De volta à Scarlet

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Katherine chegou em casa ainda com os resquícios da sensação estranha de estar ao lado de Simone, suas palavras reverberavam em sua mente e corpo; não de uma forma prazerosa, mas de uma maneira que lhe causava um arrepio, um receio desmedido do que poderia acontecer se ela contestasse as investidas da mesma e se ela desconfiasse que estava com Jacqueline. Tentou dissipar os pensamentos por um tempo, precisava relaxar e pensar com tranquilidade acerca do que faria, não podia colocar Jacqueline e sua carreira em perigo.

Assim que chegou em casa a jovem colocou o celular para carregar e direcionou-se ao banheiro para tomar um banho; quando saiu vestiu um pijama confortável e enfim voltou-se ao aparelho para falar com a editora. No entanto, ao desbloquear a tela seu corpo gelou e um vinco se formou em sua testa. Jacqueline estava terminando com ela e pedindo que não voltasse a vê-la. Abriu a mensagem com rapidez e a única coisa que viu foi o vazio do lindo rosto de Jacqueline que já não aparecia ali, indicando que havia sido bloqueada. Seu coração diluiu-se no peito em um grande aperto, queria chorar, queria ir atrás dela, queria entender o porquê daquela decisão, mas ao mesmo tempo uma insegurança lhe atingiu em cheio. Pensou que a mulher enfim se deu conta de suas diferenças, da ideia de construir uma relação com outra mulher e que ainda por cima era uma de suas funcionárias. Katherine deveria compreender e aceitar, ainda que sua mente, seu corpo, coração e alma se recusassem a aceitar a ausência da mulher em sua vida.
Estavam construindo algo juntas, um amor tão singular... e, de repente, aquele castelo de sonhos ruiu na fraqueza de um sopro; o castelo de sonhos não passava de uma miragem que agora ela tentava a todo custo aceitar a irrealidade de sua existência.

Ambas sofriam no silêncio de suas casas, no silêncio de suas palavras e sentimentos não ditos. Havia uma ponte entre elas, que as levou uma à outra aos poucos, mas essa mesma ponte foi desfalcada por mãos alheias, as mãos de Simone Cesarini.
Katherine desaguou em lágrimas todos os gestos que não se permitiu fazer. Segurou-se em casa, embaixo das cobertas, na tentativa de não ir até a casa de Jacqueline. Queria respeitá-la, ainda que isso lhe custasse a chance de explicar tudo a ela e dizer o quanto a amava e jamais queria perdê-la.

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

No dia seguinte, Katherine não levantou e não foi para o trabalho, seu corpo lhe pedia cama, silêncio, acolhimento.
No outro canto da cidade, Jacqueline calçava os sapatos de salto e vestia sua máscara de editora chefe de uma revista famosa, precisava retomar seu trono, antes que Simone lhe tomasse isso por completo também. Sua mente lhe traía, trazendo entre um pensamento e outro a presença de Katherine em sua casa, relances de seu sorriso e seu cuidado, rastros de sua presença tão passageira em sua vida. Queria passar na casa da jovem e tomá-la nos braços, dar um beijo demorado em seus lábios e gravar em sua memória todos os traços de sua face que ainda não pode observar. Queria pegar em sua mão e caminhar com ela pela cidade, chegar envolta em um abraço que só ela sabia dar e adentrar a Scarlet ao lado da mulher que ela só queria poder amar. Mas não podia. Se ela não tinha certeza do que queria, Jacqueline não seria a pessoa a estar em seu caminho.

Devido ao trânsito, a editora demorou mais que o normal para chegar até o edifício, mas ainda assim estava dentro do horário que pretendia chegar: antes de Katherine e antes de Simone. Passou pelo saguão e foi sendo cumprimentada por uma quantidade considerável de pessoas que diziam estar felizes por sua volta e por sua recuperação. No elevador, encontrou Richard, que também admitiu estar satisfeito com seu retorno, mas garantiu que a Cesarini não sentiria o mesmo. As portas do elevador se abriram, anunciando funcionários em êxtase pela figura revelada ao sair do elevador. Foi recebida de volta com palmas, saudações e sorrisos sinceros, além de alguns presentes; sentia-se acolhida e profundamente satisfeita por terem sentido sua falta.

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