Algumas boas horas na carruagem foram suficientes para deixar a pobre Mnemosyne angustiada. Não gostava de ficar presa, e ter a companhia do marido apenas serviu para que este momento se tornasse ainda mias torturante. Ela nunca estivera em Londres antes, embora quisesse muito ir até lá quando encontrou o marido. Esperava ter uma nova chance de vida, uma liberdade que buscava loucamente. E sabia que não teria agora, porque estava casada, mas seria uma boa vida, acreditava, se conseguisse por fim enganar o marido.
— Quer comer algo? A cozinheira mandou uma cesta de comida. — Henson disse, mostrando o objeto nos pés dela.
Ela acenou que sim.
Ele pegou a cesta e tirou um pedaço de bolo e deu a ela. A jovem comeu, enquanto olhava desinteressada para a paisagem verde do lado de fora. Tinha muito que pensar, e estava irritando-se com o fato de que o vestido verde estava lhe pinicando nas costas, e ela recordou o antigo vestido, completamente fora de moda, mas igualmente confortável. Mas sabia que agora não podia mais se vestir daquela maneira, pois era uma dama, e precisava estar sempre apresentável. Ela até pedira para tomar um banho antes de deixar a casa no campo. Queria chegar perfumada na nova cidade.
— Penso que deveríamos conversar, Mnemosyne. Não me falou nada sobre seus pais. Estão vivos? — quis saber o lorde.
Ela o fitou.
— Mortos, os dois. — e seu lábio tremeu. Não, não podia chorar novamente. Agora era forte, e não precisava disso. — Meu pai morreu há um mês. Era fraco dos pulmões.
Henson notou como ela estava triste, e inesperadamente sentiu um desejo de abraçá-la e confortá-la.
— Minha mãe mora em Londres. Vai conhecê-la em breve.
A jovem sorriu.
— Tenho certeza que ela deve ser adorável. Tem irmãos?
— Não. Sou filho único. E suponho que você também não tem irmãos. — sugeriu ele.
Mnemosyne suspirou.
— Tenho uma irmã mais velha, mas não vejo ela há meses. Ela é criada de uma família rica na Normandia.
E só nutria inveja da irmã, que Deus perdoasse ela, porque Adrastéia, tinha fugido antes de tudo aquilo acontecer. Por que ela não foi junto? Por que ficou ali para sofrer?
Ao que parecia o casal não tinha muito a conversar, porque o lorde cuidou de ler um livro, que até ofereceu a ela, a mesma o rejeitando. Ela apenas queria ficar ali olhando para a paisagem e pensando na vida.
Chegaram a Londres final da tarde, e a ela olhava admirada para o que via. A cidade à luz do por do sol, era uma efervescência, centenas de pessoas bem vestidas, ou outras nem tanto, transitando no meio de carruagens, lojas que agora estavam fechando, vitrines coloridas e grandes casas que a deixaram assustada.
— Sua casa é ao norte. — explicou Henson sorrindo ao ver a animação da esposa. — Poderá passear quando quiser. Ir a modista e a chapelaria.
Poderia? Seus olhos não davam conta de admirar tudo, e ela perguntou-se como podia existir um lugar tão perfeito. Tudo era novo a ela, que tinha passado a vida inteira morando no campo, e nunca tinha botado os pés em Londres. Mas aquilo era real, ela estava ali mesmo, e agora moraria naquela cidade.
Um sorriso escapou dos lábios dela. Sim, seria feliz ali.
A carruagem se afastou do principal centro da cidade, e entraram numa região de casas ainda mais bonitas, e a jovem suspeitou que era ali que o lorde morava. Quando o veículo parou em frente a uma casa de tijolos bem montados, com flores roxas escorrendo das janelas, ela suspirou. Era ali.
— Vamos descer? Eu a ajudo. — Henson a segurou pela mão e estava ali do lado se ela precisasse, mas a jovem conseguiu descer da carruagem. — O que achou?
— Lindo. — sussurrou ela.
Uma verdade que ele precisava confessar era que desde que entraram em Londres e ela tinha passado a contemplar o lugar com paixão, ele mesmo não tinha liberado de seu rosto o sorriso que se apropriava de sua face. Não importava de onde ela vinha, e quem era, o lorde só queria que a esposa tivesse uma boa vida ao lado dele, porque obviamente era mais fácil que ela concordasse com tudo, do que continuasse sendo arredia e brava. Ele iria mudar aquele cenário.
