Tanjiro

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Tanjiro está confuso.

Ele sente o cheiro do oni, ele cheira quase como aquele que matou sua família, ainda que seja um traço secundário. Quando ele viu aqueles três pares de olhos, ele pensou ser o fim, que naquele momento, mais uma vez, ele seria incapaz de proteger sua família, a última que lhe restava.

Ainda, ali estava ele, vivo. Nezuko também, adormecida, ilesa, um oni.

O demônio não era falador, sua frases eram curtas e diretas, sua paciência limitada, seu humor cortante. Ele não diminuiu seus passos, ele não lhe ofereceu conforto quando naquele primeiro dia Tanjiro abraçou a irmã silenciosa e chorou, pela primeira vez permitindo que um pouco de sua dor vazasse ou ele, realmente, iria sufocar. Ainda, o demônio não zombou, não demonstrou qualquer reação, seus muitos olhos em repouso sob o luar que desaparecia ao sol emergente.

Eles passaram o dia naquela caverna, Tanjiro encolhido junta a Nezuko em um buraco. O oni se mateve indiferente a eles, mas o jovem não era tão ingênuo, ele sabe que o outro está bastante ciente de cada movimento, a possibilidade de escapar é ilusória.

Tanjiro não adormece, ainda que Nezuko o faça. Ele não pode, quando fecha seus olhos tudo que há é sua família morta e sangue demais, no chão, nas paredes, enchendo seus pulmões, o fazendo engasgar, incapaz de respirar. Seus olhos são turvos de lágrimas, sua cabeça um eco dolorido. Ele está com medo, mas tenta ser forte. Ele não sabe nada daquele demônio, seu cheiro não lhe diz muito, se algo, o cheiro do assassino, leve, mas presente, é o gatilho que o prende desperto. Estar acordado não vai impedir que aquele demônio os machuque se ele desejar, mas é tudo que o menino pode fazer, assim, ele se agarra a futilidade, uma esperança mais que fugaz, desesperada.

Quando a noite cai mais uma vez, Tanjiro está todo dolorido, a dor em sua cabeça mais como uma martelada constante, enquanto a fome o deixa levemente tonto. Sua respiração engata quando o demônio se levanta, seus muitos olhos sobre eles, em uma exigência muda para que façam o mesmo. Tanjiro não quer, mas há pouco a ser feito. Resignado, ele apoia e incentiva sua irmã a despertar, preocupação queima seu peito, ela não parece presente, seus olhos desfocados e pálpebras pesadas.

—︎ Nezuko?—︎ Ele a chama, baixinho, olhos rosados deslizam para ele, ela não diz nada, mas o mero reconhecimento já tira um grande peso de seus ombros.

Uma sombra cai sobre eles, Tanjiro sente o frio correr por sua pele, ele sequer o sentiu se aproximar.

—︎ Sua irmã precisa comer.—︎ Aquela voz baixa e centrada, fria, ainda que indiferente, o faz mais tenso.

Ele já ouviu as histórias, ele apenas nunca viu uma razão para acreditar serem reais, assim, Tanjiro entende ao que aquela frase implica, isso faz seu estômago revirar, ele aperta a mão de sua irmã, tentando esconder o tremor que toma seu corpo.

—︎ Não.—︎ É sua reposta, ele sente medo, claro que sente, ainda, seus olhos encaram aqueles tantos pares.—︎ Nezuko nunca comerá um humano!

O olhar do demônio não se afasta, Tanjiro não housa recuar. Talvez seja egoísta de sua parte, talvez aquela não devesse ser uma escolha para ele fazer, contudo, ele pensa que se Nezuko fosse realmente consciente, ela também diria o mesmo, sua irmã que sempre se preocupou com todos, ela nunca machucaria alguém por algo assim.

—︎ Faça como quiser.—︎ É toda a reposta que o demônio oferece ao seu desafio.

Tanjiro está surpreso e aliviado quando o demônio se vira, não os forçando a escolhas impossíveis, a tensão o deixa e ele pode respirar novamente. Ele não esperou por isso, ele esperou lutar e perder, para ter mais terror empurrado para ele. Saber que alguma escolha ainda restava, o fez voltar a chorar, ele estava tão no limite, com tão pouco para lhe apoiar, que qualquer migalha pareceu um banquete dos mais luxuosos.

Antes e Depois (Hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora