Capítulo Dois

182 42 7
                                    

Ele abriu a porta.
— Estou aqui. — disse aos dois homens que apareceram.
De aí em diante, a sucessão dos fatos que aconteceram diante dos olhos de Mnemosyne foram apenas borrões. A jovem foi levada até onde haviam dois cavalos brancos, e ela os fitou.
— Suba comigo. — o lorde ordenou.
Ela tentou subir no outro cavalo, mas  uma tontura a atingiu.
— Ouça-me, menina. Está tão fraca que caíra do cavalo muito antes que possa perceber.
E assim ela concordou. Ele a ajudou a subir no cavalo, e se colocou atrás dela, rodeando-a pela cintura.
— Para onde vamos?
— Para minha propriedade, não há muitas milhas daqui. Por Deus, quando foi a última vez que comeu algo? — quis saber ele.
— Há dois dias. Pão e água. — esclareceu ela.
Senhor! Pensou ele, assustado. Qual era a história dessa jovem? Será que não estava cometendo um erro ao levá-la para casa?
Cavalgaram num trote mais acelerado, pois o lorde tinha pressa, e ele desejava um bom banho. Ele notou que o corpo dela amoleceu contra o seu, ela se encostou contra seu peito. Não sabia se adormecera ou desmaiara de fome e cansaço. Há quantos dias ela estava na estrada? De onde vinha? Para aonde ia?
Lorde Henson se orgulhava de Fondshen sua propriedade vasta e produtiva que se alargava pelos campos há certa distancia de Londres. Havia uma grande casa, de tijolos vermelhos bem construídos, ostentando orgulhosamente seus doze quartos, além de seu maior orgulho, uma biblioteca com uma boa centena de livros em vários idiomas, pois o próprio falava francês. Ela iria gostar dali. E havia também, o mais impressionante jardim de petúnias e rosas que ele teve o prazer de ajudar a plantar, porque sim, ele era um ótimo botânico nas horas vagas.
Quando pararam em frente a casa, o condutor o ajudou a descer Mnemosyne e depois ele a segurou firme em seus braços, e subiu as escadas que levavam a entrada.
Quando a porta se abriu, Rodolph, seu mordomo apareceu, olhando assustado a figura desfalecida nos braços do lorde.
— Sem perguntas. Prepare um banho quente no meu aposento, e muita comida. E preciso de roupas para ela também. — proferiu a ordem, e o homem saiu rapidamente providenciar tudo.
Henson subiu as escadas carregando a jovem, e a levou até seu quarto, onde a deixou sobre a cama. Sentiu o pulso dela e ficou feliz em ver que ao menos ela estava viva.
Demorou metade de uma hora para que o banho estivesse pronto, e uma criada ficou ao lado da jovem esperando ela acordar para ajudá-la com isso. Quando a moça voltou a realidade, assustou-se ao encontrar-se naquele lugar. Sentou na cama e a primeira coisa que sentiu foi o toque de sua palma sobre a macia seda da cama, o cheiro de cravo dos lençóis e travesseiros, eram vários aromas.
O quarto mais impressionante que ela já entrara, com uma cama enorme, uma mesa e cadeira perto da parede, onde ele provavelmente escrevia cartas, e uma tina de cobre no meio do ambiente, de onde saiu um aroma de hortelã.
— Eu a ajudo, senhorita. Posso ajudá-la a despir-se?
​— Não. — negou ela imediatamente. — Eu tomo banho sozinha, obrigada.
​Mesmo parecendo contrariada, a criada saiu do quarto, e sozinha, a jovem começou a despir-se, deixando sua bolsinha de couro sobre a cama, e tirando o vestido enlameado.
​Quando estava nua, ela entrou na água morna, suspirando de puro prazer em contraste com o frio. Precisaria lavar o cabelo. Desfez a trança, havia folhas e galhos emaranhados no cabelo. Quando ele estava solto, molhou-o e ensaboou, depois mergulhou para enxaguar.
