Capítulo Cinco

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Sentir o calor feminino contra o corpo, o cabelo limpo e perfumado, a pele quente e macia... Por Deus, como ele amava aquele contato com sua esposa. Poderia ficar ali a manhã inteira. Mas não podia.
Ele a deixou dormindo, saindo lentamente da cama para não a acordar. Arrumou-se em silêncio enquanto contemplava com o coração transbordando de algo desconhecido, mas que ainda assim o assustava. Definitivamente sentia carinho e afeição pela esposa, e pouco sabia sobre ela. Bem, isso tentaria corrigir em breve, porque queria saber toda a verdade.
Quando estava pronto, desceu para o salão, onde havia uma mesa posta à sua espera. Comeu devagar, ainda se lembrando do susto da esposa na noite passada. Tudo tão estranho...
Um pouco mais tarde, lorde Henson se reuniu com seu administrador no escritório e teve a grande, mas não inesperada, notícia de que seus negócios, que consistiam numa mina de carvão ao leste e uma fábrica de metais, tinham dobrado o lucro nos dois últimos meses. Sim. Maldita sorte. Abençoada sorte também.
— Mande essa quantia para o orfanato, mas não diga que fui eu. — Ele assinou um papel doando uma boa quantia em dinheiro.
Não o fazia por querer ser filantropo, e sim porque acreditava de verdade que aquelas crianças podiam se tornar grandes adultos, faria o que fosse possível para que isso acontecesse.
— O senhor quer investir a outra parte? Há uma nova fábrica que começará em breve... — o homem disse sorrindo.
Era um senhor de sessenta anos, cabelos brancos, dentes amarelados, mas muito inteligente. Trabalhara com o pai de Henson.
— Pode ser. Mantenha-me informado sobre tudo. E garanta o pagamento justo a qualquer funcionário meu. Tenha um bom dia. — E assim Henson se despediu do homem.
Ao voltar ao salão principal, encontrou a esposa comendo, ou pelo menos lutando contra os talheres de uma maneira engraçada. Ele se aproximou e colocou-se atrás da jovem; segurou suas mãos e a ajudou a cortar a comida.
— Obrigada — ela disse em voz baixa, antes de receber uma porção do alimento na boca.
Henson se sentou ao lado dela, sempre sorrindo.
— Depois que terminar de comer, poderíamos sair para comprar algumas coisas. Selma? — ele chamou uma mulher, alta e magra, vestida de cinza. — Ela nos acompanhará, é sua criada pessoal.
Mosyne olhou para a mulher e parou de mastigar.
— Não preciso disso — falou, virando-se para o marido.
Ele ergueu uma sobrancelha, surpreso.
— É claro que precisa. Não pode sair sozinha por Londres. Mesmo que eu a acompanhe, é necessário que Selma vá. — Se ele tinha determinado, tudo bem então, pensou ela.
Henson esperou pacientemente a esposa terminar de comer e em seguida se trocar para saírem. Depois de meia hora, ela finalmente desceu do quarto, os três prontos para o passeio.
— Vamos comprar uma boa pele para você hoje. — O marido ajustou a capa da esposa, ofereceu o braço a ela e a ajudou a descer as escadas da frente.
O centro de Londres era um pouco longe para ir a pé, então os três foram de carruagem até o lugar que o lorde especificou ao cocheiro. Uma viagem rápida.
Ele ajudou a esposa a descer e seguiu seu olhar enquanto ela observava atentamente o lugar. Naquele dia havia bastante movimento, já que não fazia tanto frio. Era fevereiro e ainda não tinha nevado, um inverno confuso, mas proveitoso.
— Venha, vamos à modista. Diga-me, qual foi sua primeira impressão de Londres? — perguntou, enquanto caminhavam um ao lado do outro.
— Caos. Cinza. Fumaça. Cheiro forte.
Ele riu.
— Nunca vi melhor definição para esta cidade. Mas tenho certeza de que se acostumará. Precisa ver no verão, as ruas ficam coloridas pelos vestidos das mocinhas em busca de casamento. Vai adorar a temporada londrina, garanto — Henson comentou empolgado.
Mosyne sorriu.
— Nunca saí do campo, morava em uma pequena vila — contou ela.
Mas só isso. Nada mais.
— Vai me contar tudo um dia, eu tenho certeza — disse, apertando o braço dela no seu.
Ouviu-a rir alto, e se assustou. Era a primeira vez que a ouvia gargalhar.
— Isso nunca acontecerá — protestou a jovem.
— Não teria tanta certeza se fosse você, querida.
Estavam em frente à loja, mas ele não se importava; se tivesse um pouco mais de coragem, beijaria seus lábios ali mesmo. Mas sabia que não seria prudente fazer isso em público... Então depositou um beijo sobre o dorso da mão dela, que quase prendeu a respiração com o ato.
— Vamos entrar antes que eu cometa algo impróprio. — Puxou-a para dentro.
Selma entrou em seguida.
Uma mulher baixinha, magra, de cabelos loiros, curtos e enrolados, apareceu carregando um tecido verde muito bonito. Quando os viu, sorriu e os cumprimentou.
— Bom dia, que bom recebê-los em minha loja. É sua nova esposa, senhor? — perguntou ao lorde e depois se dirigiu à jovem. — Eu sou madame Bovani, minha querida. Estou aqui para ajudá-la.
Lorde Henson se zangou, obviamente porque não era uma nova esposa, era só sua esposa. Mas não brigaria com a madame por causa disso. Tinha coisas mais importantes a fazer.
— Preciso de quinze vestidos, deixe-a escolher as cores, e algumas peles de todas as tonalidades; também precisamos de roupas íntimas e meias — ele contou nos dedos.
— Pois bem, venha comigo, jovenzinha. — A madame pegou a moça pela mão e a levou para um quarto fechado com um tecido vermelho.
Lá dentro, havia muitos vestidos e tecidos pendurados. Uma profusão de cores.
— Tire a roupa, querida, preciso tirar suas medidas. E depois suba no banquinho. — Pegou a fita e um caderninho para anotar tudo.
Mas a moça continuava parada, olhando-a com espanto.
— Eu tiro, mas promete que tudo que vir ficará entre nós? — O olhar da jovem lady era de desespero.
— É claro, menina. Confie em mim.
Bem, ela precisava confiar em alguém. Então começou a tirar o vestido, ficando só com a roupa íntima. O olhar da modista quando contemplou aquele completo desastre no corpo da cliente foi de verdadeiro horror.
— Quem...? — Estava em choque.
— Não importa agora. Já passou. Vamos tirar as medidas, sim? — Mosyne subiu no banquinho. Abriu os braços para ajudar com a fita. — Meu marido ainda não viu...
— Vocês ainda não...? Céus! Está fugindo dele, menina? Abaixe o braço.
Tomou ar. Sim, estava. Tinha tantos segredos, os quais não podia sair contando para uma mulher que vira só uma vez. A modista bem podia ser a maior fofoqueira de Londres. Mas Mnemosyne tinha tanta sede de desabafar, precisava ter alguém em quem confiar, e ali estava ela, abrindo-se para uma desconhecida.
— De que cores gosta?
— Azul, verde, amarelo e rosa — contou animada.
— Farei de todas essas. — Terminou de medir e anotar. — Quer um conselho? Converse com seu marido. Não importa o problema, ele terá solução.
Mosyne não disse nada.
Desceu do banquinho e vestiu as roupas novamente.
Quando iam sair, segurou a mão da mulher.
— Confio na senhora. — A mão quente da modista apertou a sua e a jovem recebeu um sorriso também.
— Pode confiar.
— Já estão prontas? Sua ajudante me serviu um chá enquanto esperava. — Quando saíram do quarto, a jovem encontrou o marido sentado num banco, conversando com uma mulher muito bonita.
Ela prendeu a respiração. Que sensação era aquela? Por que seu rosto ardia, sua pele se aquecia, e seu maior desejo era voar no pescoço daquela mulher?
— Podemos ir, marido? Quero comprar chás — Mosyne disse, as mãos na cintura, uma pose de autoridade.
— Claro! Aqui a xícara. — Entregou à mulher e se levantou. — Vamos, meu bem.
A criada, que tinha ficado o tempo todo assistindo à cena do lorde sendo desejado pela ajudante da madame, empinou o queixo e os seguiu.
— Não sabia que gostava de chás — comentou o marido enquanto caminhavam pela rua. Desviaram-se de outro casal, e ela ergueu o vestido para passar por uma poça de lama. — Vou deixá-la comprando o que desejar enquanto saio à procura de um presente.
— Presente? — Os olhos dela brilharam.
— Aqui. — Deu-lhe algumas moedas. — Selma, ajude-a a comprar o que ela quiser. Leve-a até a loja de chás e me esperem lá.
— Sim, senhor. Vamos, senhora? — A criada indicou o caminho, era a primeira palavra que saía da boca daquela mulher.
— O caminho é longo? — a jovem quis saber.
Seu pé começara a doer, e ela não sabia se conseguiria caminhar muito.
— Estamos perto. Preciso dizer que estava animada para conhecê-la, todos estavam dizendo que a nova senhora era muito jovem e bonita.
— Oh, bondade sua!
— É ali adiante. Vamos entrar?
— Não, espere. Será que eu posso ir sozinha? Não me faça perguntas, apenas entenda, por favor — pediu.
— Tudo bem. Eu espero aqui. — A criada se fincou na frente da loja.
Mosyne entrou no estabelecimento com receio, uma senhora atrás do balcão a olhou de modo estranho. A jovem aproximou-se com cautela, olhou para os lados, e sussurrou algo em direção à mulher.
— Tenho um chá ótimo para isso. Chá de agnus-castus. Leve também de ashwagandha. Tenho certeza de que resolverá todos os seus problemas. Sabe como preparar?
— Sei. — Pegou os saquinhos pardos e entregou as moedas à mulher, que apenas as guardou rapidamente no bolso. — Obrigada.
E, tão rápido quanto entrou, também saiu.
No lado de fora, Selma a esperava como um cão obediente. E no mesmo instante chegou o Henson com uma caixa vermelha nos braços.
— Estamos prontos? Está na hora do almoço. Vamos voltar. Conseguiu comprar o que queria?
— Sim. Veja. — Mostrou os pacotes a ele.
Sorria de orelha a orelha, porque finalmente resolveria seu terrível problema.
— É impressão minha ou está mancando, Mnemosyne? — o lorde perguntou, parando-a para olhá-la.
— O sapato está apertado. Vamos logo, estou com fome, marido.
Ele riu, porque ao que parecia ela ficava de mau humor quando tinha fome.
Graças aos céus, chegaram na hora certa, o almoço já estava preparado e disposto na grande mesa. O lorde ajudou a esposa a comer, ensinando-lhe sempre. As habilidades da jovem com os talheres tinham melhorado muito. Parecia mais civilizada.
— O que acha de cortar seu cabelo? Pode escolher um corte da moda — sugeriu ele.
Ela parou com o garfo no caminho da boca e o fitou.
— Eu posso? — Seus olhos se encheram de lágrimas.
Henson não entendeu o que se passava. Ficou de pé, foi até sua esposa e colocou a cabeça dela contra o peito. Confortou-a sem perguntas, é claro, mas sabia que havia algo errado.
— Pode, sempre que quiser. Se desejar usar o cabelo curto como o meu, eu aceito. Mas não chore, meu bem. — Acariciou-lhe o rosto.
Ela usou o guardanapo para secar as lágrimas. Nunca antes pudera cortar o cabelo, não deixavam, era proibido, imoral, inútil. Carregava aquele tanto de cabelo como um peso, e se cortar fizesse se livrar disso ao menos em parte, ela faria.
— Pode ser amanhã? — pediu.
— Claro que sim. Chamarei a cabeleireira para vir aqui. Agora coma. Esforçou-se demais essa manhã, tire a tarde para descansar. Vou visitá-la à tarde com um presente.
Mosyne fungou.
— Obrigada por ser um bom marido. Eu não mereço tanto.
Ele riu.
— Não vamos discutir. Volte a comer.
Ela o fez. Comeu devagar, e Henson se retirou para resolver alguns assuntos. A jovem terminou e decidiu subir para o quarto. Mas era terrível com aquele pé machucado.
Ao chegar ao aposento, olhou para os pacotes de chás sobre a cama e sorriu. Precisava tomar todos os dias durante um mês e tudo daria certo. Poderia dormir com seu marido, só precisava dar um jeito de afastá-lo até lá.
Sentou-se na cama e ficou olhando pela janela o movimento. Estava cansada de andar, justo ela que andara tanto na vida!
O marido entrou no quarto carregando a mesma caixa vermelha daquela manhã.
— Presente para você. Espero que goste. Obviamente, um é para seu estômago. — Riu o lorde.
Sentou-se ao lado dela e entregou a caixa.
Mnemosyne abriu. Havia um livro vermelho, e um monte de quadradinhos marrons que pareciam sabonete. Pegou um, cheirou.
— O que é isso? — Não conhecia aquela iguaria.
— Nunca comeu chocolate? — Estava espantado.
— Não. Nem sabia que existia. Posso comer? — perguntou e ele fez que sim, então a jovem comeu. Seus olhos cresceram e ela encarou o marido, que começou a rir da sua cara. — Acho que isso se chama paraíso.
— É bom, verdade? Dê-me um — e quando a esposa fez menção de entregar na mão dele, o homem se negou. — Alimente seu marido.
Ela sorriu. Sentiu o rosto arder.
Levou o chocolate à boca do lorde, que aproveitou para sugar os dedos dela, numa exibição quase sexual.
Mosyne se afastou.
— Isto é um livro?
— Sim — concordou ele. — Gosta de ler?
Ela abaixou os olhos, envergonhada.
— Não sei ler — sussurrou.
Lorde Henson sentiu uma pontada no peito, de pura tristeza. Ela não conhecia uma das melhores coisas da vida? Como podia?
— Eu a ensinarei, todos os dias. Começaremos amanhã. É necessário que saiba ler. Mas escrever, você sabe?
— Não sei — contou ela, sem jeito.
Ele suspirou.
Tomou a mão dela na sua e a fez olhá-lo.
— Pois eu prometo que tudo que você não teve antes terá agora, Mosyne. Quero que saiba que estou aqui para protegê-la de tudo, inclusive de seu passado. Confia em mim, passarinho?
— Confio, urso.
Bem, era um bom começo. Surgia ali um laço que jamais poderia ser rompido, que ligava um coração a outro.

Quando um lorde encontra o amor - As irmãs Bredley livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora