Capítulo Vinte e Quatro

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Lorde Henson lavou as mãos na bacia com água morna, e a mesma ficou machada de vermelho. Olhou para a esposa desacordada, queimando de febre. Já era noite e ela não tinha melhorado, desde que o médico controlara o sangramento. Ele precisou costurar a pele, no meio da coxa, e o lorde quase desmaiou ao ver o tamanho do estrago da facada.

Sentou-se ao lado dela, numa cadeira.

Suspirou.

Por que não contara tudo a ele? Por que não tinha dito que tinha sido escravizada por aquele monstro? Não mudaria nada de seus sentimentos, não importava qual fora a vida dela antes de se conhecerem.

Henson se culpava muito. Por ser tão omisso, devia ter investigado antes, suposto que a esposa escondia algo grave. E o maldito agora queimava no fogo do inferno, e nunca mais precisariam se preocupar com ele.

O lorde estava tendo lembranças do que se passara, e sua memória estava voltando, mas ele não precisava lembrar, para amar a esposa. Amou Mnemosyne no primeiro segundo que a viu, toda suja de lama, com fome, assustada.

Ele sentiu os olhos ardendo. Há quanto tempo não chorava? Desde a morte da mãe, que Deus a tivesse, fora morta por aquele desgraçado e ele quase sofrera o mesmo destino.

Tivera sorte de encontrar Selma naquela manhã, e ela lhe entregar uma carta. Ele leu durante a viagem, e voltou rapidamente para salvar a esposa. Mas nem ele, nem ela, que acredite, planejava matar o demônio com suas próprias mãos, precisaram sujar as mãos com sangue dele.

— Acorde, passarinho. Eu estou aqui. — ele dizia, segurando a mão dela.

Mais tarde, Henson recebeu a visita do amigo, que estava preocupado com a saúde da jovem. Lorde Tremelin não parava de fumar, e aparentava estar muito nervoso.

— E isso é tudo que aconteceu. — contou o lorde, revelando os acontecimentos daquele dia.

— Nem os contos de terror que leio são tão intensos. Espero que sua esposa se recupere, bom amigo.

— Eu também espero. — bebeu um pouco de vinho e pensou. — Eu deveria estar sentindo este remorso tão terrível como sinto agora?

— Deveria. Um homem que não sente remorso não é um bom homem. — concluiu Eric.

Henson foi obrigado a rir.

— Obrigado por me animar, amigo.

— Oh, é para isso mesmo que eu sirvo. Apenas para animar, divertir as pessoas, eu não tenho mais nenhuma serventia do que isso. — Tremelin reclamou.

— Isso foi muito específico. Está tudo bem?

— Não, não está. Eu concluí que sou um inútil. Um lorde que só serve para beber, fumar e dormir com mulheres. — soltou um pouco de fumaça e olhou pela janela do escritório o entardecer.

— Isso deve ser uma crise existencial, Eric. Também já passei por isso. — consolou o amigo.

Revoltado, o loiro cruzou as pernas, depois descruzou e ficou de pé. Andava de um lado para o outro.

— Não posso acreditar que minha vida se resume a isso. Quero viver algo, alguma coisa que me faça mudar. — explicou o homem, sonhando. — Por que minha vida é tão pacata?

— Não disse que ia a Normandia?

— E vou, dentro de alguns dias. Espero que haja algo bom esperando por mim, lá.

— Eu aposto que será o começo da sua felicidade.

— Está usando seu lado cigano para adivinhar meu futuro? — brincou Eric.

Robert piscou para ele.

— Apenas considerando. — olhou a hora no relógio de bolso. — Quer ficar para o jantar?

— Não. Vou ver uma... Você sabe. — o olhar malicioso dizia tudo.

Despediram-se ali, com a certeza de que lorde Tremelin não estava batendo bem da cabeça, e que ele deveria sim viajar e procurar por aquilo que tanto lhe fazia falta. Quanto ao lorde, voltou ao quarto, com o coração na mão, pensando que acontecera um milagre e sua esposa tinha acordado. E, como se os céus respondessem verdadeiramente sua prece, ao abrir a porta, ele encontrou sua esposa acordada.

— Olá.

— Como se sente? — ele sentou ao lado dela. — Estava preocupado.

— Com dor. Me dê água? — pediu, a boca seca.

O marido encheu um copo com água e entregou a ela, que bebeu tudo. Devolveu o copo e o olhou com carinho.

— Obrigada.

Mosyne ergueu a coberta para ver que estava apenas com uma bata, e tinha a perna costurada. Franziu a testa para o marido.

— Não sei por onde começar.

— Não precisa ser agora. — tranqüilizou-a ele.

— Eu achei que seria uma salvadora para todos. — ela confessou, sentindo-se humilhada por isso.

— E você foi, de certa forma. Tanto que foi ferida.

— E ele...?

— Morto. — confirmou Henson, segurando a mão dela. — Seu inferno acabou hoje, Mnemosyne. É uma mulher livre. Não precisa mais fugir de ninguém.

Essa sim era uma boa oportunidade para a jovem chorar, porque não era demonstração de fraqueza, e sim lágrimas de vitória, não para comemorar a morte de alguém, mas sim por sua liberdade.

— Fui uma escrava, Robert, passei por tantas coisas, que não sei se um dia serei capaz de contar tudo a você. — secou as lágrimas. — Mas quero que saiba que estou feliz de estar aqui, e quero que me perdoe por tudo.

Henson depositou um beijo na fronte dela.

— Te amo, passarinho. Esqueça o passado e viva o presente comigo. — pediu, emocionado.

— Eu passarei o resto dos meus dias ao seu lado.

Era uma promessa, de corpo, de alma.

**

Nos dias seguintes, a jovem não pôde mover a perna ferida, e ficou na cama, enquanto o marido tratava de fazer tudo por ela. Levava comida para a esposa, dava banho, penteava os cabelos e claro, roubava-lhe beijos.

A situação em torno de Mnemosyne era grave, e envolveu as autoridades, que julgariam Selma por ser cúmplice de John, seu irmão, por ajudar e planejar a morte de Alba, através de pagamento a uma criada que se suicidar pouco depois de tudo descoberto. Fora um plano muito bem orquestrado, mas que terminara mal para os bandidos.

A jovem não queria falar mais do acontecido, e o marido não perguntava também. Ela só pensava que agora poderia ser feliz, ter a vida que desejava... Porque ao contrário do que tinha imaginado, Henson não a odiou por seu passado, não a condenou nem a tratou mal por isso. Ele simplesmente não se importava com o que tinha acontecido com ela ante, porque a amava.

Quando já podia caminhar, Mosyne se levantou.Tomou um banho, e quando saiu da água caminhou até a penteadeira. Olhou-se no espelho e notou algo estranho.

Seu abdome estava maior ou era impressão sua?

Seus seios também estavam diferentes.

Será que?

Sorriu.

Levou a mão aos lábios, para não gritar. Porque essa era a vontade.

Grávida?

Quando um lorde encontra o amor - As irmãs Bredley livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora