Amar é coisa de amadores

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Sempre soube que amar não era tarefa para profissionais, mas sim para amadores. Tentei ser uma dessas pessoas que se acham especialistas em matéria de amor e percebi que não sei ser alguém que analisa o amar pra dizer que ama; eu sinto. E por sentir, não dou conta de explicar o porquê amo.

Meu estômago parecia revirar, talvez pela fome que sentia após as horas de voo, talvez pelo movimento de pouso do avião, talvez, quem sabe, por ela... a ideia de reencontrar Jacqueline, de repente, me parecia assustadora. Quando o avião pousou e os outros passageiros começaram a se levantar e retirar suas malas para sair, eu permaneci sentada, com o cinto afivelado, fingindo que estava apenas esperando aquela fila de gente diminuir, mas o que eu queria mesmo era tempo de assimilar que a alguns passos dali ela me aguardava. Me aguardava, quem sabe, com o coração nas mãos, enquanto o meu batia no estômago.

Enfim fui me levantando, peguei minha mala com certa calma, coloquei-a sobre o chão e sai caminhando para fora do avião como se deixasse o útero da minha mãe outra vez: na incerteza de um mundo que se forma e me puxa para ele sem piedade. Subi a rampa com outras cinco pessoas que também ficaram por último no avião, me perguntei se elas também estavam com medo de voltar ao mundo, do chão cru, da terra firme, do amor ferido que aguardava a uma porta de distância.

Quando dei por mim, puxava a mala com certa pressa, no meio de uma multidão de pessoas que pareciam tão certas de seus destinos e eu, perdida. Após quase seis minutos puxando aquela mala, ouço meu nome ser chamado. A voz tinha a mesma doçura, a mesma sensação de ternura, era quase como acariciar um tecido aveludado intermediado pela voz dela. Respirei uma, duas, três vezes, até achar que conseguiria virar sem tropeçar nos próprios pés.

Jacqueline não sorriu. Não vi seus dentes brancos e alinhados sendo emoldurados por seus lábios rosados, só vi seus olhos, inundados, em uma batalha que parecia árdua demais para ela não os deixar vencer e banhar o rosto inteiro com aquele choro que parecia estar preso há dias. Meu coração falhou uma batida no peito e eu achei que pudesse estar sendo castigada com um milésimo de segundo de quase morte, por fazê-la chorar. Mas eu achei que ela sorriria...

- Katherine... você voltou... – As lágrimas corriam por suas bochechas e ela nem se importou em tentar limpá-las, se aproximou com tanto cuidado que eu achei que ambas quebraríamos uma em frente a outra. Senti sua mão trêmula tentar tocar meu rosto, mas no meio do caminho ela parou, pressionando os dedos contra a própria palma e recolhendo o braço para junto do corpo outra vez. Dessa vez, era eu quem queria chorar.

Não ousei abraçá-la; e nem ela a mim. Parecia estar tentando respeitar uma regra silenciosa que havíamos estabelecido, sem nem sequer saber. Caminhamos juntas e em silêncio até o carro, o percurso inteiro ela chorou. Um choro silencioso e discreto, apenas de lágrimas soltas escorrendo pela face. Eu não soube o que fazer, como agir, o que falar... O meu coração que batia no estômago já parecia que ia rasgar minha barriga ao meio e minha maior preocupação naquele momento era não vomitar. Chegamos ao carro e ela insistiu para pegar minha mala e colocar no porta-malas. Acabei cedendo. Parecíamos duas estranhas. Adentramos segundos depois e o silêncio permaneceu. Ela encarava os próprios dedos da mão sobre o colo e eu a observava pelo canto do olho. Eu queria tanto dizer algo, queria tanto que minha voz não tivesse sumido... Mas eu, uma escritora, não tinha uma palavra sequer para dizer a ela.

- Eu sinto muito... Não queria que as coisas tivessem chegado ao ponto que chegaram. Duvidei de você, Katherine. Fui injusta e achei que você faria comigo o que Giorgio fez.

- Eu não...

- Eu sei. Sei que não é como ele. Sei que não faria o mesmo. E também sei que a Simone Nassar te quer. E ela não vai desistir tão facilmente.

- Jacqueline , por favor... Isso não faz o menor sentido.

- Ah! Não, Katherine? Me explica então o porquê desse caos todo que vivemos nesses últimos três meses? Eu te acusei... você foi embora... e tudo isso foi por causa dela.

