sua necessidade mais inerente. Até que não foi, não ali, naquele breu, onde o rosto de seu irmão, a única lembrança que mesmo o tempo foi incapaz de esmaecer, pareceu o sol, a luz a qual ele jamais poderia voltar a sentir, ver, tocar.

Não, ele não desejava o superar, tudo que ele sempre quis foi poder ser como ele, como Yoriichi. Nada disso compensava seus pecados, ele nem o queira. Lamentar suas escolhas e pecados, se afogando em sua culpa, nunca foi para ele, o passado, por mais sombrio que fosse, era isso, um tempo findado ao qual ele não poderia fazer nada mais para mudar.

No breu, ele permaneceu, estagnado, onde suas memórias desabrochavam uma a uma, sangrentas e pingando, manchando o sol que foi o irmão, enquanto a flauta quebrada que repousava escondida em suas vestes parecia esfriar, mais e mais, ao ponto de queimar.

Foi irônico, ele que tanto quis deixar sua marca, partiu sem nada. Seu único descendente, ele tirou com sua própria lâmina. Sua respiração nunca transmitida, seu corpo desfeito em pó. Ninguém lamentou e com o tempo, mesmo seus inimigos, o esqueceria, como um pesadelo que desvanecia.

Assim, ele continuou lá, no escuro, banhado por carmim. Até que não foi.

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É estranho, momentâneo e desorientador. Tudo vem de uma vez, todos os sentidos dormentes o atingem como uma enchente. Ele vê, ele cheira, ele ouve e sente a terra sob seus pés, a brisa noturna, o peso da espada em sua mão, a ferida que cicatriza em seu pescoço, o cheiro do sangue, a viscosidade do mesmo em sua pele, em suas vestes.

Parece um sonho, ele dúvida que seja real, ele já esteve ali antes, muitas vezes, enquanto as lembranças vem e vão. Essa, ele odeia, há uma miríade de sentimentos que se sobrepõe. Raiva, tristeza, culpa, desamparo, traição.

Seu irmão está lá, parado, seus fios brancos ao luar, seu corpo ainda erguido, mesmo que sua respiração tenha findado, mesmo que ele já não esteja realmente lá, quão contraditório foi. As lágrimas ainda não secaram, seu corpo ainda é quente, mas é apenas isso, um corpo, um que ele irá despedaçar, furioso, até vê a flauta quebrada, guardada por todo aquele tempo, como algo valioso, um símbolo de uma promessa enterrada.

No início, ele sente mais raiva que lamenta. Então, aquela lembrança se repete, uma e outra vez, em algum momento, a tristeza o afunda, enche seus olhos de lágrimas muito antes de terminar. A culpa o atinge em seguida, seu irmão, tão tolo, perdeu tudo e ainda manteve um senso de honra e dever, ainda brilhante com suas crenças e coração. Seu irmão pensou nele mesmo no fim, por toda sua vida, o buscando, mesmo em sua velhice, incapaz de esquece-lo e agora, não há ninguém mais. Desamparado, ele é o único culpado, foram suas próprias escolhas, ele foi o único a afastar aquele que sempre acreditou nele. Ele se sente traído, tudo que ele quis foi poder lutar como um igual, poder o superar e não estar a sua sombra.

Antes e Depois (Hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora