Abismo

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O medo é um afeto que envolve o modo como um acontecimento ou estímulo nos afeta, mas também daquilo que ele evoca em nós em situações muito particulares. O medo é um dos seis afetos fundamentais descritos por Darwin, uma das formas mais fáceis de reconhecer no outro um princípio de angústia. E essa mesma angústia se dá por uma fase de indeterminação que, segundo Freud, surge pelas tentativas falhas de fingir que o medo não existe; causando, assim, sentimentos outros que permeiam o próprio medo, como a depressão ou a ansiedade.

É impossível fugir do medo. Quanto mais se tenta escondê-lo, mais ele cresce, toma forma e nos domina.

Katherine estava tomada por um medo que já se tornava irracional, ou quase. Tinha ciência de onde ele surgia, qual era seu ponto de partida, seu cerne; seu medo tinha nome, rosto e olhos que mais pareciam um abismo de tão negros. A jovem sentia-se caindo dentro desta mesma profundeza, foi sugada por ela pela janela de seu carro, sua alma havia sido extraída pelas orbes de Simone Nassar Cesarini.

Não conseguiu dirigir mais do que dois quarteirões, seu corpo se movia em comandos automáticos, sentisse um autômato seguindo comandos premeditados, como se tivesse sido programada para aquilo e mais nada. O que havia de humano em si encontrava-se recôndito em algum lugar obscuro de sua mente, onde o medo fazia morada e assumia o controle. Respirou uma, duas, três vezes... os olhos se fechavam com força em uma tentativa defectível de reassumir o controle de suas próprias ações e pensamentos, mas a única coisa que ressoava em sua mente era: eu estraguei tudo.

Pegou o celular sem raciocinar muito bem a respeito do que faria e deixou uma mensagem para Jacqueline que dizia:

"Oi, Jacqueline. Me perdoe pelo atraso e por não poder jantar com você esta noite. Minha amiga Jane passou mal e estou indo para o hospital vê-la. Me perdoe."

Não esperou por uma resposta, desligou o celular e voltou a virar a chave do carro na ignição, seguindo um caminho sem qualquer planejamento de volta para a Scarlet. Seus instintos lhe diziam mais do que qualquer coisa que precisava voltar lá e falar com Simone, esclarecer as coisas e não permitir que ela desconfiasse dela e muito menos de Jacqueline. Não tinha ideia se aquilo era uma boa ideia, mas só seguiu seu coração.

Para sua surpresa, ao parar no farol olhou para o lado e avistou os cabelos negros e a pele branca tão iluminada que era possível saber quem era até mesmo se o vidro do carro estivesse fechado. Katherine realmente não estava se dando ao luxo de pensar muito naquela noite, então buzinou levemente esperando que a mulher a avistasse ali ao lado.

- Katherine? Por acaso está me seguindo? - disse a mulher mais velha descendo o vidro do carro ainda mais, apoiando o braço ali.

- Não, Simone. Acho que foi só uma coincidência interessante. – desconversou. Não queria ser direta e dizer que estava indo atrás dela.

- Bom. Compreendo. O sinal já vai abrir. Nos vemos na empresa amanhã. – a mulher já se preparava para fechar a janela, mas foi surpreendida por um “espera” mais alto e estridente, um sinal claro de nervosismo, o que fez a mulher sorrir de canto.

- Espera!! Simone... quer tomar um café comigo? - a jovem soltou sem nem pensar direito no que havia dito. Realmente, Katherine estava desprovida de planejamentos mentais naquela noite.

- Hum... tudo bem. Me segue. Conheço um bom café aqui perto. – Disse e seguiu dirigindo assim que o sinal abriu.

A jovem apenas seguiu caminho logo atrás da mulher, que virou em algumas ruas até parar em um café chamado Coffetown; o lugar era muito bonito, uma arquitetura meio europeia que dava um charme especial e um toque quase romântico. Katherine se perdeu alguns segundos observando o lugar de fora, mas logo foi despertada pela buzina de Simone, que sinalizou onde ela deveria estacionar.

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