A Descoberta do Mundo

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Katherine observava silenciosamente a mulher em sua sala, de sua mesa era possível fitá-la ao longo do dia, graças às paredes de vidro que revestiam seu escritório. Mas o fazia com certo cuidado, pois a editora também tinha uma visão privilegiada da mesa da escritora. Em outro contexto isso poderia se apresentar como um grande incômodo para a jovem, imaginar-se sendo observada por sua chefe o tempo todo, todos os dias, parecia profundamente angustiante; mas não era angústia que recobria seu peito naquele momento, era alívio, de poder vê-la de longe, admirá-la imersa em seus afazeres. E que paisagem era Jacqueline Carlyle: os cabelos loiros em ondas tímidas caindo sobres os ombros naquela manhã como uma cascata que reverberava raios de sol, a pele clara, mas não o suficiente para fazê-la apagar-se entre as madeixas, as roupas, sempre impecáveis, lhe abraçavam o corpo como se tivessem sido feitas exatamente para recobrir aquela pele, as pernas cruzadas em um tom quase provocador, revelando os saltos pretos de sola vermelha... aquela mulher era mesmo uma obra de arte, um monumento, o qual Katherine não se cansava de admirar cada minúcia, cada detalhe único.

Os devaneios da jovem foram cortados por uma voz quase aguda em seus ouvidos, acompanhada de uma batidinha em seu ombro. – Caramba garota, já te falei pra parar de babar na minha chefe desde o primeiro dia que chegou aqui. Acorda!  – um Andrew impaciente a repreendeu.

- O que foi agora, Andrew? – fitou-o com a mesma impaciência. – Eu não estava “babando” na Jacqueline. Só estava observando algumas coisas. – disse, tentando desviar do fato que efetivamente estava quase babando enquanto olhava a mulher por longos minutos.

- Aham, sei... E, por sinal, ela está te chamando na sala dela. E vê se agiliza porque daqui a pouco ela tem uma reunião com o departamento administrativo. – disse cruamente, virando-se e seguindo para sua mesa em seguida.

- Ai, esse garoto precisa arrumar um namorado logo, que pé no saco. – Resmungou para si mesma enquanto se levantava e ajeitava a saia lápis que usava aquela manhã.

A jovem aproximou-se da porta e bateu suavemente anunciando sua chegada, pelo vidro pode ver a chefe sorrir levemente e acenar com a mão para que adentrasse. E a presença de Jacqueline tão próxima, mais uma vez, lhe causava espasmos estomacais, era ainda mais bonita de perto e Katherine sabia bem disso. Caminhou em direção à mesa de Jacqueline que estava de cabeça baixa observando alguns papéis, ao lado, a jovem pode notar um livro, observou atentamente, a curiosidade de conhecer mais dos gostos da editora era maior que ela mesma. A jovem era apaixonada por livros, como escritora, não poderia ser diferente, tinha uma pequena biblioteca particular em seu apartamento, podia dizer que conhecia muito bem a Literatura.

- Você gosta? – a mulher a observava com um olhar doce, fazendo a escritora virar-se com certa surpresa para ela.

- Bom, eu sou escritora... sou apaixonada por livros, Jacqueline. – sorriu de forma acanhada.  – Posso? – apontou para o livro, afim de confirmar se poderia ver.

- Mas é claro que sim.

A jovem estendeu a mão e Jacqueline depositou o objeto sobre ela, tocando seus dedos suavemente, fazendo a mais nova olhar fixamente em seus olhos e um arrepio subir por sua espinha no mesmo segundo; era um gesto tão simples, mas a editora conseguia despertar essas sensações em Katherine com gestos mínimos de proximidade. Katherine desfez o contato e fitou a capa do livro.

- A Descoberta do Mundo, de Clarice Lispector...Não sabia que gostava de Clarice, é uma de minhas autoras preferidas. – a jovem sorria abertamente, folheando o livro, sem perder a página marcada.

- Acha que não sou tão culta para ler Lispector, senhorita LeBlanc? – disse com uma sobrancelha arqueada e os braços cruzados.

- O que? N-não, não foi isso que eu quis dizer, é que...

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