Permita lembrar

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O menino o observa com fascinação, há um brilho em seu olhar, é estranho a reverência, ele estava acostumado com o medo, o temor, nada como aquilo. As formas de respiração do sol são familiares, mas parecem erradas, inadequadas quando ele as demonstra. Não há o fogo brilhante e ardente, é desconfortável, seu corpo parece desengonçado, nada da graça que vem de manejar sua própria técnica.

Em um outro tempo, ele se ressentiu de sua incapacidade de dominar aquela forma de respiração, agora, quando delibera, mesmo que fosse uma possibilidade, ele não o faria. Ele sempre esteve melhor sob o luar, o sol há muito deixou de ser uma constante em sua vida, se apegar a esses desejos o levaria pelo mesmo caminho de outrora. Com um último movimento, ele faz com que sua lâmina deslize de volta em seu bainha, seu olhar cai sobre o menino, este que tem seus grandes olhos vinho ainda sem piscar, admiração e êxtase está claro lá, o menino sempre é bastante emocional.

- Incrível!- Tanjiro exclama, animação em cada sílaba.- Essas formas lembram a dança que meu pai fazia, é nostálgico!

Essa era uma informação desconhecida, mas quando se pensa sobre isso, faria sentido que o menino tivesse uma fonte para que fosse possível ter à aprendido daquela outra vez. Tratar tal respiração como uma dança, entretanto, poderia levar a desvantagens, ao acrescentar movimentos mais artísticos que práticos, por outro lado, explica como a família Kamado pode sobreviver por tanto tempo antes do progenitor demoníaco os encontrar.

- Você as praticou antes?- Ele o questiona, para saber quanto o menino já podia fazer e o quanto isso iria fracionar o tempo para... ainda não.

- Comecei antes de meu pai morrer, para poder continuar como ele fez, mas não sou tão bom.- O menino diz, seus olhar baixando, parecendo constrangido em sua confição.

- Torne-se então.- É sua reposta ao senso de inaptidão. Ele sabe que o menino seria capaz, uma vez ele foi e não havia sua tutela somada, dessa vez, o menino seria muito mais.

Seu olhar pousa no céu de azul profundo, lhe restava mais algumas horas antes que o sol viesse, até lá, havia algo que ele precisava fazer. Sem uma despedida, Kokushibo se volta para o familiar caminho, deixando o menino com seus novos deveres.

- Eh...- O menino está resmungando, agitado em acrescentar antes que ele saia realmente.- Você não ficará? Quero dizer, para garantir que não haja falhas.

- Pratique o que lhe foi mostrado, você tem três dias.- É muito pouco tempo, mas há pouco mais que ele possa fazer, cada preparativo está feito, sua maior aposta se faria até lá.- Só então, irei o avaliar.- Pelo canto dos olhos ele vê o menino ficar tenso, ciente das promessas ocultas. Esse foi um voto de confiança, se o menino não o cumprisse, cada sessão que antecedeu essa, seria um sonho idílico comparado ao que lhe esperava.

Passar a mão sobre a cabeça do menino não o tornaria o caçador que deveria ser, para que o legado de seu irmão fosse forte o suficiente, ele não seria condescendente, mascarar falhas nada faria pela sobrevivência continuada. Em breve, algo mudaria, seria a maior ondulação até então, assim, o menino tinha que está pronto, rápido ou ele poderia ser engolido pelas águas obscurecidas dessa nova trajetória. Não é uma preocupação derivada de apego, nada tão humano, se algo, é apenas um desejo egoísta de manter o último traço do irmão, para ver aquele fogo e talvez, apenas talvez, poder ter suas lâminas cruzadas mais uma vez.

Dessa vez, ele não crê que seja por uma medida de força, apenas... S̶a̶u̶d̶a̶d̶e.

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Suas dedos correm pelo pequeno depósito, sentido a textura da madeira, é lisa e sem farpas, ainda nova, quando a abre, a flauta está lá, intacta, apesar do uso, apesar do tempo. Em frente a lápide sem nome, ele não quer tomá-la de volta, ainda, ele não acha que deva deixá-la ali, onde iria se degradar, pois logo, suas visitas não se fariam mais possíveis, não por um tempo.

Antes e Depois (Hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora