Perdidamente apaixonada

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Jacqueline estava apreensiva, não costumava ter movimentos ansiosos e repetitivos, mas naquele instante batia a caneta sobre a mesa freneticamente; o impacto do objeto no vidro era quase imperceptível aos seus ouvidos, o que denunciava o quão alheia ao ambiente ela estava naquele momento. Seu corpo estava ali, mas sua mente transitava entre universos de palavras e sonhos que mais lhe pareciam pesadelos vívidos; havia uma sensação de vulnerabilidade que lhe invadia o peito, por sentir paixão e ódio diante daquela incerteza amarga. A paixão, agora, parecia impossível, era mais um sentimento seco como a febre de quem não transpira, era paixão sem ópio nem morfina. E o vislumbre de um "eu te amo" era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé.
Internamente era transtorno em forma de gente, mas por fora era ilegível o que sentia, impecável como tinha de ser.

Num impulso premeditado levantou-se da cadeira, fazendo-a ir para trás em um leve impacto sobre a parede, recolheu seus pertences e jogou-os em sua bolsa da maneira mais desajeitada possível e saiu de seu escritório logo em seguida.

- Andrew, cancele minha agenda das próximas horas. Estou saindo e não pretendo retornar à Scarlet hoje. Se precisar de algo, não me ligue. - Disse secamente, não dando tempo do assistente responder, saiu andando deixando para trás um Andrew visivelmente frustrado.

Parou ao lado da mesa de Katherine, que se encontrava profundamente absorvida pelas palavras que digitava e fitava na tela do computador, a mesma só percebeu a presença quase fria da mulher quando esta pronunciou com uma voz grave que a fez estremecer:

- Katherine, arrume suas coisas e venha comigo.

- Mas, Ja… - Foi interrompida por uma palma de mão estendida no ar, uma reprovação silenciosa pela possível objeção da jovem.

Katherine relutou em silêncio, somente para si, mas recolheu seus pertences com uma pontada insistente em seu estômago. Apenas não queria contrariar Jacqueline outra vez, a mulher efetivamente não lhe fez um pedido, lhe deu uma ordem. Sua mente já iniciava um jogo cruel de adivinhação daquele “pedido” em tom quase agressivo e impessoal. Questionava-se, principalmente, se aquele seria um pedido de demissão.

Engoliu as palavras junto com os pensamentos, que desceram rasgando sua garganta e se alojando em suas entranhas, como um alimento mal digerido que lhe causaria dores profundas algum tempo depois. Seguiu em total silêncio com a mulher pelos corredores da revista, adentraram o elevador e a tensão entre elas poderia ser recolhida com as mãos de tão densa, mas nenhuma palavra fora pronunciada, nenhum olhar, nenhum gesto, nenhum sinal que desse a Katherine a mínima chance de pensar “não estou mais ao lado da minha chefe, mas sim da Jacqueline. Aquela doce e entregue Jacqueline.” Pelo contrário, era como se aquela Jacqueline tivesse sido pisoteada no escritório antes da editora deixá-lo.

O silêncio fora quebrado somente pelo barulho do carro da editora sendo destravado, a mulher apenas lhe cedeu um olhar distante que dizia “entre” e mais nada. Katherine entendeu o pedido silente e ainda que receosa adentrou o carro. Ambas se ajeitaram, colocaram o cinto e a mais velha deu partida, a fim de deixar logo o “território” da Scarlet, sabia que a falta de palavras era profundamente incômoda para a mais nova, sentia a tensão e ansiedade de seu corpo exalar de seus poros como um feromônio, atraindo-a cada vez mais para si. Queria mesmo era chorar, derramar em um pranto agudo aquela angústia que lhe apertava o peito em tanta dúvida, mas não podia. Não ali, não nos arredores da Scarlet. Seguiu caminho até que estivessem afastadas o suficiente da empresa, dirigiu até um lugar onde Jacqueline sabia que seria seguro, podia ser ela, podia despir-se de suas vestes de chefe e voltar a ser uma mulher comum com um coração aflito e apaixonado.

- Me desculpe por tirá-la dessa forma de lá. - Foram as primeiras palavras ditas após longos minutos tortuosos de uma mudez indescritível, fazendo Katherine respirar com um pequeno alívio.

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