Os primeiros dias foram extremamente burocráticos. Os cofres estavam vazios, as pessoas revoltadas sem acreditar no que tinha acontecido.
Tive ajuda dos outros reinos, abaixei os impostos, nomeei o Daniel como meu conselheiro, o Alexei como capitão do exército e comecei a reconstruir as coisas quebradas
— majestade
Eu estava em pé no escritório observando a janela. Minha mente tão distante que a voz pareceu um sussurro em meu ouvido. Era assim a maioria dos dias, eu me sentia um visitante em meu próprio corpo
— você não tem que me chamar assim, Daniel
— se eu não prestar o respeito os outros também não irão
Me virei e o vi em pé diante da enorme mesa de madeira preta
— o que você quer?
— conversar com você
— tudo bem, o que foi?
— você está calado a dias, não come, não dorme e seus olhos estão assustadoramente brancos
— o que você quer que eu faça?
— você precisa viver seu luto, pelo Kyle e pela Zaya
Voltei a observar a janela e respirei fundo
— algum sinal do Liam?
— não, estamos procurando
— me deixe sozinho
Ele saiu da sala e eu continuei observando o mesmo lugar por um longo tempo. Vivendo lembranças que jamais iriam voltar
Meu corpo continuava aqui, fazendo o que ela gostaria que eu fizesse, dando uma vida melhor para as pessoas que não mereciam o que vinham passando. Mas meu interior era oco, ela tinha me levado com ela.
— Aires
— oi, Alexei
— o que eu faço com os prisioneiros? Eles estão causando tumulto nas masmorras
— mate-os
— você não vai interrogá-los?
— não
Ele saiu e eu decidi ir para o quarto. Eu ainda não tinha entrado no salão de jantar onde meu irmão foi morto. Eu mal comia, mas quando era necessário fazia minhas refeições na cozinha, o que causava muito incômodo nas funcionárias que tinham medo de mim
— perdão majestade — uma garota disse ao se esbarrar em mim
— sem problemas
— eu me chamo Nicole, sou filha do lorde Garcia
Ela me olhou dos pés a cabeça e deu um sorriso que mostrava claramente as intenções. Sai caminhando a deixando para trás e subi as escadas até o quarto.
As cortinas estavam fechadas, deixando tudo escuro e frio. Tirei as botas e sentei na cama, me encostando contra a cabeceira
— não sei se vou conseguir fazer isso sem você, princesa
Fechei os olhos e respirei fundo algumas vezes
— majestade? — alguém bateu na porta
— que é?
— você precisa ir até a...
— agora não vou, mande o Daniel
Passei o dia no quarto escuro ignorando todas as pessoas que me chamavam.
Após um mês as coisas continuavam na mesma. Eu não tinha ânimo para nada, sentia falta da Zaya a cada segundo do dia e me questionava o quanto perdi para pegar esse trono de volta
— Aires — o Alexei me chamou entrando na sala do trono
Eu estava sentado, observando o salão vazio
— tenho notícias ruins
— o que foi?
— um novo bordel com crianças
— não consegue resolver isso sozinho?
— você ficou desaparecido por tanto tempo, pensei que quisesse se mostrar presente
— eu não quero
Ele se aproximou de mim e sentou em um degrau
— cara eu te considero como um irmão...
— não começa com isso de novo, por favor
— a Zaya morreu, Aires e eu sei que isso deve doer pra caralho, mas é preciso dizer adeus e seguir em frente
— ela me pediu para não dizer adeus, disse que assim pareceria definitivo
— você sabe que os mortos não voltam
Fiquei em silêncio e respirei devagar. Não queria conversar, não queria falar sobre ela ou sobre os meus sentimentos. A única coisa que eu queria era ficar no meu mundo calado
Levantei e fui em silêncio para meu quarto. Tirei a minha roupa e entrei no chuveiro
A água estava quente e eu encostei a testa no azulejo e fechei os olhos. A Zaya odiava a água fria da cabana, ela sempre ficava com os lábios roxos e batendo os dentes quando ia se banhar. Eu conseguia sentir sua pele arrepiada sob os meus dedos
— eu nunca vou dizer adeus, princesa
Meu peito doía tanto que era como estar infartando. Fechei os olhos com mais força e pela primeira vez em anos uma lágrima caiu. Tudo que eu sentia nos últimos anos resolveu sair. Minhas pernas sequer conseguiam ficar firmes e eu me sentei no chão e abracei os joelhos
— deus, como isso doí
As lembranças do corpo do Kyle se misturavam com as da Zaya e precisei ir até a privada para vomitar.
Quando fiquei em pé observei meu reflexo no grande espelho embaçado. Meus olhos atingiram um tom branco leitoso, meu rosto estava vermelho e o cabelo molhado escorria água, descendo pelo meu corpo
Respirei fundo e senti a raiva que corria pelas minhas veias. Era uma mistura de sentimentos tão forte que soquei o espelho. Pedaços de vidro voavam por todos os lados me cortando, mas continuei esmurrando
— EU VOU TE MATAR SEU MERDA, EU VOU TE MATAR
Quando a raiva diminuiu eu me afastei e peguei uma toalha. Enrolei na cintura e fiquei observando os meus dedos sangrando
— Aires?
— o que foi, porra?
A porta foi aberta e o Daniel entrou
— o que você fez?
Olhei para porta do banheiro e ele foi até lá
— me deixe ver suas mãos
— estou bem
Peguei uma cueca e me vesti, depois voltei a me sentar
— vou chamar um médico
— eu não quero médico nenhum, me deixe sozinho
— você está sangrando
— saia, agora e não volte
— Aires...
— AGORA
Ele respirou fundo e então saiu do quarto. Peguei a toalha que me sequei e fui para a varanda, onde pressionei os dedos e fiquei observando as estrelas, hoje elas estavam tão brilhantes e a lua cheia deixava tudo iluminado
Será que ela estava lá com o Kyle? Eles seriam bons amigos. Duas pessoas decididas a me infernizar e eu iria amar isso e aguardava ansioso pelo dia que me juntaria a eles.
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Incompatível
RomanceZaya é uma jovem curandeira que vive em um pequeno vilarejo do reino do ar. Após presenciar um dos momentos mais difíceis da sua vida, ela decide que vai se vingar e a partir deste dia começa a traçar um plano para assassinar o rei tirano. * Para me...