- Não, Jacqueline! – Minha voz era apenas um suspiro, amargo. – Tudo isso aconteceu porque antes de eu decidir ir embora, naquele dia, a Simone descobriu sobre nós duas.

- O q-...

- Não. Me deixa falar. Por favor. – Suspirei e enfim a olhei nos olhos. – Naquele dia a Simone viu a sua mensagem na tela do meu celular. Eu entrei em desespero, eu sabia que ela não era tão confiável e que vocês duas se odeiam. Eu menti pra você e por isso eu peço desculpas, mas eu estava desesperada, então... eu a segui. E inventei que queria tomar um café com ela, apenas para tentar resolver as coisas e ela não acabar conosco. A Simone quer a Scarlet, Jacqueline. Ela não quer a mim. E aquela mensagem... era tudo que ela precisava pra tirar a editora de você.

- Kat... eu sinto tanto...

- Eu sei... acho que, de certo modo, nós duas erramos. Eu só não esperava que... você fosse me comparar com seu ex marido...

- Me perdoa. – Seus olhos, pequenos e avermelhados pelo choro persistente se perderam nos meus e eu pude ler toda a tristeza que ela sentia, eu pude ler e entender o quanto ela estava sentida. Meu bem... – Minha alma deixou o corpo por instantes com aquele sussurro, com aquele jeito carinhoso que ela costumava me chamar. Senti sua mão recostar-se sobre minha perna, com a palma aberta, pedindo pela minha. Observei seus dedos finos e delicados por quase um minuto, até ceder por completo e entrelaçar meus dedos aos seus.

- Tudo bem. Acho que vai ficar tudo bem. – Disse brevemente, sem qualquer força na voz, perdida naquele carinho tão singelo entre nossas mãos.

- Você não é como ele. Nunca será. Porque você é a minha Kat. É a minha escritora. É... o meu bem. – Deixei que minha cabeça pendesse no banco enquanto eu olhava, os olhos aguando até não poder se conter mais.

- Eu não quis te deixar. Eu senti tanto a sua falta... – Meu tom era quase como um segredo.

- Você precisa me ajudar... a juntar os pedacinhos que foram caindo do meu coração a cada dia longe de você. – A mão que segurava a minha subiu gentilmente por meu rosto e ela afagou minha bochecha, eu apenas fechei os olhos e me deixei receber aquele carinho, que durou algum tempo.

- Eu prometo juntar cada pedacinho, e não deixar que ele se parta outra vez. – Disse ainda de olhos fechados, apara abri-los segundos depois e tê-la pertinho de mim , os rostos tão próximos que eu sentia sua respiração bater contra meus lábios.

- Me promete que nunca mais vai embora? Mesmo quando eu não merecer te ter aqui?

- Por que você não mereceria? Você também é o meu bem... E eu prometo não te deixar sozinha outra vez. Resolveremos o que quer que for juntas, conversando, aprendendo a escutar antes de reagir. – Agora, suas duas mãos seguravam meu rosto, e eu enfim pude ver seu sorriso de dentes branquinhos e alinhados, com lábios rosados os emoldurando. Finalmente, aquele sorriso que eu tanto amava e que tentas vezes foi razão do meu próprio sorriso, estava estampando seu rosto.

- Me deixa te dar um beijo? – Ela sussurrou já roçando os lábios aos meus e eu sequer pensava direito.

- Tantos quanto quiser. – Minhas palavras mal foram pronunciadas e eu pude sentir a maciez de sua boca encostar-se na minha, seus dedos sumindo entre meus cabelos, os lábios adocicados e a língua aveludada... Nos perdemos por algum tempo naquele beijo; que era muito mais que um beijo. Senti como se ao tocar seus lábios de novo, eu pudesse ter a certeza que achei que não tinha quando saí daquele avião. Eu queria estar ali, queria beijá-la, tocá-la, amá-la. Pois tudo que eu queria estava ali. E era ela. Somente ela.

"Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar."

-Fernando Pessoa








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Gente... espero que gostem do capítulo e não me matem pela demora de mil anos pra postar (🤭). Mas voltei... Demoro, mas sempre volto.
Comentem aqui pra eu acompanhar vocês!!!
Um beijão! ❤️

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⏰ Última atualização: Aug 18 ⏰

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