Atualmente - CAP 1

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Hoje completava 7 anos que eu tinha perdido minha família e consequentemente o juízo. Aquele dia ainda era uma enorme ferida no meu peito e a única coisa que me fazia seguir adiante era o desejo de vingança

— você não é paga para ficar divagando atoa garota

Eu trabalhava servindo bebidas no bordel da madame Luiza. Era um trabalho horrível, mas me permitia ter um teto para dormir e duas refeições ao dia, além de ser uma oportunidade ótima para ouvir as fofocas do reino

— o salão está cheio, homens importantes

Ela enfiou a mão no meu decote e começou a puxar os meus peitos para cima. Quando tentei me afastar levei um tapa na mão

— pare de ser rebelde, ninguém gosta de uma égua que não é domada — Abri a boca para responder mas recebi outro tapa, dessa vez no rosto — petulante, vá lá e faça seu trabalho

Respirei fundo para não enfiar uma faca no pescoço dela e enfim me virei e sai. O salão era uma verdadeira espelunca. Mesas de madeira da pior qualidade ficavam espalhadas no centro e ao redor algumas áreas privativas com sofás e cortinas. Garotas seminuas davam risadas no colo de velhos bebados e eu me desviava disso tudo com uma bandeja. Deixei algumas cervejas na mesa de uns idiotas e um dele palpou a minha bunda com força

— eai princesa, quanto tenho que pagar para você chupar meu pau bem gostoso?

— não sou uma puta

Tentei me afastar, mas ele segurou meu pulso

— qual é amor, todas aqui são

Puxei meu braço com muita força e ele estava tão bebado que caiu da cadeira, o que fez que todos ao redor rissem. Sem dúvidas nenhuma aquilo iria me gerar mais uma advertência e eu ficaria sem comida o resto da semana.

Meu expediente acabou meia noite e após uma enorme comida de rabo eu consegui ir para casa. Eu não sei nem se podia chamar aquilo de casa, era somente um quarto no sótão do bordel. As paredes tinham muito mofo, a cama era de mola  com um colchão fino e uma janela que me dava vista para o castelo, meu alvo final.

Por 7 anos eu treinei, aprendi alguns golpes de luta e com a adaga, comecei a bolar um plano para chegar ao rei, mas desde então eu não tinha conseguido sequer passar dos portões. Tudo que eu sabia era que ele se chamava Aires, as pessoas comentavam sobre seus olhos brancos que lembravam uma manhã de céu nublado. Ele nunca saia em público, parecia até uma lenda.

Quando acordei bem cedo a cidade já estava agitada. Escovei os dentes na bacia de água que tinha no quarto, lavei o rosto e observei meu reflexo no espelho quebrado. Meu cabelo estava enorme, todo embaraçado e bem sujo, as unhas lascadas, além disso meu cheiro não era dos melhores já que a única forma de me lavar era nessa pequena bacia.

Deixei tudo de lado e foquei no que realmente importava, então calcei as botas velhas e fui caminhar no mercado para ouvir as fofocas. Lá eu encontrava diversos produtos vindos de todos os reinos, charlatões que enganavam idiotas com truques falsos, comidas muito apetitosas

— bom dia senhorita, deseja um pãozinho?

O cheiro do pão quentinho fez a minha barriga roncar, mas eu só tinha duas moedas guardadas para emergências, então o agradeci e fui para a praça principal, onde se encontrava os maiores fofoqueiros da cidade

— aquela bruxa, a gente sempre imaginou que isso aconteceria

— você ficou sabendo que o rei foi visto?

Ao mesmo tempo as minhas orelhas entraram em ação e eu me aproximei das duas mulheres que conversavam

— não, a onde?

— ele saiu cavalgando com alguns soldados, o sol ainda não tinha nem nascido

Sem dúvidas ele tinha saído tão cedo porque não queria que ninguém o visse, isso significava que pretendia retornar em horários que ninguém estivesse mais na rua. Além disso não consegui mais nenhuma informação útil e o resto do meu tempo livre passei no quarto treinando socos.

— atrasada — a madame Luiza disse

— não estou atrasada

— eu já te disse para não se vestir assim

— mas...

O meu vestido era Velho e nada sexy, estava desbotado de tanto lavar e vários buracos apareciam

— troque isso, caso contrário está demitida

— eu não tenho outra roupa

— vá até a dispensa e peguei um vestido das meninas

Tentei reclamar mas ela foi irredutível. Cheguei na dispensa e um cabideiro tinha vários vestidos pendurados, eles eram de prostitutas e eu ficava muito exposta. Graças a isso trabalhei com vários idiotas passando a mão em mim, me puxando para seus colos e tentando me beijar. Quando finalmente o meu expediente acabou eu corri até o quarto para pegar minha capa e a adaga, depois me infiltrei em um beco escuro perto dos portões do castelo. Não sei quanto tempo fiquei la, mas era o suficiente para meu corpo estar tremendo de frio e todas as velas já terem sido apagadas, deixando a tua em um breu só

— já é bem tarde para uma garota estar na rua

Uma voz rouca e muito próxima de mim me fez levar o maior susto. Eu me virei e poucos passos atrás um cara com capuz estava encostado no muro

— se der mais um passo para perto de mim eu te mato

O vento ficou mais agitado ao nosso redor, fazendo com que minha capa caísse revelando meu vestido indecente. Peguei a adaga e apontei para ele que agora estava a dois passos de mim

— que prostituta corajosa

O cara misterioso apoiou o ombro na parede e cruzou os braços. Eu não conseguia ver seu rosto, mas ele me deixava arrepiada

— eu não sou uma prostituta

— já vi você no bordel

Ele deu uma risada que fez os meus ossos arrepiarem, depois desencostou de onde estava e caminhou até perto de mim

— vá para casa garota 

Coloquei minha adaga em seu peito para evitar que ele chegasse mais perto e nós ficamos separados por somente esses poucos centímetros. O estranho tinha um cheiro bom, me lembrava algo refrescante como menta, mesmo perto eu não conseguia ver seu rosto.

Ele analisou todo o meu rosto, desceu para o decote indecente do meu vestido e antes mesmo que eu me desse conta a adaga estava em sua mão

— uma dica para você, se quer matar alguém só faça — respondeu rodando a adaga no ar e me devolvendo pelo cabo — ficar enrolando só dá a chance de que a pessoa te ataque primeiro

Eu ia responder, mas uma ventania começou e fez uma lata de lixo cair. Me virei para olhar o que estava acontecendo e quando voltei os olhos para o estranho, ele não estava mais lá.

Desisti da minha vigília e voltei para casa, onde passei a noite acordada ouvindo os gemidos no andar de baixo. Eu precisava acabar com isso logo para poder voltar para a casa e chorar pela minha família.

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