Ele a surpreendeu, quando voltou a tomar a mão dela na sua, e a acompanhou enquanto entravam na casa. Havia um mordomo que abriu a porta, e eles entraram no que, com toda certeza que Mnemosyne tinha, era o lugar mais lindo que ela já vira. Ela ficou confusa, olhando de um lado para o outro, tentando absolver toda a informação da decoração daquele salão. Não era absurdamente grande, mas era bonito de todas as maneiras. Havia dois sofás carmim com gordas almofadas, mesinhas nas laterais, uma cortina na janela que ia do chão ao teto na cor branca com rendas, pinturas nas paredes do que poderia ser o próprio marido, e uma mulher que ela acreditava ser sua sogra.
— Esses são nossos criados. Logo conhecerá todos. — enquanto ela continuava admirando tudo, os criados haviam feito uma fila na frente dos dois. — Vamos até meu aposento?
Ainda de mãos dadas, uma mão quente e masculina, sobre uma feminina e fria, os dois subiram as escadas, e ela só conseguia temer o que aconteceria, pelo que não podia acontecer, na verdade.
Pararam em frente o primeiro quarto no lado esquerdo do corredor, e ele abriu a porta. Como naquele momento já estava escuro, a criada tinha acendido as velas que iluminavam o lugar com uma luz trêmula e fraca.
— Entre. — ele sutilmente a empurrou para dentro e a soltou.
Mnemosyne sentiu o estômago revirar quando viu o leito arrumado apenas à espera dos dois. Ela precisava desesperadamente encontrar uma maneira de fazer com que o casamento não fosse consumado naquela noite, porque no dia seguinte iria procurar ajuda para resolver seu problema, se é que existisse.
Henson se aproximou dela, tocou seu rosto delicadamente e sorriu.
— Essa noite não escapará de mim. Farei você gostar. Até o início da primavera estará grávida, esposa.
Bem, por tudo que ouvira falar, ela sabia que sim, iria gostar, porque todas suas amigas que se casaram falavam o quão bom era. Esse definitivamente não era o ponto, e sim aquele problema com seu corpo. Quando o marido descobrisse, ele a devolveria para aquele lugar sem piedade.
A jovem sabia que deveria ter contado antes do casamento, mas veja bem, ela estava desesperada, e tudo que conseguira pensar era em se salvar. E agora estava salva, certo? Não podiam mais encontrá-la e machucá-la, verdade?
— Vou deixá-la descansar e comer algo, mas em duas horas, tempo em que me dedicarei a alguns documentos, voltarei para possuí-la. Se prepare. — alertou o marido.
Aconteceu com Mnemosyne algo que raramente acontecia, ela perdeu a fome, e mesmo tentando comer, quase vomitou. Era de nervosismo. O que faria?
De algum modo precisava encontrar uma solução para seu problema, e considerando que tinha apenas quinze minutos, a jovem deveria ser rápida. Algo iluminou sua mente.
Sim, bastava dizer que estava naqueles dias. Mas não estava. Como fingiria?
Só se... Não. Ou sim. Sim!
Ela reuniu toda a coragem para aquilo, mas era preciso, então pegou a faca que a criada trouxera para ajudar ela comer e cortou a sola do pé, tinha pensado em cortar a mão, mas ele veria, e o pé ficaria escondido. Escorreu sangue vermelho vivo, e ela passou sobre um pedaço de pano, mas era pouco, então ela cortou mais profundo, enquanto mordia o lábio para não gritar.
Pronto. Sangue suficiente. Sorriu. Podia funcionar
Limpou a faca e as mãos, e estancou o sangue do pé e calçou o sapato novamente. Ele nunca notaria.
Na hora exata, o marido entrou no quarto e já começava a tirar o casaco quando ela o interrompeu.
— Estou em meus dias, senhor. — mostrou o pano com sangue.
Ele suspirou.
— Sente dores também?
— Sim, senhor. Podemos esperar passar essa semana? — pediu a jovem.
Henson estava irritado, não com ela, mas sim com o destino que de jeito nenhum colaborava para as coisas darem certo com ele. Ele só queria fazer sexo com sua esposa, engravidá-la e acabar com isso logo.