​Do lado de fora do quarto, o lorde discutia com a criada, porque acreditava que a jovem não daria conta sozinha. Mas ele iria respeitar sua decisão.
​A jovem terminou seu banho, secou-se, e encontrou um vestido azul claro ao lado, além das peças íntimas. Vestiu-as, e embora tivesse ficado um pouco apertado na cintura, ainda era melhor do que a antiga. Havia uma escova de cabo de osso sobre a cadeira, e ela penteou seu longo cabelo, enquanto aproveitava para ir até a janela e contemplar o lindo jardim que agora as cores despontavam sob a luz solar que começava a se interpor entre as nuvens grossas de chuva.
​Alguém bateu à porta.
​Era ele, limpo, arrumado e perfumado. E  infinitamente lindo.
​— Sua casa é muito bonita, senhor. — ela disse, desviando o olhar.
​Lorde Henson sorriu, se aproximando.
​— Ela será sua também, muito em breve. Vamos nos casar amanhã. — informou ele.
​Ela se agarrou a janela.
​— O senhor não estava brincando quando disse que queria que fosse imediatamente.
​— Há algumas coisas que precisa saber sobre mim, antes de nos casarmos, senhorita. — o lorde foi até ela, ficando muito perto. — A primeira é que sou muito rico e que isso resolve a maior parte dos problemas. A segunda é que quero desesperadamente um herdeiro. A terceira é que já fui casado duas vezes, e todas as esposas morreram  fatalmente depois do casamento.
​Bem, todas as coisas eram complicadas. Mas a última sim a preocupou.
​Jesus! Ele quase podia ouvir o coração dela batendo debaixo da fina camada de tecido do vestido azul. Ele a assustara?
​Mas casando ou não com ele, daquela maneira, ela tinha chances de morrer, então por que não aceitar do mesmo modo?
​— Eu me casarei com o senhor, e serei sua terceira esposa, e não morrerei. Também serei a mãe de seu filho, senhor. — de onde viera toda aquela coragem? Ela não sabia.
​O sorriso que dominou o rosto dele foi no mínimo estranho, e do bolso da calça ele tirou um anel de diamante, um belo diamante. Tomou a mão dela e deslizou a jóia que parecia ter sido feito para aquele dedo.
​— Meu pai deu a minha mãe quando se casaram.
​Ela fitou a jóia amaldiçoada com rancor. Não era a primeira a usar. Mas seria a última, antes de seus filhos.
​Os dois ouviram um barulho, a e jovem levou a mão sobre a barriga, bem na hora que a criada apareceu com uma bandeja cheia de comida.
​E enquanto ela comia a carne assada, os ovos, os pães e a sopa, o lorde observava absurdamente em choque como a jovem fazia isso. Ela comia com as mãos, tirando grandes lascas de carne, mastigando quase como um lobo faminto, e quando lambia os dedos só faltava ele se arrepiar. Ela precisaria aprender bons modos, e ele mesmo a ensinaria, não confiaria a educação de sua futura esposa a qualquer um.
​Para surpresa do lorde, ela comeu tudo, e ainda lambeu o prato. Ele se lembraria de sempre ter comida a disposição dela.
​Depois que ela terminou de comer, ele pegou o guardanapo e limpou gentilmente o rosto dela, que olhava-o de olhos arregalados, e depois suas mãos. Misericórdia! Agora que ela estava limpa era possível dizer ainda mais o quanto ela era bonita, e o quanto isso mexia com ele de uma maneira inexplicável.
​Bem, não era como se ele estivesse sem uma mulher há muito tempo. Ele recorria a algumas prostitutas sempre que precisava satisfazer-se sexualmente. Era conveniente.
​— Deve dormir agora. Este aposento é meu, mas como também será seu em breve, achei justo que a deixasse aqui. Sinta-se à vontade para usar a cama como quiser. — Henson falou, antes de sair do quarto.
​Sozinha, ela olhou para cama com um sorriso. Sempre sonhou dormir numa cama de rico! Deitou-se e esticou-se, sentindo a maciez e o perfume. Mas algo de repente a chocou. Sentou-se no mesmo instante. Teria que entregar-se ao lorde ali naquela cama.
