CAP 18

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Os primeiros dias foram extremamente burocráticos. Os cofres estavam vazios, as pessoas revoltadas sem acreditar no que tinha acontecido.

Tive ajuda dos outros reinos, abaixei os impostos, nomeei o Daniel como meu conselheiro, o Alexei como capitão do exército e comecei a reconstruir as coisas quebradas

— majestade

Eu estava em pé no escritório observando a janela. Minha mente tão distante que a voz pareceu um sussurro em meu ouvido. Era assim a maioria dos dias, eu me sentia um visitante em meu próprio corpo

— você não tem que me chamar assim, Daniel

— se eu não prestar o respeito os outros também não irão

Me virei e o vi em pé diante da enorme mesa de madeira preta

— o que você quer?

— conversar com você

— tudo bem, o que foi?

— você está calado a dias, não come, não dorme e seus olhos estão assustadoramente brancos

— o que você quer que eu faça?

— você precisa viver seu luto, pelo Kyle e pela Zaya

Voltei a observar a janela e respirei fundo

— algum sinal do Liam?

— não, estamos procurando

— me deixe sozinho

Ele saiu da sala e eu continuei observando o mesmo lugar por um longo tempo. Vivendo lembranças que jamais iriam voltar

Meu corpo continuava aqui, fazendo o que ela gostaria que eu fizesse, dando uma vida melhor para as pessoas que não mereciam o que vinham passando. Mas meu interior era oco, ela tinha me levado com ela.

— Aires

— oi, Alexei

— o que eu faço com os prisioneiros? Eles estão causando tumulto nas masmorras

— mate-os

— você não vai interrogá-los?

— não

Ele saiu e eu decidi ir para o quarto. Eu ainda não tinha entrado no salão de jantar onde meu irmão foi morto. Eu mal comia, mas quando era necessário fazia minhas refeições na cozinha, o que causava muito incômodo nas funcionárias que tinham medo de mim

— perdão majestade — uma garota disse ao se esbarrar em mim

— sem problemas

— eu me chamo Nicole, sou filha do lorde Garcia

Ela me olhou dos pés a cabeça e deu um sorriso que mostrava claramente as intenções. Sai caminhando a deixando para trás e subi as escadas até o quarto.

As cortinas estavam fechadas, deixando tudo escuro e frio. Tirei as botas e sentei na cama, me encostando contra a cabeceira

— não sei se vou conseguir fazer isso sem você, princesa

Fechei os olhos e respirei fundo algumas vezes

— majestade? — alguém bateu na porta

— que é?

— você precisa ir até a...

— agora não vou, mande o Daniel

Passei o dia no quarto escuro ignorando todas as pessoas que me chamavam.

Após um mês as coisas continuavam na mesma. Eu não tinha ânimo para nada, sentia falta da Zaya a cada segundo do dia e me questionava o quanto perdi para pegar esse trono de volta

— Aires — o Alexei me chamou entrando na sala do trono

Eu estava sentado, observando o salão vazio

— tenho notícias ruins

— o que foi?

— um novo bordel com crianças

— não consegue resolver isso sozinho?

— você ficou desaparecido por tanto tempo, pensei que quisesse se mostrar presente

— eu não quero

Ele se aproximou de mim e sentou em um degrau

— cara eu te considero como um irmão...

— não começa com isso de novo, por favor

— a Zaya morreu, Aires e eu sei que isso deve doer pra caralho, mas é preciso dizer adeus e seguir em frente

— ela me pediu para não dizer adeus, disse que assim pareceria definitivo

— você sabe que os mortos não voltam

Fiquei em silêncio e respirei devagar. Não queria conversar, não queria falar sobre ela ou sobre os meus sentimentos. A única coisa que eu queria era ficar no meu mundo calado

Levantei e fui em silêncio para meu quarto. Tirei a minha roupa e entrei no chuveiro

A água estava quente e eu encostei a testa no azulejo e fechei os olhos. A Zaya odiava a água fria da cabana, ela sempre ficava com os lábios roxos e batendo os dentes quando ia se banhar. Eu conseguia sentir sua pele arrepiada sob os meus dedos

— eu nunca vou dizer adeus, princesa

Meu peito doía tanto que era como estar infartando. Fechei os olhos com mais força e pela primeira vez em anos uma lágrima caiu. Tudo que eu sentia nos últimos anos resolveu sair. Minhas pernas sequer conseguiam ficar firmes e eu me sentei no chão e abracei os joelhos

— deus, como isso doí

As lembranças do corpo do Kyle se misturavam com as da Zaya e precisei ir até a privada para vomitar.

Quando fiquei em pé observei meu reflexo no grande espelho embaçado. Meus olhos atingiram um tom branco leitoso, meu rosto estava vermelho e o cabelo molhado escorria água, descendo pelo meu corpo

Respirei fundo e senti a raiva que corria pelas minhas veias. Era uma mistura de sentimentos tão forte que soquei o espelho. Pedaços de vidro voavam por todos os lados me cortando, mas continuei esmurrando

— EU VOU TE MATAR SEU MERDA, EU VOU TE MATAR

Quando a raiva diminuiu eu me afastei e peguei uma toalha. Enrolei na cintura e fiquei observando os meus dedos sangrando

— Aires?

— o que foi, porra?

A porta foi aberta e o Daniel entrou

— o que você fez?

Olhei para porta do banheiro e ele foi até lá

— me deixe ver suas mãos

— estou bem

Peguei uma cueca e me vesti, depois voltei a me sentar

— vou chamar um médico

— eu não quero médico nenhum, me deixe sozinho

— você está sangrando

— saia, agora e não volte

— Aires...

— AGORA

Ele respirou fundo e então saiu do quarto. Peguei a toalha que me sequei e fui para a varanda, onde pressionei os dedos e fiquei observando as estrelas, hoje elas estavam tão brilhantes e a lua cheia deixava tudo iluminado

Será que ela estava lá com o Kyle? Eles seriam bons amigos. Duas pessoas decididas a me infernizar e eu iria amar isso e aguardava ansioso pelo dia que me juntaria a eles.

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