— Vou dormir no quarto ao lado. Cuide-se. — o lorde já estava saindo quando lembrou de algo. — Amanhã iremos à modista, vou escolher alguns vestidos para você. Se aqueça, está frio.
— Obrigada, senhor. — disse, e ele já tinha saído, mas a verdade é que nem sabia se fora para Deus ou mesmo para o marido.
Sozinha, ela foi dominada por lágrimas amargas que teimavam em cair em seu rosto. Não queria chorar agora. Mas sentia dor, estava cansada da viagem e só queria comer e dormir.
Comeu rapidamente, pois sabia que a criada logo viria retirar a bandeja, e tratou de tirar o sapato, a meia estava encharcada de sangue. Com tamanho esforço, retirou o vestido justo, que a sufocava, um feito conseguir sozinha, mas estava tão desesperada que nem pensou em pedir ajuda. Precisava ela mesma resolver seus problemas.
Somente deroupas íntimas, ela enfaixou o pé, e se deitou, esperando dormir tranquilamente naquela noite, mas só por precaução tinha chaveado a porta. Não sabia se o marido era capaz de quebrar a promessa de ir até ali altas horas da noite... Mas não custava prevenir.
Ela dormiu profundamente, e sonhou com um campo florido o qual corria livre. Mas, em algum momento, aquela pessoa apareceu, e a segurou, e a obrigou a... Fazer aquela coisa nojenta. Acordou gritando, se debatendo na cama.
Alguém estava quase derrubando a porta, e ela correu abri-la.
— O que houve? — era Henson, usando um roupão e a olhando com pavor.
Mnemosyne se jogou nos braços do marido. Ele a acolheu.
— Não me deixe voltar, por favor. Não me mande embora, eu imploro. — pedia, chorando compulsivamente.
Ele a suspendeu no ar, segurando-a, e a levou até a cama, onde a fez deitar, e deitou ao lado dela. A esposa tremia, e tinha a cabeça apoiada em seu ombro.
— Preciso que me conte a verdade, Mosyne.
— Do que me chamou? — ela se assustou.
— Mosyne. Não gosta? — Henson sorriu.
Ela fungou.
— Minha mãe me chamava assim. Eu gosto. Mas não vou te contar nada. — protestou a jovem.
— Pode não ser hoje, mas um dia irá. Eu sou seu marido agora, e a apoiarei em tudo que for. Seu passado não importa para mim, Mosyne. — o lorde deu batidinhas nas costas dela.
— Pode dormir aqui comigo? Quer dizer, apenas dormir... — ela quase implorou.
— Deixe-me entrar debaixo das cobertas, isso, assim. — ele se arrumou e ele os cobriu. — Agora durma, passarinho
— Agora me chama de passarinho? — a jovem achou engraçado.
Ele riu.
— Eu precisava de um apelido carinhoso para você.
— Então também vou te dar um apelido. Urso. Que tal?
Henson franziu a testa.
— Por que urso?
— Porque você abraça igual um urso. Agora boa noite. — Mosyne bocejou.
— Boa noite.
E ela logo dormiu, enquanto ele pensava no que ela tinha sonhado. Henson estava decidido a arrancar dela, de algum modo, a verdade sobre seu passado, e quem sabe até seu nome completo. De uma coisa ele podia suspeitar, que sim, ela tivera um passado traumática, e embora ela não tenha dito nada sobre sua mãe, isso por parte tinha a ver com ela também. E a irmã que ela não via há meses? Tudo muito estranho. Talvez ela ser arredia assim tivesse algo com o que acontecera antes. A jovem também não tinha dito para aonde estava indo quando o encontrou, e nem de onde vinha. A verdade era que a vida de Mosyne era um mistério, o qual ele queria muito desvendar, e sabia que iria.
Bem, agora precisava dormir, porque amanhã queria fazer sua esposa feliz, e que maneira de fazer isso melhor que comprando jóias, roupas e fitas a ela? Tinha certeza que ela iria adorar, e vê-la feliz somente iria deixar o processo mais fácil.
Ele dormiu também, como ela nos braços.
Em paz, os dois.
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Quando um lorde encontra o amor - As irmãs Bredley livro I
Historical FictionTudo que lorde Henson queria era encontrar uma nova esposa, uma que não morresse tragicamente como as duas outras que tivera. Também queria, desesperadamente, um herdeiro, pois acreditava que já estava ficando velho. Acontece que devido sua fama p...