Foi uma surpresa ver que a fechadura funcionava perfeitamente, mesmo antiga. Eram portas de madeira com quase três metros de altura. Pesadas portas de madeira bruta reforçada por ferro forjado a mão.
Ao abrir a porta, uma camada leve de poeira plainou sobre mim. Abandei com as mãos e segui o corredor que surgiu a minha frente.
Havia muitas pinturas nas paredes. Era um corredor extenso que parecia cortar o casarão ao meio e dividir os cômodos.
A primeira porta a esquerda, se abria para uma sala enorme, devia ter uns doze metros de comprimento. O piso de madeira era detalhado com uma estrela ao centro, bem abaixo de um lustre de cristal que pendia do teto alto.
A grande sala possuía duas lareiras, em suas extremidades opostas. Talhadas em mármore, maiores do que eu.
Certamente, aquela era a grande sala onde o Barão recepcionava seus convidados. E, portas duplas se abriam para uma sacada cheia de floreiras, onde samambaias jaziam com seus galhos secos.
– Liana? – Ouvi a velha bruxa me chamar.
Perdoem-me, por favor, mas era assim que eu a chamava em minha mente. Contudo, seu nome também não era algo que eu gostaria de lembrar. Como já disse, a velha bruxa carrega o mesmo nome da instituição onde passei os piores anos da minha vida.
– Sim, dona Viridiana? – Respondi.
– Venha escolher o seu quarto. – Ela disse, ao surgir na porta daquela enorme sala.
Assenti e segui a bruxa.
Voltamos ao corredor. Dona Verdiana ordenou que homens, encarregados da mudança, colocassem as caixas e malas em uma sala à direita, até aquele momento, não conhecia o cômodo.
No fim do corredor, saímos em outro corredor, que se unindo ao principal, formava uma espécie de 'T' na divisão de todos os cômodos do casarão.
Viramos a direita, onde Viridiana abria as portas ao longo dele. Havia ali quatro portas.
– Aqui fora um dos quartos das crianças... – Ela começou a dizer. – O Barão teve muitos filhos e dividiu os quartos em dois, meninos aqui... – Ela mostrou um quarto razoavelmente grande e logo voltava para porta do lado oposto. – E este aqui, para as meninas.
Era um quarto maior.
– E os outros dois?
– Era o dele, e o outro de sua senhora.
– Estranho... Eles não dormiam juntos?
– Era algo acordado pelo casal, caso a esposa desejasse, naquela época.
Viridiana abriu o quarto que ela disse ter pertencido à senhora, e que fora uma bisavó da minha avó... Ou algo assim.
Naquele quarto, ainda ricamente decorado com moveis originais do século XIX.
– Se for ficar neste, mandarei que troquem o colchão... – Ela comentou. – Este está danificado demais e possivelmente cheio de pulgas. Este casarão já foi invadido por dezenas de gatos, foi difícil expulsá-los daqui. – Ela falava de forma rabugenta.
– Peça para que troque então, ficarei com este.
Deixei Viridiana comandar a mudança e fui conhecer o restante do casarão.
Nomeei o corredor onde fica o quarto que escolhi, como corredor leste. E, ao sair dele na direção oposta, segui para o corredor Oeste.
Muitas janelas davam para os fundos do terreno cheio de arvores, com a mata quase fechada.
Forcei a primeira porta, e se abriu para uma espécie de banheiro. Era muito precário. Precisaria de reformas urgentes. A última reforma ali devia ter sido feita a mais de cinquenta anos a levar em conta à louça higiênica, que era decorada por floreiras pintadas a mão.
Outra trovoada, e meu coração disparou em meu peito. E então, a chuva chegou de forma densa e assustadoramente.
Imediatamente uma goteira bem acima do que poderíamos chamar de boxe, começou a inundar o piso de mármore. Olhei para cima, e uma grande macha de umidade se estendia pelo teto em madeira.
Ao menos ali, havia uma banheira. Não seria necessário tomar banho na goteira do teto.
Sai do banheiro e voltei a explorar os cômodos ao longo do corredor Oeste.
Havia alguns cômodos apenas amontoados de moveis e bugigangas. No fim do corredor, encontrei o que um dia fora um escritório. Onde uma linda mesa estava ao centro, e parede ainda mantinham suas prateleiras lindamente talhadas, repletas de poeiras e alguns livros antigos com capas de couro.
Abri as janelas, para que a claridade e ar puro adentrassem ali.
– Liana? – Ouvi a voz da bruxa vindo do corredor.
– Aqui, no escritório.
Quando Viridiana adentrou o cômodo, ela tinha um olhar estranho direcionado a mim.
– Preciso sair e fazer compras. – Ela informou ainda me olhando com certo espanto.
– Sim, é claro. Quer que eu vá com a senhora? – Perguntei, espantando a poeira da linda poltrona de veludo verde escuro.
– Não. Não é preciso. – Ela ainda me encarava. Até que desviou os olhos e tentou disfarçar seu desconforto. – O eletricista já deve estar chegando, ele vai religar a força da casa e os rapazes já estão trocando o colchão da sua cama.
– Obrigada.
– Não demoro... – Ela murmurou ao sair, deixando a porta aberta.
Observei ela sumir no corredor, virando na curva do corredor principal.
A chuva ainda caia forte lá fora. O perfume de terra molhada invadia todo o cômodo empoeirado. Fiquei a observar todos os objetos ali.
Sobre a mesa, um velho tinteiro, cuja tinta seca ganhou uma endurecida forma esquisita e negra. Havia uma lupa de mão o cabo parecia banhado a ouro.
As paredes eram cobertas por um tecido verde escuro, quase no mesmo tom da poltrona.
Meus olhos percorreram as prateleiras, e um livro vultoso me chamou a atenção, pois caia por entre suas centenas de páginas uma única fita vermelha escura.
No entanto, para dificultar minha curiosidade, ele se encontrava na ultima prateleira a quase três metros de altura. Não havia nada ali, um banco ou escada que pudesse usar para alcança-lo.
Estava tão envolvida em meus planos para alcançar tal livro que me assustei ao ouvir algo vindo do corredor, parecia que algo como vidro havia acabado de espatifar sobre o piso de madeira.
Corri para fora do quarto no instante em que havia três homens abaixados, catando pedaços de vidro.
– O que está acontecendo aqui?
Os três ficaram de pé e me encaram.
Começamos... Nos falamos nos comentários.
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Liana --------
RomanceLiana passou os últimos dez anos da sua vida em um internato religioso. Ao completar dezoito anos, ela quer recuperar sua vida.