Ouçam cidade vizinha para chorarem como eu e aproveitem
Os poucos raios de sol que teimavam em ultrapassar as densas nuvens escuras daquela manhã iluminavam a pista de concreto do parque parcialmente vazio. Eram seis da manhã, mas Bianca estava de pé desde as cinco.
Sua rotina corrida e cheia de tarefas não a impedia de se exercitar todas as manhãs, hábito que criou depois de um longo e infeliz período de adaptação na capital paulista. Embora sempre desejasse estar ali, estar de fato era outra história. Uma triste e rancorosa história.
De volta ao apartamento, sentou-se no balcão da cozinha devorando uma tigela de frutas que nem mesmo gostava mas que comia porque sua nutricionista tinha pedido. Um garfo na mão e o celular na outra. Conferiu as mensagens que tinha deixado de responder na noite anterior, dentre as da família algumas outras de interesses amorosos casuais que não tinha pretensão de dar continuidade além de noites esporádicas.
Bianca gostava do trabalho. Gostava das novas amigas, ainda que sentisse saudades das inseparáveis Mari e Flay. Ainda que gostasse de dar rumo à sua vida, da forma que sempre desejou, ainda sentia falta de alguém. Alguém que não via há tanto tempo que tinha receio de esquecer como era seu rosto, mas sempre se pegava olhando algumas fotos perdidas na sua galeria. Também mantinha escondida em sua gaveta de calcinhas, lá no fundo quase esquecida, a foto tirada no dia da cachoeira e do acampamento que Rafaella tinha insistindo em montar.
Só buscava essa foto quando a saudade batia tão forte que uma garrafa de vinho não era capaz de tirar aquela dor de seu peito. Acontecia com mais frequência do que ela gostava de admitir.
Uma vez, Bianca tinha lido em algum lugar que o luto poderia durar até mesmo cinco anos. Não estava preparada para aguentar mais quatro de todo aquele sentimento angustiante. Repetia, quando já bêbada, que Rafaella seria passado na manhã seguinte. Nunca de fato aconteceu. Rafaella nunca virou passado na manhã seguinte até aquele momento.
Era duas da tarde quando Diogo e Paolla cruzaram a porta da sua sala conjugada. Diogo bem vestido em sua camisa de botões sorriu assim que viu a morena, trazia consigo uma sacola de papel que Bianca supôs ser seu almoço. Estava tão entretida no trabalho que sequer notou sentir fome.
Aquilo também tinha virado rotina.
— Pausa pro almoço, Bi. — Disse o rapaz encostando na divisória que separava Bianca dos demais colegas de setor. — Ou me atrasei hoje?
Com um sorriso contido e simpático, Bianca aceitou seu almoço se levantando para usar o escritório da chefe como refeitório. O almoço foi levado da forma que era acostumado. Paolla ora ou outra falava sobre o trabalho, Diogo descontraía com alguma piadinha sobre workaholics e Bianca apenas sorria. Sorria, não por felicidade, mas por ser mais fácil. A cabeça tinha ido longe ao ouvir algo sobre a viagem de Paolla à fazenda de Rafaella. Mesmo a chefe tendo se afastado dos negócios do pai, Paolla ainda gostava de visitar a fazendeira por pura amizade. Bianca não a condenava, se pudesse também faria o mesmo. Mas não podia. Tinha ido embora da cidadezinha sem falar com Rafaella, sem dizer tchau, sem dar um último abraço. Na época estava tomada por raiva, naquele momento por vergonha.
Tinha perdido o time. Fazer o que, afinal?! Era o que tinha para o momento.
Quando por fim terminou o almoço, Diogo saiu para continuar seu trabalho deixando Paolla e Bianca sozinhas. Sutilmente a chefe, e amiga, tinha deixado implícito que queria falar com ela à sós.
— Quer café, Bia? — Perguntou Paolla colocando uma cápsula na cafeteira. Com um aceno positivo a morena confirmou recebendo uma xícara logo em seguida. — E como vai a pós?
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Caso Indefinido - Rabia
ספרות חובביםNuma pacata cidade do interior de Goiás, Rafaella vivia sua vida monótona e sem grandes acontecimentos ao lado dos amigos e da garota que tanto era apaixonada. Dona de um sorriso fácil e simpatia envolvente, a jovem só desejava uma única coisa em su...