Reencontros

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— Encontramos!

Uma voz gritou de algum lugar que eu não via do ponto onde eu estava e Cai Balkit me olhou com um ar de triunfo que não pensei ver naqueles olhos tão práticos e zero emocionais. De todo modo eu, que até ali e por toda a manhã caminhava com eles por aquele labirinto que chamavam de manguezal, também me senti de certa forma aliviado por terem achado meu avião, não só porque agora os dias que me separavam da queda e daquela manhã pareciam muito mais tempo, mas também porque os fatos da minha queda estavam ficando um pouco irreais e isso se pavimentou enquanto vínhamos de barco até ali, na minha conversa com dois homens da equipe de resgate e recuperação de veículos acidentados – Sim, existia um equipe para isso em Enseada Rubra – que me garantiram que não havia nenhum morador na proximidades, que todo aquele terreno e as três praias que o circundavam era isolado e inóspito, ainda selvagem como quando toda Enseada Rubra nem existia.

— Mas a senhora ficou comigo por dois dias.

Eu disse ao homem que deu de ombros convicto se sua opinião.

— Mas não há ninguém, senhor. Nunca houve ninguém morando nessa região. Ela é inóspita e sempre foi.

Então a existência da senhora não era validada e pior, ao se aproximar da praia e de toda a vastidão daquele mangue... As palavras do homem se fizeram bem reais. Não havia nada ali e nem em toda a região ao alcance dos olhos. Era tudo mangue, praia e depois estepes até as montanhas ao longe. Até chegar na região só era possível de barco.

Foi tudo ilusão? Como era possível?

Contudo enquanto me aproximava da área onde os homens já se reuniam, a cauda do avião pode ser vista dentro de um poço de lama e um pouco do desespero do meu peito foi apaziguado. Pelo menos foi daquele jeito mesmo que eu caí ali, de um avião em que eu mesmo pilotava.

Da cauda eu só via o número de série e mais nada, contudo já era uma vitória e comecei a entender o olhar de triunfo de Cai Balkit.

— Senhor Balkit, o processo de extração da aeronave, proteção dos destroços e remoção até o galpão para análise pode demorar algumas horas, prefere voltar para a cidade enquanto damos procedimento aqui?

— Não. Irei acompanhar todo o processo, podem começar.

E mesmo com as botas que calçamos para entrar naquele local estarem afundadas no chão alagado, Cai parecia uma muralha em meio aqueles homens, decidido, com postura impecável e irremovível. Enquanto eu só olhava para o trabalho daqueles homens e refletia quem eu poderia ser para pilotar um monomotor que mesmo arruinado pela queda e pela lama não parecia ser um avião qualquer.

— Será que tem algum pertence meu aí dentro que não foi arruinado pela lama?

Perguntei suspirando e em seguida eu ganhava uma mão acariciando meu pescoço de forma apaziguadora:

— Se houver algo, eles vão recuperar, eles são a melhor equipe para essa situação.

Com aquela fala eu acabei sorrindo e me sentindo menos pesaroso. Olhei para Cai e disse baixinho em falso tom conspiratório:

— Deixa ver se eu acertei, você também mandou esses homens para treinar no exterior e se tornarem os melhores caçadores e recuperadores de itens perdidos em lamaçais.

Cai Balkit desceu os olhos sobre mim e outra vez aquele mínimo sorriso quase secreto se desenhou em seu rosto e ele disse no mesmo tom que eu usava:

— É um segredo, não espalhe.

— Pode deixar.

— Patrão, isso daqui estava protegido por um saco impermeável dentro da cabine.

A voz de um dos homens me fez estremecer e me voltar para ele quase em frenesi enquanto o via erguer um envelope escuro meio transparente do tamanho de uma folha A3 que ele tentou limpar com muito sucesso, inclusive.

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