Eu meio que perdi o apetite depois daquela discussão e passei a perambular pela casa minimalista e vazia. Do lado de fora através das janelas e da parede de vidro da sala eu via um dos seguranças aqui e lá patrulhando, mas nada além disso.
Estava tudo silencioso e vazio.
Entrei em cômodos de quartos não usados, outra sala com cristaleiras e lareira e logo achei o que era possivelmente o escritório de Daniel. Havia uma mesa, um notebook acima dela e um porta retratos da égua negra...
— Então você é o amor da vida dele hein, Centelha?
Disse baixo um pouco divertido, afinal depois do discurso de sem alma dele, para ter uma foto do cavalo preferido na mesa de trabalho já meio que caia por terra a coisa toda. Ele podia não querer amar, mas ser incapaz de amar era outra história.
— Você é um estúpido e grosso macho babaca, Daniel, mas não um sem alma por completo.
Reclamei cutucando o porta-retratos e olhando ao redor de forma mais atenta. Havia alguns quadros de navios e de paisagens tipicamente grega ou algo que lembrava aquilo, porém um quadro me chamou a atenção, era uma pintura, não, na verdade três pinturas dispostas uma do lado da outra... De uma mulher...
As pinturas em aquarela eram de uma senhora sorrindo para o provável pintor, a outra de uma jovem deitada na pedra na praia olhando para a água usando um vestido lilás e um cacho de flores na mão e a terceira era dela em pé naquela pedra com o vento soprando em sua roupa diáfana... As duas na praia eram ela mais jovem diante de um mar azul e aconchegante, mas a terceiro era um retrato fiel da mulher mais velha...
Um arrepio percorreu minha espinha e eu me aproximei para ver a pintura que tinha menos de meio metro de tamanho, mas naquele segundo era todo o meu universo.
Os mesmos olhos com ruguinhas fofas ao redor da pele madura e o olhar tranquilo e forte ao mesmo tempo, o mesmo sorriso de boca fechada de quem já viu muito e de quem sabe todos os segredos do mundo. Os mesmos cabelos crespos ruivos mesclados ao branco e a roupa larga, como se fosse uma túnica antiga de gola canoa...
A senhorinha que me salvou... A mulher que me tirou do manguezal...
Era ela!
Ergui a mão para tocar na pintura e a voz de Leo me tirou do momento arrepiante e enfeitiçador...
— Meu senhor! Não toque, essa pintura tem quase quinhentos anos, é frágil!
Dei um pulo para trás e o olhei chocado. Como é que é!?
— O que você disse!? Quem é essa mulher!?
De repente eu tinha urgência, nervoso, quase pânico. Era ela e eu precisava saber quem era ela! Leo suspirou, deixou a sacola que trazia em uma das cadeiras e veio para mim se colocando do meu lado e olhando para a pintura da mulher:
— Essa, meu senhor, é Aurea, a filha dos três patronos fundadores desta cidade. Essas pinturas foram pintadas pelo próprio imperador e essa última foi seu último trabalho, já com mais de cem anos. Ele viveu uma vida longínqua e agraciada pelos deuses como ainda dizem hoje em dia, ele enterrou seus amigos, seu harém e dois dos quatro filhos, viveu os seus últimos anos pintando situações do cotidiano. Não entendo de arte, mas a senhorita Bianca que é uma curadora disse que os quadros dessa casa são impossíveis de avaliar em um preço real e que são delicados, por isso ninguém os toca e só ela vem todo mês higienizá-los. O patrão as deixa no mesmo lugar onde sempre estiveram e as vezes fica horas olhando para essas pinturas...
— Mas se são do imperador não deviam estar na casa do Cai?
— Do senhor Balkit!? – Leo perguntou de olhos arregalados e então negou – Não, meu senhor, todas essas pinturas foram dadas para a terceira filha, a senhora Aurea que sempre morou nessa casa, claro que a residência foi reformada várias vezes ao logo do tempo, mas essa casa inicialmente foi construída para ela pelos seus três pais. A situação da época foi complicada, a mãe era uma concubina do harém do imperador e o capitão Debrecci e o Lorde Mercin se apaixonaram por ela e começaram uma disputa feroz que durou décadas e nesse meio tempo a senhorita Aurea cresceu, vivendo um pouquinho com cada pai até que resolveu se casar e bem, a famosa tragédia da maldição lançada pela parteira quando ela estava para nascer eclodiu. É uma história bem complicada de fato e longa também, mas os quadros que o imperador pintou para a filha sempre ficaram nessas paredes a quase meio milênio.
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Cobiçado
RomanceEle caiu do céu direto para uma terra desconhecida e se tornou alvo dos três melhores partidos da cidade. Ele não sabe quem é, mas na cama dos três demônios ele nem vai precisar pensar nisso por muito tempo... A caçada ao anjo começou e quem ganhará...