​Não pense nisso! Estava tão cansada que a única coisa que fez foi adormecer.
​No andar de baixo, a casa fervia com os preparativos apressados para o casamento do lorde. Não é como se os criados não estivessem acostumados a preparar um casamento dele, já foram dois, mas esse foi consideravelmente o mais apressado e o menos justificado, porque as outras senhoras eram ladys, e essa era... Bem, ninguém contestou, e durante a tarde chegavam carroças carregadas de flores brancas que seriam usadas para decorar a capela nos fundos da propriedade, construída anos atrás pelo pai de Henson com o intuito de lembrar sempre sua religiosidade. Não haveria convidados, ou sim, haveria. Lorde Tremelin chegou as pressas de Londres, ele era o melhor amigo de Henson, um loiro alto e bonito e devasso cobiçado por todas as solteiras.
​— Eu não esperava receber essa notícia, bom amigo. Mas estou aqui para ser seu padrinho, pela terceira vez... —  o rapaz disse.
​Apertaram as mãos, enquanto bebiam vinho do Porto no escritório do noivo.
​— Quando a vida apresenta uma oportunidade como está, é comum não deixarmos ela passar. Mas sente-se, lhe contarei tudo.
​E assim, na hora seguinte lorde Henson contou em detalhes como Mnemosyne o salvou da morte da noite anterior, como tinha com bravura e com uma força que ele não conseguia entender o içado heroicamente de dentro da carruagem que alagava a cada segundo. Mas chegar na parte que tinha pedido a jovem para desposá-lo foi um pouco mais complicado, pois é compreensível que não faça sentido nenhum a um amigo que não acredita em destino.
​— Grande história realmente. Mas quando conhecerei a noiva? — ele estava animado para aquele evento.
​Henson bebericou o vinho e deixou a taça sobre a mesa.
​— Ela está descansando. Não especificou o que aconteceu, mas julgo ter passado por algum estresse. — contou.
​Tremelin beliscou o lábio, pensativo.
​— Cabe a mim, no papel do seu melhor amigo, dizer-lhe que talvez você tenha se precipitado um bocado ao propor casamento a uma completa desconhecida. E se você estiver trazendo um problema para dentro de casa, meu amigo? — ele disse, fitando o outro.
​— Bobagem! Ela é a esposa perfeita. Sem passado, sem parentes e sem perguntas sobre qualquer coisa. Ela até mesmo não se intimidou ao saber que pode ser a próxima a morrer.
​O homem loiro gargalhou.
​— Sugiro que desta vez você seja mais rápido quando se trata de  produzir um herdeiro. Não colocará em xeque sua virilidade, não é?
​— É claro que não. Se for preciso possuirei esta mulher todas as noites incessantemente. E tenho certeza que ela não reclamará.  — piscou para o outro.
​No andar de cima, Mnemosyne já tinha acordado, e nesse instante contemplava o conteúdo de sua bolsinha. Um medalhão de prata, que recusara-se vendê-lo mesmo na pior fome, e uma pequena faca que usara para... E um sapatinho de bebe feito de lã, que aquela altura estava manchado pela lama.
​Tudo que tinha era aquilo. Olhou ao redor. Mas em breve teria muita coisa. Será que teria uma família também? Bem, para isso precisaria dormir com o lorde... Não. Não pense nisso.
​O lorde pensou o que faria aquela noite. Mas era óbvio, dormiria em outro quarto. Enquanto deitava-se na cama quente, ele pensava no rumo que sua vida tinha tomado, mas ele não se arrependia nenhum pouco. Quando tivesse o tão sonhado filho, as coisas estariam em paz. Nem pensava em criar o filho, esperava deixar a jovem com o menino, e sim seria um menino, com as criadas no campo, enquanto ele levava uma vida normal na cidade.
​E quanto a morte rondando? Ele sempre soube da maldição, mas dessa vez era por um bem maior.

Quando um lorde encontra o amor - As irmãs Bredley livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora