O amor é uma arte que nunca se aprende e sempre se sabe, é um canto silencioso que embala vidas despretensiosamente distraídas. O amor é um eterno encantado pelos desavisados. Daqueles que se tira para dançar sem saber os passos e que no tropeço dos próprios pés vão se ajustando até entender que o compasso se dá no sentir, no corpo que se entende com outro corpo enquanto dança pelos corredores da vida.
E de arte Jacqueline e Katherine entendiam, mas de amor... ainda estavam nos tropeços de uma dança desajustada, de corpos desorientados que ainda não se entregaram por completo. Mas o futuro as destinava uma linda valsa argentina, cheia de drama, emoção e sedução.Naquela manhã de sábado, nos limites opostos da cidade, ambas finalizavam um café da manhã que descia por suas gargantas quase como um afago, era a temperatura morna do chá de Jacqueline e a doçura do iogurte de Katherine, era o agridoce da geleia de damasco sobre o queijo Brie que a editora degustava e o açúcar refinado e cristalino sobre os pequenos cereais que a escritora levava à boca, era o silêncio reverberando no apartamento espaçoso da mulher mais velha e as notas musicais de Chopin ressoando pela sala da mais nova. Mas o afago não vinha dessas minúcias que eram observadas por cada uma aquela manhã, o afago vinha do interior de seus corações, do mais profundo de suas mentes, que reviviam as memórias recém-criadas. O afago vinha da certeza de que se veriam aquela manhã, não como chefe e funcionária, não como editora e escritora, mas como mulheres, enamoradas.
Haviam reservado aquele dia para irem juntas à exposição imersiva de Van Gogh, ambas grandes admiradoras, fascinadas pelo trabalho do pintor.Jacqueline finalizava sua última torrada, sendo tirada de seus pensamentos evanescentes pela voz grave de seu marido adentrando a sala de jantar sem qualquer destreza ou delicadeza, Jacqueline se questionou como homens podiam ser tão brutos logo tão cedo em uma manhã de sábado, pensou que Katherine jamais acordaria daquela forma tão rude, ainda mais sem antes dar-lhe um beijo doce nos lábios.
- Jacqueline, por Deus! Por que você muda minhas coisas de lugar sem me avisar antes? - ralhou sem sequer olhá-la nos olhos.
- Deve ser porque você larga tudo jogado e eu preciso ir atrás de você limpando a sua bagunça. - Disse em um tom calmo, mas sem qualquer emoção.
- Ah, por favor. Você nem fica em casa, quem limpa a bagunça dessa casa, tanto minha quanto sua, é a Ivana. - O mesmo aumentava o tom gradativamente, revirando uma pasta e deixando alguns papéis caírem sobre o chão.
A mesma permaneceu em silêncio, optou por abster-se o quanto antes pois sabia onde aquela conversa os levaria: em mais uma de suas brigas matinais sem vencedores, pois ambos sempre saiam perdendo e cada vez se gostando menos. Era essa a sensação que a editora tinha, que apenas se aturavam e dividiam um teto, mas não havia mais afeto, parceria ou cumplicidade entre eles, que dirá amor. A dança entre eles havia acabado há anos, voltaram aos tropeços que se transformaram em quedas bruscas.
- Não irei discutir com você, Giorgio. Você sequer me deu um bom dia e já ousa aumentar o tom de voz comigo. Eu acho bom você nem começar. Seja homem ao menos para achar as suas próprias coisas e ter a responsabilidade de guardá-las adequadamente. - Jogou o guardanapo sobre a mesa e levantou-se em um movimento único.
O homem sentiu as veias saltarem em seu pescoço, o sangue esquentar sua face, fechou os punhos e levantou-se ajustando a postura e caminhando em passos bruscos, aproximou-se mais do que deveria da mulher, encurralando-a na parede, batendo com a mão quase como um soco sobre a parede ao lado direito de seu rosto; a mulher não se moveu, não esboçou uma reação sequer, era como se sua mente já não se importasse mais com nada, suas ações já não mais lhe afetavam.
- Quem você pensa que é pra dizer que não sou homem ou que não tenho responsabilidade? - não gritou, mas o tom era rígido o suficiente para expressar a sua raiva.
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Por trás de seus olhos
FanfictionJacqueline Carlyle é editora chefe da Revista Scarlet, uma grande influência no mundo jornalístico. Uma mulher que inspira coragem e luta por aquilo que acredita, sem medo de correr riscos. Mas os dias da editora estariam prestes a mudar após a cont...